Segundo Mário Rangel, um dos maiores especialistas no assunto, o inventor encarou o desconforto de subir e descer morros, atravessou área indígena, cruzou pântanos, riachos e pontes precárias.
A chamada Cavalgada Patriótica durou seis dias e continuou de carro e trem até Curitiba, onde em 8 de maio, uma segunda-feira, foi recebido pelo então presidente do Estado, Affonso Alves de Camargo, e o convenceu a desapropriar as terras ao lado das cataratas, o que foi feito menos de 80 dias depois pelo Decreto 653, de 28 de julho de 1916. Da capital paranaense, o aviador viajou de trem para Paranaguá. Em cada cidade aonde chegava, uma multidão o aguardava. De volta a São Paulo, falou sobre a viagem na entrevista Conversando com Santos Dumont, publicada na página 2 do Estado em 11 de maio de 1916.
“Chegando ao Salto do Iguassú fiquei, positivamente, maravilhado (...) Imagine uma immensa quéda d’água offerecendo o maiz bizarro pittoresco deste mundo: cachoeiras numerosas e variadíssimas, ilhas espalhadas por alli, a vegetação e uma infinidade de aspectos belissimos. O Iguassú, sem exaggero nenhum, é uma maravilha. Maior, muito maior que o Niagara. O Niagara é uma formidavel quéda d’água – mais nada. Não tem o lindo pittoresco do Iguassú. Poder-se-ia dizer que ha um Niagara saxonio nos Estados Unidos e um Niagara latino aqui no sul da America...”
Mais adiante, Santos-Dumont volta a dizer que está “enthusiasmado” com a descoberta. “Pretendo mesmo escrever um livro sobre o Iguassú, e livro com muitas gravuras. Quando passei por Curityba, fui falar com o presidente do Estado sómente sobre o Iguassú: pedir-lhe que se interesse pelo salto, e torne mais fácil e commoda a excursão. Imagine que não existe nem hotel por aquellas paragens. Existe, com o nome de hotel, uma casinha, com dois quartos e uma sala, apenas...”
A casinha a que se referiu era o Hotel Brasil, filial do hotel de mesmo nome que funcionava na Vila Iguaçu, onde ocupou o quarto número 2. Os dois hotéis eram construções simples, de madeira, construídos por Frederico Engel. Por muitos anos, elas hospedaram apenas os poucos visitantes com disposição para enfrentar mais de seis horas no percurso entre a cidade e as cataratas. Depois de uma churrascada em sua homenagem no dia 24 de abril de 1916, Santos-Dumont seguiu a cavalo para os então Saltos de Santa Maria com o anfitrião e Frederico Engel Filho. Voltou na tarde do dia 26, a tempo de assistir ao baile, também em sua homenagem, animado pela banda de música A Furiosa.
Filha de Frederico, Elfrida Engel Nunes Rios contou nos anos 1970 que o aviador se limitou a apreciar a animada sociedade que dançava em sua homenagem. “Ele permaneceu a maior parte do tempo parado em uma porta perto do piano do salão do hotel. Seu traje era um culote, uma simples túnica cáqui e polainas marrom, sem deixar seu clássico colarinho alto. Suportou delicadamente a festa até as quatro da madrugada do dia 27, quando se despediu cortesmente de todos e seguiu sua viagem até Guarapuava. Fez esta viagem sem medir sacrifício, 74 léguas. Acompanhou a linha telegráfica, naquele tempo ainda não tínhamos estrada”, relatou Elfrida, em texto enviado em 1973 a um concurso de documentos históricos de Santos-Dumont, com o qual conquistou o terceiro lugar. Além de narrar detalhes sobre essa passagem quase desconhecida da vida do pai da aviação, ela apresentou cópia de uma página de março de 1916 do livro de registro de hóspedes do Hotel Brasil.
Elfrida ainda revelou que o inventor quase matou de preocupação seu pai e outros guias no primeiro passeio que fizeram pela região. Era tempo de enchentes e as águas desciam violentamente pelos barrancos arrancando árvores pelo caminho. Uma enorme tora ficara presa sobre o precipício de um local conhecido como Salto Floriano. E foi justamente para lá que Santos-Dumont se dirigiu. Ficou na ponta do tronco, “de braços cruzados, imóvel, extasiado contemplando a maravilhosa Garganta do Diabo, sem medir consequências nem se importando com o tempo”. “Meu pai, conhecendo o imenso perigo, não ousava dizer uma só palavra com temor de que se voltasse e escorregasse, caindo no precipício.”
Quando Santos-Dumont retornou à terra firme, Frederico expressou seu desespero pela imprudência. Elfrida conta no texto que o aviador “bateu amigavelmente” no ombro de seu pai, procurando acalmá-lo: “As alturas não me perturbam, não se preocupe”. Em seguida, avisou: “Posso dizer-lhe que essa maravilha não pode continuar particular. Eu vou a Curitiba falar com o presidente para providenciar imediatamente a expropriação das cataratas”.
O Parque Nacional do Iguaçu só seria criado em 19 de janeiro de 1939, por decreto do então presidente da República Getúlio Vargas. Quarenta anos depois, por iniciativa de Elfrida, foi erigida uma estátua de Santos-Dumont em tamanho natural a cem metros das quedas. É até hoje um ponto disputado para retratos e selfies. Em 17 de novembro de 1986, as Cataratas do Iguaçu receberam da Unesco o título de Patrimônio Natural da Humanidade. No ano passado, 1,5 milhão de turistas visitaram Foz do Iguaçu e o município aparece em relatório de 2013 do Ministério do Turismo como o terceiro entre os dez mais visitados a lazer do Brasil – só perde para Rio e Florianópolis.
E por que essa história ainda permanece desconhecida da maioria dos brasileiros? Mário Rangel dá sua opinião: “Quando Santos Dumont fez a Cavalgada Patriótica Paranaense e foi a cavalo por um aceiro de linha telegráfica e telefônica na mata virgem, durante seis dias e centenas de quilômetros, dormindo mal, comendo mal, fazendo suas necessidades em condições vergonhosas, com os pés inchados e desviando das cascavéis que tomavam sol em seu caminho, a notícia foi publicada, com fotos no Paraná, e ele foi altamente festejado por onde passou”, lembra. “Esse noticiário local não chegou, todavia, a outros lugares, e só recentemente foi tratado em livros brasileiros, graças ao Concurso de Documentos Históricos de Santos-Dumont e à senhora Elfrida Engel Nunes Rios. O Estado de S. Paulo publicou notícia sem fotos quando ele chegou na estação ferroviária. Cabe a esse mesmo jornal, agora, dar destaque a esse tema e esclarecer que ele estava em plena saúde e não doente como dizem muitas biografias.”