Da cozinha nórdica para o mundo


Mark Emil Hermansen


Caçadores e coletores

texto: Olívia Fraga, especial para o Estado
foto: Filipe Araújo/Estadão
Há três anos, o antropólogo Mark Hermansen enviou um e-mail ao chef René Redzepi, do Noma (em Copenhague), perguntando se o chef gostaria de conhecer algumas aulas coletadas na baía da cidade. “Achei que ele fosse me chamar para jantar”, brincou o pesquisador líder do Nordic Food Lab. Em resposta, Redzepi lhe chamou para trabalhar um tempo em seu laboratório, entendendo o que se passa com o ingrediente. Liberdade total.

O trabalho de Hermansen e do centro de pesquisas que norteia a criação dos pratos do Noma é olhar para a natureza selvagem da Dinamarca, uma paisagem inóspita, na aparência, mas que esconde ingredientes e elementos naturais repletos de delícias e sabor. “Antes as pessoas pensavam em partir do comestível para chegar ao gosto. No trabalho, a gente parte do gosto, para depois avaliar a edibilidade. O processo inverso ajuda a descobrir potenciais gastronômicos que não se conheciam - a alga descoberta por Mark se transformou em sorvete quase que sem adição de açúcar, nem ovo nem creme para espessar.

As pesquisas do grupo de cientistas de alimentação, antropólogos e cozinheiros estão acessíveis a todos pela internet, e o lugar recebe estrangeiros, como Daniel Patterson (do Coi, em San Francisco), e os brasileiros Alberto Landgraf (do Epice) e Alex Atala, que apresentou ao grupo as saúvas amazônicas de dona Brazi - cozinheira que participou da edição de 2009 do Paladar Cozinha do Brasil. Atala fez um caldo com as formigas e deixou os pesquisadores boquiabertos com o sabor cítrico da formiga. “Nós nunca pensamos em formigas como forma de alimento, e agora finalmente recebemos incentivo financeiro para sair pelo mundo pesquisando essa fonte de proteína. Uma empresa nos dará 3,5 milhões de euros para bancar as viagens”, contou Hermansen.

O dia a dia do laboratório é livre: os cientistas têm liberdade caçar e coletar ervas, pequenos insetos, cascas de árvores e fungos e desenvolver em tubos de ensaio as pesquisas de sabor. Análise sensorial, potencial tóxico e possibilidades de replicar esses aromas e sabores no restaurante. “O que tem acontecido na cozinha nórdica nos últimos 12 anos é reflexo desta volta dos gastrônomos ao território, à paisagem, ao que se fazia há muitos séculos e está quase se perdendo. Uma vantagem da Escandinávia é que somos um pequeno povo isolado que passa boa parte do ano preservando comida, com sal, açúcar ou fermentação, por causa do frio, então não perdemos muitos métodos milenares de conservação. Agora é descobrir o que pode ser alimento.”