Pela forma que foram estruturadas, as delegacias de idosos vivem um dilema cotidiano. Por um lado, recebem demandas por parte das pessoas da terceira idade. Por outro, pouco investigam. Isso ocorre porque essas unidades só podem atuar em crimes previstos no Estatuto do Idoso, como abandono, exploração e maus-tratos. Assaltos e acidentes de trânsito, mesmo envolvendo idosos, obrigatoriamente têm de ser transferidos para delegacias comuns, reduzindo eficiência e aumentando a burocracia.

Titular da 1ª Delegacia, que fica na estação República no Metrô, centro de São Paulo, Mario Dirienzo diz que o atendimento a casos fora do Estatuto é feito pelos agentes, que ouvem e registram o boletim de ocorrência, e depois repassam para a delegacia do bairro onde o problema ocorreu. Só nessa transferência são perdidos vários dias, dificultando também a investigação na unidade que recebe o caso.

Como as funções efetivamente de polícia são restritas ao que envolve o Estatuto, a estrutura da delegacia acaba na maior parte do tempo servindo aos idosos como posto de apoio e informação. O pedreiro aposentado Joaquim de Souza Rocha, de 72 anos, por exemplo, passou pela delegacia em busca de informações sobre passagens de ônibus gratuitas. Atendido rapidamente, saiu satisfeito e carregando um panfleto feito pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e pelo Procon com informações necessárias sobre os direitos e deveres do idoso no transporte coletivo rodoviário. “O atendimento foi nota dez, eu não tenho do que reclamar”, diz. “Eu estava havia dois meses andando para lá e pra cá atrás disso. Já tinha ido à Subprefeitura da Cidade Tiradentes e à SPTrans. Agora eu vim aqui e me explicaram tudinho.”

Nesta delegacia, os atendimentos costumam durar entre uma hora e uma hora e meia. Foi o caso de duas senhoras, uma de 59 e outra de 77 anos, que tinham reclamações em relação ao síndico do condomínio onde moram. Elas foram orientadas a procurar o Procon e um advogado especializado. “Estávamos meio perdidas sobre o que fazer. O atendimento foi bom, a policial nos atendeu com atenção e paciência”, contou uma delas, que pediu para não ter o nome divulgado. “Sempre que precisar virei até aqui. É muito melhor do que ficar horas na delegacia normal, onde ainda somos tratados com descaso.”

Ainda que o caso que chega à delegacia especializada exceda a competência da polícia, o idoso não sai sem atendimento, garante Dirienzo. “Muitas vezes o crime está na fronteira entre o caso policial e a assistência social. Como não temos esses profissionais, às vezes nós precisamos fazer esse papel”, explica. Ele comenta que os crimes tendem a ser de menor potencial ofensivo, de modo que o número de prisões também tende a ser menor.

“O rol de infrações poderia ser maior, poderíamos apurar mais. No entanto, seria necessário mais recursos”, diz o delegado. Nos cinco primeiros meses deste ano, por exemplo, a unidade registrou apenas dez inquéritos, enquanto a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, que também fica no centro da capital, instaurou 534 deles.

Para o especialista em segurança pública José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da Polícia Militar, o serviço prestado é mais de assistência social do que investigação de crimes. Ele, inclusive, sugere unir o atendimento ao realizado na Delegacia de Defesa da Mulher. “Isso se colocar um investigador, um delegado a mais, mas também colocar um psicólogo e assistente social, dá pra atender tranquilamente os idosos”, afirma. O especialista discorda da ideia de atendimento especializado ao idoso. “A estrutura não é eficiente, drena recurso e tem uma demanda relativamente pequena.”

Atualmente, apenas duas delegacias especializadas de atendimento ao idoso contam com o serviço de assistentes sociais. Nas demais, conforme explica a Secretaria de Segurança Pública, é preciso que a própria equipe policial avalie os casos e encaminhe para os serviços de atendimento e proteção oferecidos pelo Estado, como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).

Nesse sentido, a defensora pública do Distrito Federal Paula Regina, uma das criadoras da Central Judicial do Idoso, acredita que a delegacia do idoso ainda tem muito a aprender com as delegacias da mulher. “É preciso uma equipe devidamente capacitada e uma rede de proteção. Não são as delegacias que não funcionam, mas sim a rede que carece de serviços de suporte que existem na legislação, mas são incipientes na prática”. Segundo Paula, vários artigos do Estatuto do Idoso “não pegaram”, porque prevêem políticas públicas que não foram implementadas ou porque envolvem questões culturais e que, diz ela, só podem ser superadas com educação.

Rede de proteção

O projeto de lei 4181/2015, do deputado federal Rogério Rosso, propõe a “inclusão da abertura de delegacias especializadas na política nacional de atendimento e a divulgação ostensiva de campanhas de mobilização da sociedade no atendimento ao idoso”. A proposta aguarda o parecer do Relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), da Câmara dos Deputados.

No entanto, a defensora pública Paula Regina avalia que criar leis não necessariamente resolve o problema. Segundo ela, é preciso compreender a demanda de violência contra a pessoa idosa. “Devemos primeiro estudar a realidade para depois entender quais os serviços desenvolver”. Além de abrir a delegacia, é preciso capacitar os agentes policiais no atendimento diferenciado ao idoso, explica ela. “O ideal é ter um sistema de Justiça especializado, que inclua delegacias, Ministério Público, Defensoria e varas do idoso, mas sem eximir o atendimento prioritário e a capacitação de todos servidores para o atendimento especializado à população com mais de 60 anos”, afirma, ponderando que em alguns municípios não se justificaria a implantação de serviços exclusivos.