Foto: Divulgação/Uefa

A Europa cai na teia vermelha do Aranha Negra (1960-1970)

Os soviéticos viveram os tempos dourados do futebol durante os anos 60, com a conquista da primeira Euro, boas campanhas em Copas e muitas disputas olímpicas e políticas com os EUA

Elcio Padovez, especial para o Estado

Perder a Copa do Mundo de 1958 não estava nos planos esportivos e científicos dos sovietes, mas a cada novo método de treino e táticas, que incluía espionar, eles tinham cada vez mais certeza de que o mundo da bola se curvaria à famosa sigla CCCP, famosa até hoje e que, entre muitas coisas, virou um símbolo cult em camisas retrôs de futebol.

E tão logo os anos 60 chegaram, o continente europeu assistiu a União Soviética levar para Moscou o título da Copa da Europa, alguns anos depois rebatizada de Eurocopa.

Em território francês, que fora aliado da URSS na Segunda Guerra Mundial, mas que em 1960 estavam do lado dos EUA na Guerra Fria, a seleção soviética, com uma base formada por jogadores da Rússia, Ucrânia, Geórgia e outras 12 repúblicas, enfrentou a Iugoslávia, outro grande bloco europeu formado pela Eslovênia, Croácia, Bósnia, Montenegro, Macedônia e Sérvia. No Parque dos Príncipes, hoje casa do PSG, de Neymar, soviéticos e iugoslavos se enfrentaram no dia 10 de junho daquele ano, com o placar de 2 a 1 para o lado vermelho.

O capitão da União Soviética, Igor Netto, levantou a taça continental para os registros da época, mas uma outra personagem do time, lá da turma do fundo, é que se tornou lendária no futebol do país e entrou para o Olimpo dos jogadores de futebol. O nome dele? Lev Ivanovich Yashin, mas pode chamar de Aranha Negra mesmo.

O futuro que repete o passado

Yashin, o jogador mais célebre do futebol soviético, mesmo sendo um goleiro, posição que não costuma ser tão grata para entrar na história, continua como uma das principais referências do futebol russo até hoje. Tanto que é o destaque do cartaz oficial da Copa do Mundo, lançado no fim de 2017, mas com um ar de construtivismo soviético de 1928 impressionante. O Aranha Negra, por conta de sua roupa e luvas sempre escuras e impecáveis, além de um mestre do reflexo, também se transformou em estátua de grandes parques na Rússia, nome de ruas e até dinheiro, com uma nota de 100 rublos, lançada pelo governo em comemorações à Copa da Rússia.

Ele também ajudou a manter o futebol interno da URSS aquecido e uma das paixões esportivas na década de 1960, junto com o hóquei no gelo e modalidades olímpicas como atletismo, basquete, vôlei, ginástica artística e lutas. Yashin, goleiro de um time só, o Dínamo de Moscou, de 1950 a 1970, ganhou por cinco vezes o Campeonato Soviético (1954, 55, 57, 59 e 1963), com a equipe que “pertencia” à KGB, a polícia secreta.

Futebol e política andam juntos sim

Na URSS, o esporte e a política se cruzavam o tempo todo, e os principais times tinham um direcionamento de grupos que estavam no poder. O CSKA era o favorito do Exército; o Torpedo Moscou, dos automobilistas; e o Lokomotiv, o dos ferroviários, peças muito estratégicas na mobilidade das linhas férreas que cobrem praticamente todos os 17 milhões de km2 do país.

A exceção ficou por conta do Spartak, considerado por muitos como o único clube russo fundado e amado diretamente pelo povo, os trabalhadores das fábricas e outros segmentos. O Zenit, de São Petersburgo, também reivindica este título por vir de origens industriais, das siderurgias que alimentavam boa parte da União Soviética.

Apesar de os quatro grandes de Moscou terem dominado o Sovietão por muitos anos, o maior campeão é o Dínamo de Kiev, que em 1961 quebrou a hegemonia moscovita e, até o fim da URSS, conquistaria 13 títulos, contra 12 do Spartak, 11 do Dínamo Moscou e 7 do CSKA. Os ucranianos, a república rebelde, sempre foi um problemão para os soviéticos, e no esporte eles também aparecerem, muito por conta de não terem autonomia e serem forçados a ceder os melhores atletas para defender a bandeira vermelha do Kremlin, como nas Olimpíadas de 1980.

O mundo em 1960 a 1970

1960
A Guerra Fria entra no auge da entre o Bloco Capitalista, liderado pelos EUA, e o Bloco Capitalista, liderado pela URSS. A disputa ideológica gera conflitos e revoluções em muitas partes do mundo, como em Cuba.

1962
O Brasil vence o bicampeonato mundial de futebol,  no Chile. No mesmo ano, os EUA tentam invadir Cuba pela Baía dos Porcos, e por pouco, um conflito mundial não estoura.

1964
Início da Ditadura Militar no Brasil, após a deposição de João Goulart por uma junta militar. Outros países da América, África, Ásia e Europa também entrariam em regimes ditatoriais e alinhados ou aos EUA ou à URSS. Houve a formação de uma terceira corrente, a de países que não se queriam alinhar a nenhum dos blocos.

1966
A Inglaterra sedia a Copa do Mundo e vence seu único título até então.

1968
Grandes manifestações tomam conta das cidades europeias, como Paris e Budapeste. Nos EUA, os protestos contra a Guerra do Vietnã aumentam e os movimentos de contracultura, como Woodstock, crescem.

1970
O Brasil conquista o tri da Copa e a taça Jules Rimet em definitivo, ao derrotar a Itália (4 a 1) na Cidade do México.