A festa dos oligarcas no futebol global (1991-1999)
O futebol nos tempos da União Soviética funcionava cheio de política e ideologias. Com a queda do bloco e as privatizações selvagens de Boris Yeltsin, o que passa a valer é a lei do dinheiro e times cada vez mais internacionalizados
Jogadores inflamados pelo símbolo da URSS? Não mais. Verdadeiras seleções continentais pintadas de vermelho? Esqueça. A partir de 1991, a realidade no mundo da bola dentro da Rússia mudou drasticamente. Desde 1987, grandes transformações no futebol passaram a acontecer. Primeiro, o governo Gorbachev aboliu o uso gratuito de instalações esportivas como estádios, piscinas e campos. Quer usar? Pague. Novos clubes particulares começaram a aparecer, e os clubes de futebol tradicionais também começaram a mudar a estrutura, e olhar para o que era feito no exterior.
O esporte que, até o fim dos anos 1980, tinha uma ligação muito forte com a política, vai entrar agora na era do marketing, do business e a ter injetadas em seus interiores grandes somas de dinheiro de grandes investidores e acionistas, vindas dos mais diferentes setores da economia, e loucos para faturar com o mundo cada vez mais globalizado da bola.
E, com o governo de Boris Yeltsin, entre 1991 e 1999, eles não só encontraram a porta escancarada para isso, como foram convidados pelo primeiro presidente russo eleito a tomar a melhor vodca do país e a decidir os rumos das grandes indústrias por lá.
As privatizações selvagens
Yeltsin, para diminuir a estrutura do novo Estado, decidiu implementar uma política denominada de “privatizações selvagens”, que deveriam inserir a Rússia a todo custo no mundo capitalista. Assim, um grupo de empresários mais ricos do país, e ligados ao presidente, vai comprar a preço de banana empresas de gás, petróleo e minérios, além de tudo que era controlado pelo Estado. Se pessoas como Boris Abramovich e Roman Berezovsky já tinham muito poder e dinheiro nas mãos, agora eles eram os oligarcas russos, e passaram também a ser os acionistas maiores dos clubes de futebol, que antes pertenciam a setores estratégicos da União Soviética, como o Exército e a KGB.
Nas ruas, tantas privatizações ajudaram a piorar o caos da transição de economia socialista para a capitalista. Os mercados sofreram com os desabastecimentos e as imensas filas para se conseguir um pão e outros produtos, a inflação e o desemprego dispararam, e os soviéticos, que voltaram a ser russos, não conseguiam compreender tantas mudanças. Se antes só existia uma verdade, uma pravda, agora existiam muitas.
O caos esportivo
Tanta crise e mudanças forçadas refletiram obviamente na estrutura esportiva da Rússia. A seleção de futebol, que teve participações importantes em Copas do Mundo, passou a ser uma figurante na competição a partir da edição de 1990. Em 1994, eles até se classificaram para o Mundial dos EUA, com um time com nove jogadores vindos ainda de ex-membros da URSS, como Ucrânia e Bielorrússia, e foram despachados logo na fase de grupos, levando como prêmio de consolação a artilharia do torneio do ucraniano Oleg Salenko, que empatou com o búlgaro Hristo Stoichkov, com seis gols cada um. Uma miséria para uma seleção que chegou a assombrar até Pelé e Garrincha.
Os clubes locais de futebol, mesmo com uma enxurrada de petrodólares na conta, também não conseguiram fazer frente a outras equipes europeias em competições do continente, como a Liga dos Campeões e a Liga Europa, assim como atrair a atenção de grandes craques vindos do exterior. Para se ter uma ideia, o maior e único título russo no futebol europeu só apareceu em 2005, com a vitória do CSKA na Liga Europa, num grupo que contava com o brasileiro Vagner Love como uma das estrelas.
Das ruínas soviéticas, o que sobrou de glorioso no esporte foram as Olimpíadas. Em 1992, 12 das 15 não mais repúblicas soviéticas disputaram a edição de Barcelona como Equipe Unificada, pois não havia tempo hábil para os novos países se organizarem após o desmembramento da URSS, e venceram o resto do mundo, com 112 medalhas conquistadas. Em Atlanta, quatro anos depois, os russos, já como Federação Russa, só perderam dos EUA e continuaram como uma das potências olímpicas.
Um detalhe importante: os russos, que não são bobos nem nada, herdaram todos os resultados conquistados de 1917 a 1991, e deixaram o resto chupando o dedo.
O Putin vem aí e o bicho vai pegar
Reza a história russa que, todas as vezes que o Estado esteve descentralizado, não deu certo. O país, que nasceu no séc. 9, tinha uma estrutura de servidão ao Príncipe de Kiev, e, por esta fragilidade institucional, ficou por três séculos nas mãos dos mongóis, e só foi recuperar o país quando o Patriarcado de Moscou foi criado e centralizado, no Séc. 15.
Com Yeltsin e o caos administrativo da nova Rússia, não foi muito diferente. Era preciso alguém que defendesse a mão forte e centralizadora da Mãe Rússia. Para dimensionar a importância deste centro, há na língua russa até uma expressão para isto: o сильный защитник государства. E este homem defensor do Estado forte e total estava chegando. Esta história fica para uma próxima.
Os clubes russos na Liga dos Campeões
Torpedo Moscou – 2 participações. Foi o primeiro clube soviético a participar da Champions na história, em 1967.
Spartak – É o clube soviético-russo com mais participações em Champions, com 19. Estreou em 1971.
CSKA – 14 participações. Estreou em 1972. Ganhou o primeiro e único título russo no continente em 2005, a Copa da UEFA, ao vencer o Sporting por 3 a 1 na decisão.
Zenit – 8 participações. Estreou em 1986.
Lokomotiv – 5 participações. Estreou em 2001.
Dínamo de Moscou – Participou uma vez, em 2010.
Rubin Kazan – 3 vezes. Estreou em 2010.
*O Dínamo de Kiev, maior rival dos clubes da URSS no Campeonato Soviético, estreou na Champions em 1968, ainda como time do bloco socialista, e soma 34 participações.