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Nas curvas do Rio do Leite

NAMCHE BAZAR

Pousar na curtíssima pista de 460 metros à beira de um penhasco do aeroporto de Lukla, um dos mais perigosos do mundo, foi a parte de maior adrenalina da viagem. Os 35 minutos de voo entre Katmandu e Lukla em um instável bimotor para 15 pessoas foram o portal para uma dimensão em que mudam horizontes, perspectivas, prioridades.

Era hora de colocar os pés na trilha rumo à mais alta montanha do mundo. A pequena, porém aspirante a cosmopolita Lukla (tem até uma filial mambembe do Starbucks), orbita em torno de seu aeroporto e do fato de ser porta de entrada para quem aspira chegar ao Everest, seja sua base ou seu cume.

 

Debruçada sobre o vale do Dudh Koshi, o Rio de Leite, com mil habitantes durante as temporadas de caminhada – abril e maio, e outubro a dezembro – Lukla é uma das maiores vilas da região de Khumbu, onde está o Everest. Pela única rua calçada de pedras se espalham lojinhas de souvenir. Ao subir alguns degraus a 2.800 metros de altitude, percebi os efeitos do ar rarefeito pela primeira vez. Ao menor sinal de dor de cabeça ou desconforto, os guias da Grade 6 recitavam um mantra: beba água. O saco de hidratação, com um canudinho próximo à alça da mochila, seria um dos meus melhores amigos.

 

Contrariando o que o imaginário concebe, a trilha rumo ao ponto mais alto do mundo começa com uma... descida. São 8 quilômetros e 3 horas de caminhada rumo a Phakding ( primeira parada, a 2.600 metros de altitude), margeando as águas esbranquiçadas do Rio de Leite em um trecho com fartos bosques de pinheiros. Durante duas semanas do ano as cerejeiras florescem – as mais belas que vi na vida.

 

Do lado de lá. Ao atravessar a ponte pênsil que cruza o Rio de Leite para a arrumadinha vila de Phakding, todos param para fotografar. Os lodges – acomodações rústicas, porém aconchegantes, normalmente de madeira – têm ares de novos. Sempre há um salão de refeições ou área comum aquecida, mas nos quartos nunca há calefação. Jantamos e pernoitamos no Himalayan Chain Resort, à beira do rio, onde adormecemos com o barulho da correnteza. Uma noite confortável.

 

No dia seguinte, seriam mais 8 quilômetros até Namche Bazar, a principal cidade da região, batizada assim pelo mercado que ali ocorre nas manhãs de sábado há quase cinco séculos, originalmente com mercadorias do Tibete. Hoje, muitos vegetais vêm das regiões mais baixas e os eletrônicos, de Katmandu.

 

O percurso até Namche é menos generoso do que o da véspera: a cidadezinha está quase mil metros acima de Phakding. Após um primeiro trecho fácil, atravessamos a ponte mais alta da trilha, suspensa a mais de 100 metros sobre o Rio de Leite, e iniciamos uma dolorosa subida.

Hoje eu sei: a mais difícil do percurso.

 

A barreira dos 3 mil metros de altitude foi quebrada com algum esforço. Depois de mais de 5 horas alcançamos o lodge, lá no topo da cidade.

 

Quase cosmopolita. Grande ‘metrópole’ da trilha, Namche Bazar é um amontoado ordenado de cerca de 400 casas, lodges e restaurantes em formato de concha a 3.440 metros acima do nível do mar. Tem ares de Cuzco, no Peru – aliás, ambas estão à mesma altitude. Lugares como o Café 8848 e o Café Daphne dão um ar cosmopolita ao lugar. Boas lojas de equipamentos de trekking a preços convidativos enchem os olhos. Galerias com pinturas thanka de motivos budistas e livrarias com clássicos da literatura de montanha fazem o bolso ter comichões. Se suas rupias tiverem acabado, há casas de câmbio e um caixa eletrônico.

 

Na ida ou na volta, você terá algumas horas para se perder por ali e visitar o Nauche Gonda Visitor Center (oesta.do/visitornamche), museu supercaprichado dentro do templo budista de Namche. Recomendo na ida, para entender o significado de todos os objetos budistas que o acompanharão pelos próximos dias (mais informações ao lado).

 

No segunda dia em Namche, fizemos uma caminhada de aclimatação para o organismo se

acostumar a altitudes ainda maiores. Após uma curva na trilha, a grande estrela: impávido no horizonte, um cume preto cercado por montanhas brancas, com uma insistente nuvem que pairava sobre ele. Era a primeira visão do Everest. / F.M.

 

 

1º TRECHO
Lukla
Phakding
Namche
Bazar Aclimatação
1 Símbolos budistaS estão por toda a trilha. Onipresentes, as bandeirinhas coloridas permeiam o horizonte. Suas cores (vermelho, branco, amarelo, verde e azul) simbolizam, respectivamente, fogo, ferro, terra, madeira e água. Em cada uma estão escritas orações para que o vento as espalhe
2 As rodas mani são um capítulo à parte. De madeira ou ferro, trazem mantras entalhados e devem ser giradas no sentido horário. Já as stupas são monumentos cônicos erguidos que simbolizam o próprio Buda. Vez ou outra depara-se com imensas pedras que trazem orações esculpidas. Passe sempre pelo lado esquerdo
16,2 KM

Ao contrário do que se pode imaginar, a trilha rumo ao Everest começa com uma descida.

Mas o aclive que vem a seguir...

Toda caminhada tem seu primeiro passo, o do nosso repórter foi dado em Lukla (2.840m). Acompanhe a descida até Phakding e o contato com as primeiras rodas de oração e monumentos budistas pelo caminho. Sem esquecer a primeira ponte pênsil.