Uma elegante sobrevivente

A Kombi 1961 Standard do comerciante Robertson Siqueira Donato é daquelas que não passam despercebidas em nenhum ambiente. Pintada na cor Cinza Urano, ela é uma sobrevivente da primeira safra nacional e conserva itens originais que contam um pouco da história deste utilitário no Brasil.

Motor original 1.200, "bananinhas" de sinalização -- que na segunda série de 1961 seriam substituídas por piscas de formato pontiagudo na dianteira, as chamadas "tetinhas" --, para-choques de aço vincados, torneirinha de reserva do tanque de combustível -- sistema semelhante ao das motos, já que não havia marcador de combustível no painel --, chave em "P" para abertura da tampa do motor e da janelinha do bocal do tanque de gasolina e rodas originais são alguns itens que dão ao carro um charme único. E raro.

Mas até chegar a esse final feliz, Donato teve dois anos de muito trabalho e investimento. O carro, que durante décadas prestou serviços a uma Prefeitura no interior de São Paulo, foi adquirido sem vidros, sem bancos e com um trabalho de reforma iniciado, mas não concluído, o que mais escondia do que revelava problemas. "O motor só tinha o bloco", conta o comerciante. A dor de cabeça, nesse caso, foi dobrada, já que encontrar componentes originais do propulsor 1.200 da Volkswagen é tarefa cada vez mais difícil.

Ainda na parte mecânica, foram instaladas novas suspensões e o câmbio original deu lugar a uma caixa do SP2, com relações mais longas. Outra mudança foi a conversão do sistema elétrico de 6 volts para 12 volts, confiável e de manutenção simples. Na lataria, originalmente na cor Azul Pastel, foram trocadas uma das laterais, as portas e a frente. Num golpe de sorte, Donato encontrou um lote de vidros originais, de época, e sem uso à venda na internet. Arrematou e instalou na Kombi.

A dedicação ao projeto foi tamanha que o comerciante registrou tudo em um álbum de fotografias em papel, que saca logo que alguém pergunta sobre a restauração. "Valeu muito a pena", diz. "A Kombi é um ícone da indústria automobilística e está na memória afetiva de todo mundo. Nos finais de semana, pego estrada com ela e levo sogra, sogro, pai, irmão, cunhada, levo todo mundo para passear. E ela vai bem."

Um almoço na despedida

Amilton Navas e sua Kombi 1974: antigo dono reuniu a família para se despedir.Roberto Bascchera/Estadão

Amilton Navas, gerente de Vendas, Kombi Luxo 1974 Branco Lotus e Vermelho Rubi: "Conheci minha mulher, Maíra, numa Kombi escolar. Eu tinha sete anos de idade, viajávamos no mesmo carro para a escola. Ficamos adultos, nos casamos. Nossa história foi retratada no vídeo da campanha de despedida da Kombi. Meu pai tinha uma Kombi saia-e-blusa, 74, nunca me esqueci desse carro. Tentei resgatá-lo e descobri que está no Japão. Então fui atrás de uma igual. Depois de muita procura, um amigo encontrou uma igual no interior de SP e me avisou, há cinco anos. Comprei só de ver as fotos. Era de um senhor de 90 anos, que a tinha desde zero km. Quando soube que eu iria comprar para restaurar e preservar, ele concordou em vender para mim. No dia que fui buscar o carro com o guincho-plataforma, fui recebido pela família dele com um almoço. A família toda foi se despedir da Kombi. Houve choro e tudo o mais. Foi emocionante".

Companhia para o aposentado

Milton Ramalho e seu exemplar Verde Folha: carro, íntegro, estava abandonadoRoberto Bascchera/Estadão

Milton Ramalho, aposentado, Kombi Luxo 1970 Branco lotus e Verde Folha: "Sempre gostei de Kombi, principalmente da 'Corujinha', mas nunca tive uma. Comprei esse carro há dois anos. Eu tinha acabado de me aposentar, meu filho me incentivou. Era para ter algo com que me distrair depois que parei de trabalhar. Essa Kombi era de um único dono, tem manual do proprietário e até manual do rádio, nunca carregou carga, era carro de família. Apesar de íntegra, estava abandonada, ficou oito anos no tempo, com a ferrugem tomando conta. Deu trabalho para restaurar, mas valeu a pena. Estou muito satisfeito."

Paixão que virou clube

Hélder Sobrêda, presidente do Kombi Clube do Brasil: 'Sonho realizado'Roberto Bascchera/Estadão

Hélder Sobrêda, securitário, Kombi Luxo 1972 Branco Lotus e Azul Pavão, presidente do Kombi Clube do Brasil: "Eu ia para a escola de Kombi escolar, meus tios tinham Kombi para trabalhar... Como não pensar em ter esse carro com tantas boas lembranças envolvidas? Quando comprei essa Kombi, há quatro anos e meio, ele estava íntegra. Fiz uma restauração, mas não precisei trocar nada. Realizei meu sonho. Eu, meu irmão e alguns amigos costumávamos sair em passeios de Kombi. Então pensamos: por que não fundar um clube? Estamos aqui hoje."

Ele sonhava ser piloto. Hoje tem uma Kombi da Aeronáutica

Leandro Ravelli e a namorada, Tássia: sem querer, a boa surpresa com a Kombi que pertenceu à Aeronáutica. Roberto Bascchera/Estadão

Leandro Ravelli, coordenador de Atendimento, Kombi Standard 1994 Branca e Azul: "Há alguns anos, fiz curso de pilotagem de avião pensando em trabalhar no ramo de aviação comercial, mas nunca consegui entrar na área e desisti. Eu tenho um Fusca 79, mas sempre tive o sonho de possuir também uma Kombi. Minha namorada, Tássia, foi quem mais me incentivou. O pai dela tem uma Kombi que foi do avô. No dia 18 de julho, depois de muito procurar, encontrei essa Kombi num anúncio na internet. Quando vi a cor, pensei: 'Ela foi da Aeronáutica'. Liguei para o dono, ele confirmou. Fechamos negócio na hora. Os documentos comprovam que o primeiro dono foi o Ministério da Aeronáutica. Agora sou o terceiro dono do carro, estou muito satisfeito. Ela está muito boa, só precisa de alguns retoques na lataria e de um trato por dentro. Vou restaurá-la, mas mantendo as cores originais."

Firme e forte no trabalho

Sandra Tinen com o filho Mário: 'Único defeito é não ter direção hidráulica'Roberto Bascchera/Estadão

Sandra Tinen, vendedora de material de limpeza, Kombi Standard 1995 Branca: "A Kombi é meu ganha-pão, não há do que reclamar. Os produtos que vendo são corrosivos, atacam a lataria, mas ela está firme e forte no trabalho. Tive caminhonetes, caminhão, mas a manutenção é muito mais cara. Quando compramos essa perua, há oito anos, ela estava impecável, linda, mas o trabalho diário desgasta muito o carro. No dia a dia, carregamos mais de mil quilos de carga. Para mim, o único defeito da Kombi é não ter direção hidráulica."

Carro com a cara da feira

Sérgio e Noemi Uno: medo, apenas o de rouboRoberto Bascchera/Estadão

Sérgio e Noemi Uno, vendedores de caldo de cana e água de coco em feira livre, Kombi Standard 2003 Branca: "Compramos esse carro há oito anos, com 70 mil km rodados, de um único dono, para começar a trabalhar na feira (antes, tínhamos uma loja de R$ 1,99). Escolhemos a Kombi pela praticidade e pela baixa manutenção. Foi só forrar a parte interna com chapas inox e o carro estava pronto. Nós evitamos usar a Kombi para passeios porque temos medo de roubo, é um carro visado. Para ela ser perfeita faltaram algumas melhorias por parte da Volkswagen, como direção hidráulica."

Herança da empresa do pai

Roberto Suga e a Kombi da empresa do pai: carro estava novo ao ser aposentadoRoberto Bascchera/Estadão

Roberto Suga, presidente da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA), Kombi Standard 1970 Azul Diamante: "Essa Kombi está desde zero km na família. Até 2005, efa foi usada no trabalho diário da empresa de meu pai, de distribuição de vidros planos. Mas o cuidado era tão grande que, quando foi comprada, meu pai recobriu estofamento original dianteiro com uma capa. E os bancos traseiros foram retirados e guardados. Ao ser aposentada do trabalho, tirei a capa e a forração original, branca, estava perfeita. Os bancos traseiros, sem uso, foram reinstalados, assim como os cintos de segurança de fábrica. O carro está novo."