Combate

Expediente

Um arsenal de armas para combater o Aedes

Giovana Girardi

Muito além do controle de criadouros e do fumacê, Brasil precisa misturar diversas ações para conseguir reduzir a população do mosquito que transmite zika e dengue

A emergência do zika no País associada à suspeita de ligação com casos de microcefalia jogou os holofotes da saúde pública sobre o controle do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus. Mas bem antes do zika, havia a dengue, e muito antes dela, a febre amarela – além da chikungunya, também relativamente recente. Por trás de todas as doenças está o mesmo Aedes, mosquito que atazanou o País na primeira metade do século 20, chegou a ser erradicado, mas voltou a circular nos anos 80, saindo do controle na última década.

Diante do zika, o Brasil volta a encará-lo. Só que agora a praga está muito mais adaptada e à vontade nas nossas cidades. Para combatê-la será preciso ir além da básica combinação: campanhas de eliminação dos criadouros + fumacê.


Um arsenal contra o mosquito

O Aedes aegypti hoje se espalha por quase todo o País e assusta com o poder de transmitir variadas doenças. É preciso uma ação integrada de várias estratégias para evitá-las

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1. Controle mecânico dos criadouros

Estratégia primária que deve ser adotada constantemente, uma vez que evita que o mosquito nasça. As outras ferramentas são consideradas complementares. O controle mecânico elimina ou veda pontos que possam ter larvas e impedir que virem adultos

4. Energia nuclear

A proposta visa a esterilizar em cativeiro os insetos machos por meio de radiação ionizante. Os insetos estão sendo soltos para competir com machos selvagens, numa proporção de 10 estéreis para 1 selvagem. Se vencerem a disputa, eles passam espermatozoides inviáveis para geração de novas larvas

3. Mosquitos transgênicos

Consiste em liberar no ambiente mosquitos machos (que não picam nem transmitem doenças) geneticamente modificados. Eles carregam um gene especial que faz com que seus filhotes morram antes da fase adulta. Até agora, mosquitos desse tipo foram criados pela empresa Oxitec, que os testou em um bairro de Piracicaba

2. Fumacê ou inseticida

É importante em locais com alta infestação do mosquito e serve como controle químico dos insetos adultos. Mas esse método elimina só a parte da população mais suscetível ao veneno. Assim como ocorre com antibióticos, o uso frequente de fumacê acaba levando à resistência e a área pode ser repovoada

5. Biopesticida

Uma das estratégias consideradas mais promissoras pelos cientistas para reduzir a presença do Aedes é o uso de um micro-organismo chamado Bacillus thuringiensis israelensis (BTI). Inofensivo para vertebrados, pode ser ingerido por humanos sem perigo, mas é fatal para as larvas do mosquito. A técnica, criada nos Estados Unidos, consiste em lançar nos criadouros pequenas esferas que soltam o BTI lentamente na água

6. Antivírus

Um estudo da Unesp vem investigando técnica similar, mas como base em bactérias que vivem no intestino do mosquito. O trabalho parte do princípio de que há fatores naturais que impedem o vírus de se replicar no mosquito. Se a hipótese se confirmar, esse material poderia ser borrifado em criadouros a fim de contaminar larvas. Os mosquitos cresceriam, mas sem a possibilidade de contrair o vírus. Em laboratório, isso funcionou com a dengue

7. Antivírus 2

A bactéria Wolbachia pipientis está em mais de 70% dos insetos do mundo e não é infecciosa nem é capaz de infectar vertebrados, incluindo humanos. Cientistas da Austrália demonstraram que a Wolbachia é capaz de bloquear a transmissão do vírus da dengue no Aedes. No mosquito infectado com a Wolbachia, o vírus da dengue não se estabelece


Na semana que passou, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma orientação aos países que abrigam o mosquito, encorajando-os a ir além dos métodos tradicionais e adotar também novas estratégias de controle como linha imediata de defesa. O órgão lembra que mais da metade da população mundial vive em áreas onde a espécie do mosquito está presente e que ele é oportunista. “Mostra uma notável capacidade de adaptação a ambientes modificados, especialmente aqueles criados por ações humanas”, lembra o guia da OMS.

É algo que os principais especialistas em mosquito e em epidemiologia no País já vêm chamando atenção. Na situação atual, apesar de necessárias, as ações padrões citadas acima não são mais suficientes. É preciso, dizem eles, lançar mão de um arsenal de ferramentas e adotar um programa de controle integrado, que ataque o mosquito em todas as etapas de sua vida. O problema é que muitas ainda estão em fase de teste e não há uma estimativa de quanto custaria colocar todas em prática.

Além da vacina. “No Brasil fica-se esperando a vacina como a solução para a dengue, para a zika. Só que as pessoas esquecem que a vacina serve somente para uma doença. E o mosquito tem competência para transmitir dezenas de doenças. Então o foco tem de ser nele”, explica Margareth Capurro, bióloga do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, que tenta criar mosquitos transgênicos para combater a disseminação da doença.

“Nas décadas de 40, 50, já existia dengue, mas como sua gravidade era bem menor, o foco era febre amarela. Conseguiram controlar a febre amarela com a vacina, mas aí a dengue se espalhou. E agora tem zika e chikungunya. Então se tiver vacina para dengue e zika, ainda vamos ter a chikungunya – que causa dores fenomenais – e sei lá eu mais que outros vírus. É claro que precisamos ter vacina. Mas o Brasil precisa ter um controle integrado mais efetivo do mosquito. E precisa ter comunicação em tempo real, diagnóstico rápido, assim como saneamento básico”, defende a pesquisadora.

Segundo os especialistas ouvidos pelo Estado, eliminar o bicho nos mesmos moldes do que aconteceu no século passado talvez seja impossível. Na época as ações eram à força e se usava como arma o polêmico DDT, inseticida tão eficiente contra o mosquito quanto danoso ao ambiente, que chegou a ser banido em vários países – Brasil inclusive. Aqui e ali alguns entomologistas (especialista em insetos) até têm aventado a hipótese de voltar a usá-lo, mas por enquanto as saídas são outras. A ideia é adotar diversas ações ao mesmo tempo para tentar reduzir as populações de mosquito a um nível baixo o suficiente para ser incompatível com a transmissão de doenças.

As opções têm pipocado na imprensa nos últimos meses: vão desde mosquitos transgênicos machos carregando um gene que torna a prole inviável e mosquitos machos tornados inférteis com radiação a até opções biológicas que matem as larvas e outras intervenções que impeçam que o mosquito seja infectado pelos vírus e, assim, não transmita doenças (veja algumas delas no infográfico).

De acordo com os pesquisadores, não existe uma solução única. “Temos que fazer um controle integrado com a maior quantidade de armas que tivermos”, afirma Jayme Augusto de Souza-Neto, pesquisador do Instituto de Biotecnologia da Unesp de Botucatu, que investiga o potencial de bactérias que vivem no intestino dos próprios mosquitos de impedir que eles sejam infectados pelos vírus.

Em geral se defende que o controle mais básico e prioritário é eliminar de modo mecânico os criadouros. Isso inclui as recomendações tradicionais de não deixar água acumulada e aberta em lugar nenhum. Mas essa é uma prática que, com mais ou menos adesão, vem sendo adotada nos últimos anos sem muita eficácia – tanto que o mosquito hoje se espalha por quase todo o País e só no ano passado provocou 1,6 milhão de casos de dengue, com uma estimativa de quase a mesma quantidade de zika.

Modelagens matemáticas de estudos epidemiológicos calculam, por outro lado, que acabar com os adultos deveria ser mais eficiente se não estivéssemos falando de bichos que voam e se escondem. “Na teoria, matar um ovo ou larva significa evitar um adulto, mas matar uma fêmea adulta significa matar centenas de ovos. Nos cálculos isso faz sentido, mas o problema é que esse mosquito é elusivo”, comenta Eduardo Massad, epidemiologista da Faculdade de Medicina da USP.

Da larva ao adulto. Aplicar o fumacê, comentam os especialistas, equivale a apagar um incêndio. Serve só para diminuir a população adulta em locais muito infestados. Por isso tem de vir acompanhado de várias outras ações. “A melhor saída é aplicar metodologias nas diferentes fases do mosquitos, enquanto jovem, na fase aquática, e no adulto, na fase alada, que é quando ele transmite os patógenos”, explica Alice Varjal, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, que coordena um trabalho de esterilização de mosquitos por meio de radiação que estão sendo soltos em fase de teste em Fernando de Noronha.

Tanto a técnica do mosquito infértil quanto a do transgênico, que foi desenvolvido pela empresa Oxcitec, têm como princípio colocar em circulação machos de algum modo modificados que, quando acasalarem com as fêmeas, não vão gerar filhotes. Elas colocam ovos, mas deles não saem larvas.

A ideia da radiação já foi usada para combater pragas agrícolas, mas pela primeira vez está sendo testada para o Aedes. Os desafios, conta Alice, são enormes. Para começar, é difícil saber quanto mosquitos inférteis são necessários soltar no ambiente. Em laboratório se viu que uma taxa adequada seria de 10 inférteis para 1 selvagem. Mas fazer esse cálculo na hora de liberá-los também é complicado porque não é possível saber exatamente qual é a densidade populacional do Aedes na natureza.

Os pesquisadores fizeram uma estimativa com base na quantidade de ovos que são postos em armadilhas espalhadas pela ilha. “Mas elas podem colocar ovos em muitos outros lugares. Pode existir uma população silenciosa que a gente não sabe o tamanho nem onde está”, explica Alice.

Agora é esperar para ver se os machos estéreis vão ganhar a competição na preferência das fêmeas. A expectativa é que os primeiros resultados comecem a aparecer daqui a quatro a seis meses. O resultado será avaliado pelos ovos eclodidos. “Antes de começarmos a colocar os mosquitos estéreis, vimos que havia uma taxa de 85% de eclosão no intervalo de um mês. A nossa expectativa é que isso caia bastante”, conta.

Biolarvicida. A pesquisadora trabalha ainda com armadilhas para atrair as fêmeas a colocarem seus ovos e então destruí-los e com os chamados biolarvicidas. O mais comum deles, que já é usado em alguns locais do Brasil, como Recife, é à base do Bacillus thuringiensis israelensis, que é lançado em criadouros para matar as larvas.

Souza-Neto vem trabalhando com a ideia semelhante, mas que avalia fatores genéticos ou da microbiota (bactérias que vivem no intestino) do próprio mosquito e que de algum modo evitam que ele contraia os vírus. Ele explica que em algumas populações de Aedes a taxa de infecção do vírus da dengue chega a ser de 70% a 80%, mas em algumas é abaixo de 30%. A expectativa é que isso valha também para zika.

Ele investiga esses indivíduos e já conseguiu isolar algumas bactérias que podem ter esse efeito. Se confirmado, o material poderia ser borrifado pelas cidades, para atingir os criadouros. “É uma ideia complementar. Não reduz a população, mas torna os mosquitos resistentes ao vírus”, explica.

Várias outros grupos de pesquisa no Brasil vêm investigando saídas semelhantes. O problema é que a maioria ainda está em fase de testes. E mesmo se tudo isso puder ser amplicado, ainda será muito difícil erradicar o mosquito. “A gente já não considera mais essa possibilidade, porque mesmo se todo o País se mobilizasse para fazer isso, o resultado seria algo temporário, porque temos muitas fronteiras por onde o mosquito pode voltar a entrar no País”, alerta a entomologista Denise Valle, do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, da Fiocruz.

Paulo Ribolla, entomologista da Unesp de Botucatu, pondera, no entanto, que não é preciso erradicar para resolver o problema. “Para as doenças serem transmitidas, é preciso ter muito mosquito. Cidades que tinham poucos até há alguns anos praticamente não tinham dengue. Nem todos os mosquitos se infectam quando picam alguém doente, e a janela em que uma pessoa transmite o vírus quando está doente é curta. Então são necessários muitos mosquitos. Se reduzirmos a população a ponto de impedir isso, podemos não ter mais transmissão”.

Perguntas e Respostas

  • Quais são os princípios ativos presentes em repelentes que são recomendados?
    Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, os princípios ativos recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) são a Icaridina, o DEET e o IR 3535
  • Apenas os repelentes com Icaridina são eficazes contra o Aedes aegypti?
    Não, mas a concentração de 20 a 25% fornece maior proteção do que repelentes com outros princípios ativos. O período de proteção é de oito a dez horas, mas deve ser usado apenas em pessoas com mais de 2 anos de idade. O DEET tem concentração de até 10% e também deve ser usado em maiores de 2 anos. A duração é de quatro e seis horas. Apenas o IR 3535, que tem concentração de 30%, pode ser usado em crianças com mais de 6 meses. A duração é de até quatro horas
  • Bebês podem usar repelente?
    Até os 6 meses, o produto não deve ser usado. Dos 6 meses aos 2 anos, apenas produtos próprios para crianças e devem ser aplicados uma vez ao dia. Dos 2 aos 12 anos, usar até três vezes ao dia
  • Quais os cuidados ao aplicar o produto em crianças?
    Evitar a aplicação nas mãos para que a criança não coloque o produto na boca e não permita que a criança faça a autoaplicação
  • Como deve ser feita a aplicação do produto?
    Caso a pessoa utilize hidratante e protetor solar, deve aplicá-los e aguardar 15 minutos antes de passar o repelente. Ele deve ser passado por último
  • O repelente pode ser aplicado na pele ferida?
    Não. Ele também não deve ser passado se a pele estiver com alguma irritação
  • A pessoa pode passar o produto no rosto?
    Sim, mas evitando a região da boca, do nariz e dos olhos. A melhor forma é aplicar o produto nas mãos e fazer a aplicação no rosto de forma cuidadosa
  • É necessário aplicar o produto sob as roupas?
    Não, porque o produto deve ser aplicado apenas nas áreas que ficarão expostas. Embaixo da roupa, ele perde a eficácia
  • O repelente pode ser aplicado sobre as roupas?
    Sim, assim como em telas protetoras e mosquiteiros
  • Quais cuidados devem ser tomados durante e após a aplicação em todas as faixas etárias?
    O produto nunca deve ser aplicado nas mucosas, nos olhos e nos genitais. Após a aplicação, a pessoa deve sempre lavar as mãos
  • Quais são as recomendações para as gestantes?
    Elas podem e devem utilizar o repelente, no máximo, três vezes ao dia. Alguns especialistas recomendam que grávidas utilizem versões infantis do produto
  • Por que há indicação para não ultrapassar três aplicações por dia?
    Porque o produto contém substâncias que podem causar intoxicação
  • O que deve ser feito em caso de intoxicação?
    Caso a pessoa tenha alguma reação adversa, intoxicação ou manifestação alérgica, a recomendação é lavar a área e entrar em contato com o Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox). O paciente também pode procurar uma unidade de saúde levando a embalagem do produto
  • A pessoa pode dormir utilizando o produto?
    O ideal é não utilizar durante o sono em nenhuma faixa etária
  • Quais são os melhores horários para a aplicação do produto?
    A manhã e o final da tarde são os períodos mais propícios para os ataques dos mosquitos

Fontes: Denise Steiner, coordenadora do departamento científico da Sociedade Brasileira de Dermatologia; Gustavo Gusso, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; Ministério da Saúde; Sociedade Brasileira de Dermatologia