Mapa da cachaça no Brasil


Maurício Maia


Cachaça sem regras

texto: Daniel Telles Marques
foto: Felipe Rau/Estadão
O 'Mapa da cachaça' que Maurício Maia apresentou não era geográfico. O cachacier (cachacista para alguns, cachaceiro para outros) mapeou a produção da bebida tipicamente brasileira. Apresentou números econômicos, legislação, produção, fisiológico e como, "há cachaça de Norte ao Sul do Brasil", um mapa de gostos do destilado de cana.

"São 30 mil alambiques pelo país, 5 mil marcas registradas e eu nunca tomei duas cachaças iguais", disse Maia. A história ajuda a explicar a disseminação dos alambiques pelo Brasil, que desde o período colonial é o maior produtor de cana de açúcar do mundo. "Na cozinha a gente tem um dizer: do porco a gente só não aproveita o berro. Com a cana também - tudo se aproveita".

Taças com chapeuzinhos esperavam os goles ("para a sala não ficar com cheiro de alambique"). Do interior de São Paulo, veio a Mato Dentro, cachaça produzida em São Luiz do Paraitinga, de Paraty (RJ), a Maria Izabel, Weber Haus, do Rio Grande do Sul, Cerro do Líbano, da Serra do Carnaubal, em Fortaleza (CE) e a lendária Anísio Santiago, de Salinas (MG).

O mapa fisiológico apresentado por Maurício descrevia papilas gustativas na língua, os modos de perceber o mundo e os caminhos de sabores e aromas até o cérebro. "antes de beber é preciso fazer uma análise visual: cachaça tem que ser límpida, cristalina e fazer lágrimas nas bordas do copo", explicou. Passou para o olfato, reforçando a ideia da mansidão do cheiro -- "nenhuma bebida pode ser agressiva ao olfato" e depois do primeiro gole na Mato Dentro, cachaça branquinha, envelhecida por um ano em toneis de amendoim.

Terminado o primeiro gole, mais um conselho. "Nem bicadinha, nem talagada". É natural que ao primeiro gole, a boca estranhe a intensidade da bebida, depois a agressividade inicial vira um calor, acalenta. Bocas prontas, foi a vez da Maria Izabel, envelhecida em jequitibá. "Nessa você já percebe um sabor que fica na boca e vai adocicando, percebe os gostos de madeira, mas não tânica, sem aquela secura que as madeiras dão aos vinhos", explicou.

"Daqui para frente as cachaças serão muito mais complexas que as brancas, mais francas. A brincadeira ficará mais difícil", alertou o especialista na bebida antes de pedir que as pessoas levassem a Weber Haus ao nariz. "Aqui já se sente aquele cheiro de gaveta", disse ao explicar que a madeira usada nos toneis onde a cachaça envelheceu, a amburana, é prima íntima da cerejeira, madeira comum na marcenaria.

Cachaça envelhecida leva o conservadorismo dos anos. "As pessoas são resistentes a usar cachaça envelhecida na caipirinha", analisou. "A única preocupação que o mixologista deve ter é incorporar os aromas da madeira às receitas", explicou. Passou a única cachaça nordestina da tarde, a Cedro do Líbano, envelhecida em barris de carvalho americano, que o produtor afirma ter sido comprado de uma destilaria de bourbon, que ajuda a explicar a semelhança dos aromas de milho misturados ao adocicado do destilado brasileiro.

Antes da última dose da Anísio Santiago, reforçou uma ideia recorrente durante a degustação. "Cachaça tem que ter uma única regra: não há regras. Beber é um processo hedonista, não é? Então aproveitem".