FECHADO HÁ MAIS DE 20 ANOS, ACERVO NO MUSEU PAULISTA PODERÁ SER CONSULTADO NA INTERNET

Em 1935, três anos após a morte de Santos-Dumont, a família do inventor – representada por Arnaldo e Jorge Dumont Villares – doou milhares de documentos ao Museu Paulista. Por décadas, a instituição do bairro do Ipiranga, em São Paulo, manteve aberta uma sala dedicada ao inventor. Mas ela foi fechada há mais de 20 anos e, desde então, apenas funcionários e pesquisadores têm tido acesso a uma rica coleção, que inclui de documentos a objetos de trabalho. Fechado para reforma pelos próximos anos, o museu agora trabalha para colocar todo o seu acervo na internet até o ano que vem e reformular seu site. Com isso, materiais praticamente inéditos, como documentos, objetos e folhas de citações filosóficas selecionadas e escritas à mão por Santos-Dumont, virão a público.

Parte do acervo do Museu Paulista já está disponível em uma versão experimental na internet, que pode ser acessada neste link. O plano é colocá-la definitivamente na web a partir de meados de 2016. Para isso, o site do museu passará a hospedar bancos de dados das diferentes áreas da instituição, que poderão ser consultados online a partir de uma interface amigável para o usuário.

“Essa é atualmente uma de nossas prioridades”, conta Solange Ferraz de Lima, docente e curadora de acervos de imagens do Museu Paulista. “Para deixar nosso museu vivo e presente nesse tempo em que ficará fechado para visitação, pretendemos disponibilizar nosso acervo na internet, manter um canal ativo e interativo com o público e promover exposições virtuais.”

Em sua opinião, Santos-Dumont certamente deve alimentar muitas pesquisas e ser uma dessas exposições porque é uma das maiores e melhores coleções do museu. “Ela permite uma visão de várias facetas do espaço público e do espaço privado do inventor, já que reúne de documentos pessoais a móveis.”

Galeria: Iconografia

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Hoje, como o museu separa as unidades de seu acervo segundo características de preservação, o setor que guarda documentos, por exemplo, tem um banco de dados próprio, o setor de objetos trabalha com outro e assim por diante. “O ambiente digital permite articulações”, lembra Solange. “Se o usuário pesquisar Santos-Dumont, ele vai encontrar a lista dos mais de 1.400 itens da coleção de uma só vez e poderá navegar pelo acervo todo sem barreiras.”

Isso significa encontrar, entre outras peças, imagens e informações sobre equipamentos de trabalho e de fotografia, um par de esquis de madeira feito pela empresa Sport Testa de Saint Moritz com os números 3227, dois bastões de esqui de vime, bolas de golfe, raquetes de tênis Broquedis, brevê de voo, cadernos de projetos e anotações, que incluem até uma inusitada lista dos signos do zodíaco, e um sextante que depois de usado por Santos-Dumont foi por ele doado ao aviador português Gago Coutinho em 1922. Do próprio Coutinho e do também pioneiro Arthur de Sacadura Cabral, o brasileiro recebeu uma foto do Penedo de São Pedro com a observação “Já terra do Brasil, embora despovoada” e a seguinte dedicatória: “A Santos-Dumont, com admiração e amizade, Lisboa 1923, março 30”. Um ano antes, os dois haviam feito juntos a primeira travessia de avião do Atlântico Sul, de Lisboa ao Rio de Janeiro.

Galeria: Ipiranga

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Entre os objetos sob guarda do Museu Paulista, estão ainda outras curiosidades, como o canhão salva-vidas – uma catapulta de ferro e madeira que servia para arremessar boias de borracha presas a cordas para banhistas em dificuldade –, um passaporte diplomático e diplomas de condecoração dados por países como França, Portugal, Chile e Peru. Além de um vídeo do voo da Demoiselle feito em de 15 de setembro de 1909 em Saint-Cyr pela Gaumont, companhia cinematográfica francesa que havia sido fundada 14 anos antes pelo engenheiro Léon Gaumont e ainda hoje está em atividade. Curiosa, a filmagem inclui, entre outras cenas, a de um mecânico fumando enquanto aguarda a aterrissagem do avião, uma pequena multidão acompanhando as evoluções no ar, uma mulher que passa correndo e um cachorro. Após o pouso, há um corte na edição e Santos-Dumont surge dentro da aeronave, falando com auxiliares e possivelmente se preparando para uma nova decolagem.

VÍDEO Voo da Demoiselle em 1909. ACERVO MUSEU PAULISTA

Solange lembra que há anos já se pensa em unir diferentes acervos de Santos-Dumont virtualmente, mas a ideia não vingou porque cada instituição estava num estágio. Agora, com os acervos catalogados e digitalizados, o sonho volta à tona.

E o que será do espaço físico para o inventor depois da reabertura total do museu, prevista para 2022, para comemoração do bicentenário da Independência? Segundo Heloisa Barbuy, uma das curadoras do Museu Paulista, a nova fase certamente terá uma área sobre Santos-Dumont, no eixo relacionado à modernidade. “Ele é uma figura que condensa valores e comportamentos daquilo que era a modernidade na Belle Époque. Tanto do lado da invenção, de criar coisas para melhorar, de voar e romper barreiras, como do lado dândi, da moda, dos esportes de elite, dos jantares, de contatos com Rodin, Graham Bell, Cartier, Edison. Ele representava isso à perfeição e vivia em Paris, a grande capital cultural do mundo da época.”

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