Queijos da Serra da Canastra na cozinha


Ana Massochi
Leôncio Diamante
Otusseziano Freitas de Oliveira


Liberdade (do queijo da Canastra) ainda que tardia

texto: José Orenstein
foto: jf diório/estadão
Otusseziano Freitas de Oliveira levanta todos os dias às 6h para ordenhar suas vacas em São Roque de Minas, nascente do rio São Francisco, na Serra da Canastra. A extração do leite, feita manualmente, leva quatro horas. "Tratamos os animais como se fossem gente mesmo, com carinho." O leite então descansa com coalho e o pingo - a cultura de leveduras e bactérias que sobrou do queijo do dia anterior - e vai secando. Primeiro sai o soro, e, no fim do dia, sai o pingo. Cada peça de queijo consome nove litros de leite e o ciclo se renova para Otusseziano, o Otinho, a cada dia. Ele é um dos produtores de queijo da canastra, à maneira tradicional e centenária, com leite cru, e foi convidado por Ana Massochi para mostrar seu trabalho no 7º Paladar - Cozinha do Brasil.

Ana é dona dos restaurantes Martín Fierro, La Frontera e Jacarandá, em São Paulo, além de entusiasta do queijo canastra. "O queijo da canastra é uma coisa simples e ao mesmo tempo única, especial. Eu quero que os meus restaurantes sejam assim." Ela usa o queijo para rechear empanadas, preparar risotos e sobremesas. E vende as peças de Otinho no mercado que montou no Jacarandá. O problema é que o queijo da canastra, de leite cru, não pode cruzar a fronteira de Minas Gerais, devido à legislação sanitária. Mas é em São Paulo que ele encontra seu grande mercado, comprovado a olhos vistos quando Otinho serviu lascas do queijo que trouxe - um meia-cura (que secou por oito dias) e um curado (que secou por 30 dias) - ao público que acompanhava sua palestra. "Estou vendendo o queijo. Mas se eu for presa quero vocês todos na delegacia para me tirar!", avisa Ana.

O imbróglio jurídico é antigo: data da lei que regula a inspeção dos produtos de origem animal, o Riispoa, de 1952. É o que explicou Leoncio Diamante, veterinário que também foi convidado de Ana para falar da cultura tradicional do queijo da canastra - e exaltá-la. Primeiro o elogio do leite cru, a matéria-prima. "Esse leite pasteurizado que vocês tomam em caixinha é um leite morto. Um cádaver. Ele não está vivo, não." O leite cru é que permite que o queijo evolua e alcance complexidade de sabores, disse Leoncio. A cultura de levedos e bactérias nele contida, a partir de oito dias, cura o queijo, isto é, elimina as bactérias ruins e sobrevive na massa. Daí para frente, o sabor do queijo só se intensifica. Outro fator crucial para a qualidade do queijo é o seu terroir - o local em que ele foi feito. Na terra de Otinho, que fica entre 1.015 m e 1.030 m acima do nível do mar, a água fresca da serra da Canastra e a pastagem livre das vacas (além do carinho com que Otinho trata seus animais, é claro) é que dá as notas de sabor características de seu queijo.

Veio então um pão de queijo e um pudim de queijo - ambos da canastra, de Otinho - em receitas usadas no Jacarandá, restaurante de Ana, que comentou: "Os usos são infinitos. É só inventar". Falta agora tirar o produto da clandestinidade, lembraram Ana, Leoncio e Otinho - e remunerar de forma mais justa o produtor. A peça de queijo é vendida em São Paulo a R$ 35, dos quais Otinho recebe apenas R$ 8 - o resto fica na mão dos intermediários. Há algo de podre no mundo dos queijos - e, definitivamente, não é o queijo da canastra.



Pão de queijo da Canastra

Pudim de queijo da canastra



Queijo da Canastra curado
Queijo da Canastra meia-cura