Big Data da Amil. Para especialista, aumento do uso do prontuário eletrônico ajudará a identificar fatores de risco. Gabriela Biló

Big Data: quando os dados mudam de papéis a doses

Por Luiz Fernando Toledo

Dosagens específicas de medicamento, prontuários eletrônicos unificados, detecção de surtos com antecedência e até teste de remédios mais barato e prático. Essas são algumas possibilidades que a Medicina poderá oferecer em breve com o Big Data, ou seja, a interpretação e o uso de grandes quantidades de dados.

300 MILHÕES de livros é o total de informações que uma só pessoa é capaz de gerar ao longo da vida com seus dados de saúde
75 MIL é o número de papers de oncologia publicados por ano; para especialistas, é impossível que um médico se atualize

Há hoje uma infinidade de informações de pacientes, tanto nas operadoras quanto no sistema público, além de indicadores de saúde da população. O desafio, diz o professor Alexandre Porto Chiavegatto Filho, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), será como utilizá-los de maneira eficiente. “Hoje qualquer empresa tem uma imensa quantidade de dados”, diz ele, que coordena o Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde da universidade.

A. C. Camargo. Trabalho com microscópio de microdissecção a laser. Gabriela Biló

Parte dessas inovações já deve virar realidade em breve nos planos de saúde. Algoritmos podem ajudar, por exemplo, a detectar quais pacientes devem ter prioridade para utilizar determinados leitos e receberem cirurgia ou até mesmo quem deve ou não receber alta. “Hoje temos mais ou menos 100 milhões de registros em que trabalhamos em busca de informações clínicas”, diz Leonardo Almeida, CIO da UnitedHealth Group Brazil, controlador da Amil. “Com isso é possível propor e dar ao paciente uma gestão de saúde mais eficiente.”

Está em fase de desenvolvimento o uso dessas informações. “Queremos entender o tempo que determinado procedimento leva em uma determinada característica do paciente e, com isso, fazer uma melhor distribuição das agendas cirúrgicas. Com isso conseguiremos reduzir o atraso e melhor utilizar as salas e os leitos de apoio”, conta Almeida.

A.C. CAMARGO. Na imagem, patologista analisa amostra do Banco de Tumores. Gabriela Biló

Política pública. Essas informações também já podem ser usadas para melhorar os serviços públicos no setor. Para o pesquisador em saúde pública da Fiocruz Marcel Pedroso, o uso de Big Data caminha para que, no futuro, sejam possíveis previsões mais precisas que ajudem na elaboração de políticas públicas. “Uma vez que se entenda padrões, tanto de adoecimento quanto de prevenção, pode-se prever políticas para isto”, diz ele, que também coordena a Plataforma de Ciência de Dados aplicada à Saúde, um portal voltado a pesquisadores e gestores com visualização e análise de milhões de registros de nascimento, declarações de óbito e internações.

Outra possibilidade, diz ele, é a da criação de uma medicina mais customizada para o indivíduo. “Uma vez que se possa monitorar diversos sinais vitais e clínicos, será possível aplicar doses mais corretas de determinado medicamento ao paciente. A medicina personalizada terá muito impacto no futuro.”

Foi com o objetivo de melhorar as políticas para os pacientes que o Movimento Todos Juntos Contra o Câncer criou o Observatório de Oncologia, que reúne e faz cruzamentos com uma série de banco de dados. “Embora muitos dados sejam abertos, eles não são fáceis de ser lidos. Nós temos uma equipe de especialistas que facilita isto. Existem milhões de questões que podemos fazer a partir deles”, diz a líder do movimento, Merula Steagall. Um estudo divulgado recentemente pela entidade apontou, por meio de dados da plataforma, que 20% dos pacientes diagnosticados com câncer não são submetidos a tratamento dentro do prazo de 60 dias estipulado em lei, porcentual que aumenta nas Regiões Norte e Nordeste.

Laboratório do futuro. Os programas da USP em fase de ‘gestação’

Morte. Meta é identificar a probabilidade de pessoas com determinadas características, dentre 600 variáveis, morrerem em um determinado tempo. O objetivo é tornar mais precisas e racionais as intervenções médicas.

Erros. Algoritmos poderão corrigir erros em declarações de óbito, principal fonte de informações em saúde, como a causa básica, idade da pessoa e sexo, que muitas vezes não são bem preenchidas. O algoritmo poderá detectar o problema automaticamente e isso poderá ser adaptado aos prontuários, que poderão identificar erros de digitação, por exemplo.

Qualidade. Um estudo compara a expectativa de vida em todos os municípios do País com a situação socioeconômica de cada um deles. Com isso, podem ser identificadas cidades onde há boas práticas na saúde que podem ser seguidas.

Modernização. Sistema de Big Data da Amil. Gabriela Biló

Números para prever doença crônicas

Grandes bancos de dados vão facilitar a identificação de doenças e garantir tratamentos cada vez mais específicos e individualizados. A professora titular de Genética da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Genoma Humano e Células Tronco, Mayana Zatz, lembra que foram necessários 13 anos e R$ 3 bilhões de dólares para juntar informações sobre o genoma humano que hoje se acumulam de forma muito mais rápida, graças às novas tecnologias. “Há painéis que conseguem analisar até 6.400 genes associados a doenças genéticas. Isso permitiu um salto qualitativo gigantesco.”

Ela mostrou no Summit um levantamento recente produzido pelo Centro, e adiantado pelo ‘Estado’, que com dados de 1.324 pessoas com mais de 60 anos identificou 207 mil mutações genéticas nunca antes descritas na literatura médica . “Com o Big Data, há até uma questão regional. Um tratamento pode funcionar melhor nos orientais do que nos ocidentais, por exemplo. Qual é a diversidade do brasileiro em relação ao africano? E ao europeu? Isto será possível de identificar”, diz o oncologista Fernando Maluf, do Instituto Vencer o Câncer.

Com essa vasta quantidade de informações, a tendência é que os tratamentos sejam cada vez mais individualizados. “Já se geram informações suficientes para trabalhar com modelos preditivos, que identificam a maior probabilidade de alguém ir a óbito nos próximos 12 meses ou virar um paciente crônico”, diz o presidente da Healthways Brasil, Nicolas Toth.

Tal mudança afeta não só o resultado para o paciente, como também os custos. “Pacientes crônicos respondem por 60% a 70% dos gastos de saúde. Se atuarmos nos fatores de risco, pode-se reduzir em até 30% esse valor gasto. Chega perto do rombo que hoje o orçamento da saúde tem”, diz Edson Amaro Jr, que é responsável pela área de Big Data analytics do Hospital Albert Einstein. / L.F.T.

Dados. Mayana, Toth, Amaro e Maluf discutiram uso dos grandes bancos de dados sobre saúde. Amanda Perobelli/Estadão
Estima-se que em 2016 tenha transitado na internet 1,3 zetabyte, suficiente para armazenar tudo que já foi falado pela espécie humana” Edson Amaro Jr.,RESPONSÁVEL PELO BIG DATA NO HOSPITAL ALBERT EINSTEIN
Todos os tipos de gadgets e sensores vão nos dar uma parte da dinâmica, se possível, quase em tempo real sobre o paciente” Nicolas Toth, PRESIDENTE DA HEALTHWAYS BRASIL
Na Inglaterra, se você tiver um parente com Huntington, é obrigado a fazer teste antes do seguro de saúde. Se pegar a moda, todos terão de fazer testes antes de saber o valor do seguro” Mayana Zatz, PROFESSORA DA USP

Tecnologias em alta, mas acesso baixo

Enquanto novos equipamentos e softwares são capazes de indicar o melhor tratamento a pacientes com câncer ou avaliar se um exame de imagem foi feito corretamente, a maioria das unidades de saúde brasileiras não utiliza nenhuma solução digital em seu serviço.

Dado apresentado pelo CEO da Pixeon, Roberto Ribeiro da Cruz, indica que apenas 35% a 40% dos prestadores de serviços de saúde no País utilizam alguma ferramenta digital. Entre os hospitais privados de excelência, esse índice chega a 90%. “Hoje temos uma Medicina de alto custo, alta tecnologia, mas baixo acesso.”

Entre as tecnologias apresentadas pelos palestrantes estão um aplicativo da GE Healthcare que avalia em tempo real se uma mamografia captou a imagem correta e uma técnica cirúrgica de coluna feita com dispositivos da Siemens que fez o tempo de operação ser reduzido pela metade. “Em 60% dos exames de mamografia, as imagens não são adequadas porque a paciente não foi posicionada corretamente. O aplicativo evita isso”, disse Luiz Verzegnassi, CEO da GE Healthcare na América Latina.

No caso da técnica cirúrgica da coluna, o executivo da Siemens Healthineers do Brasil, Armando Lopes, contou que ela diminuiu a fila de espera pela cirurgia de 4 meses para uma semana e trouxe economia de R$ 1 mil por procedimento. “Tecnologia não é uma despesa. É um investimento que se paga e ainda dá retorno.”

O uso da inteligência artificial para a definição dos melhores tratamentos para um câncer foi apresentado por Eduardo Cipriani, líder da IBM Watson Health no Brasil, solução que processa dados de milhões de pacientes e de artigos científicos para ajudar os médicos a escolher as melhores terapias para cada paciente. “Quando o Watson surgiu, trabalhávamos só com quatro tipos de câncer. Hoje ele já tem dados para 18 tipos.” / F.C.

Tecnologia. Lopes, Cipriani, Verzegnassi e Cruz apresentaram softwares e dispositivos inovadores. Amanda Perobelli/Estadão
Todo conhecimento colocado em um banco gera possibilidade de análise e performance” Armando Lopes, COUNTRY HEAD DA SIEMENS HEALTHINEERS DO BRASIL
O aprendizado colaborativo é muito valioso” Eduardo Cipriani, LÍDER DA IBM WATSON HEALTH NO BRASIL
Com base em algoritmos, podemos tomar decisões para melhorar a eficiência dos hospitais” Luiz Verzegnassi, CEO DA GE HEALTHCARE
Uma coisa é falar de tecnologia disruptiva, outra coisa é levá-la para as pessoas” Roberto Ribeiro da Cruz, CEO DA PIXEON

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