Café e cachaça: uma só geografia


Ensei Neto
Maurício Maia


Pingados e divertimentos

texto: Olívia Fraga, especial para o Estado
foto: jf diório/estadão
Nos livros de história brasileira, café e cachaça pertencem a tempos diferentes. No espaço, estão mais do que unidos. Coube ao especialista de café Ensei Neto e a Mauricio Maia, cachacier, propor o casamento das duas bebidas-símbolo da brasilidade, durante animada degustação que aconteceu no final da tarde.

Casar bons ingredientes sem saber direito se juntos eles darão certo foi uma ousadia, e eles sabem disso. Mas deu certo. O elo entre as três cachaças escolhidas e os três cafés foi pura proximidade geográfica. Os dois ingredientes são hoje símbolo do que a mecanização e a tecnologia são capazes de fazer em prol do produto brasileiro. “Nossa vocação para plantation vem desde a colonização portuguesa, com a chegada da cana, e continuou séculos depois, quando o Brasil passou a ser produtor de café”, explicou Ensei Neto.

A carência de documentação sobre a cachaça - cuja origem remonta à bagaceira portuguesa, fermentado alcoólico feito de cana e envelhecido em barricas de carvalho - impede precisar a sua origem. Segundo Mauricio Maia, ainda hoje predomina a informalidade no setor: o Brasil tem 40 mil produtores de cachaça, mas apenas 3 mil marcas registradas. Isso porque algumas fazendas preservam a artesania e fazem cachaça para amigos, família, distribuem em suas cidades. Boas cachaças não viajam (ou então viajam para longe, em exportação).

O café tem registro mais confiável. Chegou pelo Pará, caminhou para o Nordeste e desceu para o Sudeste e o Sul. A crise de produção no século 20 abalou a indústria. No Paraná, maior produtor do País até a década de 1970, o café quase desapareceu. Abalados pela geadas, os agricultores mudaram-se para o cerrado de Minas Gerais, instalando-se no Chapadão de Ferro, região que fica a 1.250 m de altitude, dentro de um vulcão. Segundo o especialista, o lugar reúne características únicas no mundo.

A plateia animou-se com a degustação. Cachaça de Itatiaia (RJ), bidestilada, branquinha, foi servida com café da Zona da Mata mineira - uma formação biogeológica irmã. A pinga envelhecida em tonéis de jequitibá, da região mogiana, fez par com café do sudeste de Minas. E a cachaça de Patos de Minas, envelhecida em tonéis de carvalho (será que cachaça envelhecida como conhaque é brasileira?, perguntou a plateia), veio junto com café do Cerrado mineiro. Ao final, animados, os participantes já “batizavam” o café com o restinho da cachaça, como a avó de Mauricio Maia fazia com grappa e café. “Estamos voltando aos primórdios”, arrematou.