PAPA

NOS EUA

 

 

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EUA e o Vaticano

 

No dia 22 de setembro de 2015, o papa Francisco desembarca em Washington para uma visita que incluirá um encontro com o presidente Barack Obama. Essa é a primeira vez que Francisco visita, não apenas como pontífice, os EUA.

Francisco será o primeiro papa da história a participar da sessão conjunta do Congresso americano e também estará presente na Assembleia das Nações Unidas, se somando ainda a João Paulo II e a Bento XVI na lista de papas que visitaram a Casa Branca.

Em Port Chester, ao norte da cidade de Nova York, a cadeira que será utilizada pelo pontífice quando ele celebrar uma missa no ginásio Madison Square Garden foi construída por imigrantes hispânicos que vivem nos EUA.

O encontro entre o pontífice e Obama, no entanto, não será o primeiro entre os dois líderes. Em 2014, os dois se reuniram no Vaticano e realizaram uma audiência privada.

 

 

Obama. Em 2014, presidente se reuniu com o papa no Vaticano e os dois realizaram uma audiência privada.  GABRIEL BOUYS / REUTERS 

 

 

 

 

Outros presidentes americanos no Vaticano

 

 

 

Maio de 2002

Reunião. O papa João Paulo II se encontra com George W. Bush no Vaticano.   MASSIMO SAMBUCETTI /AP 

 

 

 

Papas visitam EUA

 

O papa Francisco é o quarto pontífice a visitar os EUA. Também estiveram lá Bento XVI, em 2008; João Paulo II, que visitou o país sete vezes; e Paulo VI, o primeiro que viajou ao país, em 1965, com o lema "Nunca mais guerra! Guerra nunca mais!".

 

 

Abril de 2008

 

Washington. O papa Bento XVI se encontrou com o presidente George W. Bush na Casa Branca.   DOUG MILLS / NYT 

 

 

 

 

1999

O papa Francisco é o quarto pontífice a visitar os EUA. Também estiveram lá Bento XV

 

Números. João Paulo II foi o papa que viajou mais vezes ao território americano.   WIN MCNAMEE / REUTERS 

 

 

 

 

Análise

 

A viagem do papa aos Estados Unidos


Francisco pretende usar o peso moral do seu papado

para destravar temas complicados da agenda internacional

 

CHRIS PATTEN, PROJECT SYNDICATE*

 

O papa Francisco foi o grande interlocutor que, por empenho pessoal e capacidade de diálogo, ajudou Cuba e Estados Unidos a rea

Indubitavelmente, a visita do papa Francisco aos Estados Unidos, em setembro, será um dos acontecimentos mais importantes de 2015. Se considerarmos o grande número de católicos americanos, a habilidade diplomática dos prelados purpurados do Vaticano e as incisivas declarações de Francisco a respeito de uma variedade de temas - frequentemente contrariando as posições da direita americana - teremos todos os ingredientes de um evento épico.

A começar pelos diplomatas. Os representantes do Vaticano são frequentemente alvos de criticas, como o próprio Francisco. Contudo, entre eles há funcionários dos mais altos escalões - encabeçados pelo principal assessor do papa, o cardeal Pietro Parolin - com uma enorme experiência em um trabalho silencioso no campo da paz e da justiça social nos países mais perigosos do planeta.

Quando essa diplomacia inteligente se coloca a serviço de um papa cativante e influente, sem falar em 1,2 bilhão de católicos no mundo todo, o resultado é um verdadeiro motor para a promoção do bem, mais formidável do que qualquer outra coisa já vista nos últimos tempos.

Os episódios de que Francisco foi o protagonista - como o hábito de telefonar pessoalmente para as pessoas que passam por grandes aflições, a decisão de lavar os pés de criminosos, muçulmanos e mulheres (para horror de alguns eclesiásticos) - são comprovados. Foram estes atos de grande nobreza que contribuíram para a sua fama de líder carinhoso, acessível, carismático e decisivo que vem encantando o mundo.

Minha experiência pessoal com Francisco indica que essa fama é totalmente merecida. Embora, aos 71 anos, eu seja muito velho para incensar heróis, não me lembro de outra figura pública que despertasse em mim maior entusiasmo. Ele é a personificação da mensagem contida no Evangelho de São Mateus, no Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados".

A autoridade moral que emana de Francisco torna suas intervenções em controvertidas questões contemporâneas - como a condenação do genocídio armênio, a violência dos jihadistas islâmicos, a criminalidade da máfia e a corrupção na Itália, a morte de imigrantes africanos e do Oriente Médio no Mediterrâneo - extremamente poderosas. Antes e durante sua visita aos EUA, suas posições a respeito destas questões - que serão contestadas nos EUA - produzirão com certeza um impacto particularmente forte.

Em primeiro lugar, Francisco está ajudando a pôr fim ao impasse de décadas entre os EUA e Cuba. Não só o cardeal Pietro Parolin, que foi o representante do Vaticano na Venezuela, desempenhou um papel fundamental na restauração das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, como Francisco pretende visitar a ilha a caminho dos EUA.

Diplomacia. Entretanto, o degelo das relações EUA-Cuba não foi bem recebido por todos os políticos americanos. Ao contrário, apesar do aparente desejo do presidente Barack Obama de acabar com o inútil congelamento diplomático, alguns políticos de direita preferem talvez um país condenado pela comunidade internacional a um parceiro em potencial ao largo da costa da Florida.

A segunda questão fundamental de que Francisco tratará é o conflito israelense-palestino - um tema difícil para os EUA, o mais importante aliado de Israel. O Vaticano anunciou sua intenção de assinar um tratado que inclui o reconhecimento de um Estado palestino. Considerando a amizade que Francisco nutre de longa data pelos judeus e seu conhecimento profundo da sua religião e cultura, nenhum político israelense poderá condená-lo como antissemita.

No entanto, em alguns setores da política americana, Israel - e especificamente o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e o seu partido, o Likud - não pode fazer nada errado. Um senador americano certa vez me disse: "Aqui, somos todos membros do Likud". A terceira questão - a mais complexa na opinião de alguns políticos americanos, principalmente os mais conservadores - é a recente encíclica de Francisco sobre a preservação do meio ambiente, as mudanças climáticas e um desenvolvimento econômico justo e sustentado.

Francisco pretende claramente usar todo o peso moral do seu papado nos esforços para a conclusão de um acordo sobre o clima na conferência das Nações Unidas, em Paris, em dezembro. A recente declaração de Obama sobre as emissões de dióxido de carbono coaduna-se claramente com a encíclica.

Francisco discutirá indubitavelmente o assunto em seu discurso no Congresso dos EUA (levando-se em conta que 30% de cujos membros - como o presidente da Câmara, John Boehner, republicano - são católicos). Dado que vários dos principais pré-candidatos à indicação republicana para as eleições presidenciais - como Jeb Bush, Marco Rubio e Bobby Jindal - também são católicos, a enérgica postura de Francisco sobre a mudança climática poderá criar um profundo dilema político para eles.

Alguns dos elementos mais conservadores da política americana - apoiados por aqueles que, como os irmãos bilionários David e Charles Koch, se beneficiam com a falta de ação a respeito do clima - já tentam denunciar as posições de Francisco. Embora a Igreja tenha procurado suprimir a ciência e a razão, notoriamente na condenação de Galileu Galilei, hoje ela os defende, enquanto políticos conservadores americanos negam os fatos. O papa está do lado da razão, e também dos anjos.

Em 1891, o papa Leão XIII escreveu a encíclica Rerum Novarum, sobre os direitos dos trabalhadores e o enfoque da decisões políticas, temas fundamentalmente contestados no discurso político de sua época.

Francisco prevê um efeito semelhante hoje, enquanto ajuda a catalisar as ações sobe as mudanças climáticas. Somente assim, ele espera, o mundo poderá conseguir um crescimento sustentado que melhore a situação dos pobres, salvaguardando ao mesmo tempo o planeta do qual dependemos.

Francisco, aos 78 anos, refere-se frequentemente ao tempo limitado que lhe resta. A maioria dos católicos está convencido de que isto não influirá em sua atuação. Com o impacto positivo que este papa carismático e avançado exerce sobre o mundo, devemos todos esperar o mesmo.

 

*FOI O ÚLTIMO GOVERNADOR BRIT NICO DE HONG KONG E EX-COMISSÁRIO DA UNIÃO EUROPEIA PARA ASSUNTOS EXTERIORES

(Texto publicado originalmente na edição de 31 de agosto de 2015)

 

 

 

 

 

 

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DIPLOMACIA DE FRANCISCO