Expedição

As missões

Além de ponto de defesa do País, ilha é procurada por estudiosos de fauna, flora e mudanças climáticas

Quando os biólogos do Projeto Tamar forem cavucar em fevereiro as areias da Ilha de Trindade, a ciência poderá responder com detalhes se o esforço da tartaruga-verde (Chelonia mydas) Número 001, de 1m23cm de casco, provavelmente com mais de 30 anos, valeu a pena. Na noite do dia 11 de dezembro, ela saiu do mar se arrastando na areia por volta das 22 horas. Iluminada pela Lua crescente, cavou por quase uma hora na Praia dos Andrada, onde colocou dezenas de ovos.

Depois da postura, a tartaruga foi examinada pelos técnicos do Projeto Tamar Suellem Melo de Andrade Santiago, de 25 anos, Roberto Carlos de Lima Filho, de 22, e Lucas Tavares de Souza, de 23. Em campana à beira-mar, com lanternas de luz vermelha “para não estressar o animal”, eles aguardaram pacientemente a desova para depois medir e identificar o animal. Cada uma das tartarugas enterra na areia de 70 a 120 ovos. Na madrugada do dia 12, pelo menos outras cinco tartarugas repetiram o ritual.

“A gente tira as medidas, vê se há outras anilhas para identificar o animal e coloca a nossa anilha para acompanhar a movimentação dela”, disse Lima Filho. “Há registro de tartarugas de Trindade na costa da África”, contou.

A cena noturna desse contato humano com a tartaruga é tocante. Por vezes, o animal se arrasta até sobre as pedra da praia, com dificuldade, para alcançar as areias fofas onde cava, põe seus ovos, os cobre tentando enganar predadores, como os caranguejos-amarelos, que estão à espreita.

No momento do anilhamento, fixação da placa de metal com pontas finas aplicada nas cartilagens de uma nadadeira, a tartaruga sente a picada. Essa é a parte final da operação. Os biólogos conferem se a marcação está firme e o bicho, incomodado, procura logo fugir para a água.

Medição. Naquele dia, a menor tartaruga foi a 006. Ela tem 1m04cm, disse Souza, encarregado das anotações da posição, das medidas e do horário daquele encontro na penumbra da Praia dos Andrada.

Com patrocínio principal da Petrobrás no projeto, os jovens pesquisadores terminaram as duas noites, acompanhadas pelo Estado durante a permanência na ilha, nas Praias dos Andrada e das Tartarugas, satisfeitos.

As selvagens tartarugas-verdes de Trindade são raridade – estão ameaçadas de extinção. De acordo com Suellem, “apenas uma em cada mil”, das simpáticas criaturas que podem chegar a 1m50cm e pesar até 169 quilos, escapa dos predadores. Com cerca de 25 a 30 anos, elas vão procurar machos diversos para garantir o seguimento da espécie. E, então, em noites enluaradas de futuros dezembros, voltarão a cavar camas nas quentes areias da Ilha de Trindade.

Cabras devastaram vegetação da ilha

Descoberta em 1501 pelo navegador espanhol João da Nova, Trindade foi habitada 200 anos depois quando o astrônomo inglês Edmund Halley, aquele cientista que deu o nome ao famoso cometa, aportou por lá. Herança dessa expedição: uma devastação da vegetação local por cabras deixadas por Halley na ilha. Os animais, segundo o folclore local, somente não comeram as pedras e uma planta nativa, a samambaia-gigante, que atualmente domina a área montanhosa da ilha formando uma floresta de aparência pré-histórica. No fim do século 19, a Marinha brasileira passou a controlar a ilha e, em 1957, foi criado o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (Poit). Um programa de observação e conservação permitiu à Marinha a erradicação das cabras da ilha para tentar recriar o ambiente original.

Equipamento monitora águas mornas da região

Eram 4h13 de sábado, terceiro dia a bordo do navio de guerra Amazonas, quando a oceanógrafa Marília Kabke Wally, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), posicionou-se à beira do navio para o lançamento do sensor XBT, aparelho que mede a temperatura de águas e a salinidade do Oceano Atlântico.

Um batitermógrafo descartável custa em torno de US$ 100 cada e é fornecido à pesquisa do Monitoramento da Variabilidade do Transporte de Calor Entre o Rio de Janeiro e a Ilha de Trindade (Movar) pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), agência vinculada ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

O estudo contribui para a “compreensão da influência dos oceanos no clima do planeta”, informa documento do Movar, coordenado pelos professores Mauricio Mata, da Furg, e Mauro Cirano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Auxiliada pela estudante de Engenharia Naval Samantha Cruz, de 24 anos, aluna do 4.º ano da UFRJ, Marilia lançou o equipamento para um mergulho de até 900 m. O bastão é ligado por um fino fio, que transmite dados ao lançador, que depois seguem para um computador na cabine no convés.

“Já deu”, disse Samantha, ao completar o lançamento do 28.º sensor, dos 44 lançados de 15 em 15 milhas. Àquela hora, ainda no escuro, as pesquisadoras analisaram as primeiras informações do aparelho. A água estava a 26°C na superfície. A 900 metros de profundidade, segundo Marília, batia nos 4°C. As altas temperaturas das águas do Atlântico, segundo especialistas, explicam a relativa pobreza da pesca nesta área do globo. É em águas mais frias que estão as maiores quantidades de alimentos, o que torna mais rica a vida marinha.

Algas de Trindade impulsionam pesquisa para cremes faciais

Uma outra equipe de pesquisas em Trindade, composta por Carolina Gonçalves Ito, de 26 anos, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), e Michelle Christine da Silva, de 27 anos, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), planeja ficar na ilha por dois meses. O trabalho delas é coletar algas marinhas a uma profundidade de até 3 m em 16 praias da montanha vulcânica.

As pesquisadoras querem entender o processo de absorção de metais pelas algas, que podem ser componentes da indústria de cosméticos, usados em cremes faciais. “As algas devem ser coletadas nas pedras e não podem ser usadas aquelas que estão expostas ao Sol”, disse Carolina, que analisa macroalgas. “Algas são bioindicadores da presença de poluição”, afirmou.

A pesquisa, coordenada pela professora Franciene Pellizzari, da Unespar, pode medir, portanto, a presença de metais na área para estabelecer um padrão básico que possa ser comparado às espécies de algas, que são cerca de 200, em outros locais. “A ideia é identificar os compostos e depois, eventualmente, usar a química para produção”, disse Michellle, que deve completar mestrado em 2018 em Oceanografia. “O que destaco é o potencial bioativo da pesquisa”, afirmou.

Nas algas, explicou a pesquisadora, há aminoácidos e antioxidantes, com ação tensora, como a que existe no colágeno. Há também compostos que podem ser usados na indústria da cerveja – para manter a espuma em suspensão.

Despedida da missão marca troca de comando de posto da Marinha

No dia 13, uma terça-feira, às 17 horas, o Amazonas deixou a ilha após a cerimônia da troca de comando do Poit – o capitão de corveta Ixon Martins entregou o posto ao colega Valdir Gouvêa Rêgo, que ficará no local até abril. No dia seguinte, deslizando em mar quase perfeito – classe 1, segundo a oceanógrafa Marília Kabke Wally –, a bandeira permaneceu a meio mastro em sinal de respeito à morte do cardeal d. Paulo Evaristo Arns, falecido em São Paulo, aos 95 anos. Além de um capelão católico, a tripulação tinha ainda a companhia de um pastor da Igreja Batista, o tenente José Roberto.

Novos exercícios militares, como resgate de homem ao mar, movimentaram o Amazonas no último dia de viagem. A embarcação avançava a 10 nós em águas de 4,2 mil metros de profundidade, segundo o sonar do passadiço. Segundo o comandante Marco Aurélio Barros de Almeida, o número 2 do Amazonas, a atividade foi completada sem anormalidades.

A travessia oceânica de nove dias do Amazonas, porém, não terminaria no Porto de Vitória sem antes “premiar” tripulação e os passageiros com uma última, e inesquecível, noite de um Netuno carrancudo. Já na costa do Espírito Santo, o navio de guerra da Marinha enfrentou chuvas e fortes ventos. Para resistir ao mau humor da divindade grega dos mares, o jeito foi apelar para os santos químicos dos antieméticos.