Cozinha Ianauá (Acre, Bolívia e Peru)


Ana Luiza Trajano


Banquete de índio

texto: Olívia Fraga, especial para o Estado
foto: Daniel Teixeira/Estadão
Acostumada às andanças pelo Brasil, Ana Luiza Trajano conta que os índios yawanawá (gente da queixada) a salvaram da "crise dos sete anos". "O Brasil a Gosto acabou de fazer aniversário e eu fui convidada a viajar de novo para o Acre. Ser recebida com aquele banquete foi um presente restaurador", contou a chef, em sua aula de domingo.

Em janeiro último, Ana Luiza foi convidada pelo designer e arquiteto Marcelo Rosenbaum para conhecer o projeto AGT (A Gente Transforma). A comitiva de cozinheiros e artesãos chegou em Cruzeiro, no Acre, e teve de fazer seu caminho pelo Rio Gregório, sete horas de barco, pernoitando num vilarejo no meio do caminho. Quando avistaram a terra da aldeia Nova Esperança, a visão era deslumbrante: a tribo cantava e dançava no alto de um morro, recebendo os visitantes com comida e cânticos. A mesa farta era folha de bananeira colocada direto no chão, com cuias cheias de caiçuma de mandioca e de banana (bebida alcoólica indígena fermentada, servida em festividades), peixes moqueados e queixada assada e pururucada. Mesa simples e de comida reconfortante. As frutas tinham sido colhidas horas antes no meio de mata, com sacolas de folha de bananeira trançadas em segundos pelos índios.

Como lembrança dos 15 dias que ficou por lá, comendo banana-da-terra e peixes recém-pescados e assados na hora, sem qualquer tempero, Ana Luiza resolveu criar o prato que deve servir no Brasil a Gosto a partir de junho, ofertado à plateia durante a aula.

No lugar da queixada, usou a carne de paca e chamou à frente Gonzalo Barquero, da Cerrado Carnes Especiais, “o homem caçador, porque na tribo o homem sai para caçar e fica quatro dias longe de casa para trazer o alimento, e a mulher cozinha o que ele traz”. Barquero explicou como conserva na mata espécies de pacas, capivaras, javalis e cotias, mantendo as matrizes para reprodução e fazendo um abate responsável e consciente, com certificação.

Na montagem do prato, Ana Luiza convidou a ceramista Gisele Gandolfi, com quem viajou há sete anos pelo interior do Brasil, para falar da criação de uma louça de evocação, que lembrasse a tradição yawanawá, com grafismos que lembram jiboia (animal-símbolo de uma das lendas mais importantes da tribo) e uma “paliçada”, que mantém o peixe e a banana-da-terra suspensos como se estivessem num tapume sobre o prato. Beleza, artesanato e sabor foram compartilhados no final com o público, que pôde conhecer a criação de Ana Luiza Trajano sobre sua memória de viagem mais recente.



Paca no azeite de urucum

Pintado na folha de bananeira