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A turma do Paulistano

Chiquinho, Pancho e Gugu eram amigos
que se encontravam na frente do
clube tradicional nos Jardins

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A turma do Paulistano

Chiquinho, Pancho e Gugu eram amigos
que se encontravam na frente do
clube tradicional nos Jardins

Francisco Nogueira Noronha
Francisco Noronha,
o Chiquinho
Reprodução / Estadão
Vídeo 1ª parte
Primeira parte do vídeo
Rota 66, a confissão
TV Estadão

Francisco Nogueira Noronha nasceu em 20 de novembro de 1957. Era o segundo filho de um rico corretor de valores paulista e de uma jovem dona de casa carioca. Chiquinho era dessas crianças que sempre aprontavam, mas sempre tinha a palavra "desculpa" na ponta da língua. Era o caçula. Em uma época em que não havia celulares, Lia Maria vestia seu robe para procurar os filhos na madrugada paulistana. Nascida Henley de Mello, a jovem crescera em um ambiente liberal na zona sul carioca e foi lá que conheceu o marido, o diretor de grande corretora de valores, José Nogueira Noronha Filho, de quem assumiu o sobrenome. Seria, a partir de então, a senhora Nogueira de Noronha. No mercado financeiro, o marido trabalhou com Francisco Souza Dantas e com Marcelo Leite Barbosa, cuja corretora – a maior do País – quebrou em 1972. Surgira então a oportunidade de Noronha morar em São Paulo. Os clientes e as velhas relações de Souza Dantas com Olavo Setúbal, dono do banco Itaú, levaram-no a aceitar o convite do último. Assumiria uma corretora ligada ao banco e traria os seus clientes da área de importação, exportação e câmbio.

Club Athletico Paulistano
Club Athletico Paulistano
à noite
Acervo / Estadão

De mudança para São Paulo em 1973, a família comprou dois apartamentos na Avenida Angélica, em Higienópolis, na região central. O da frente era ocupado pelo casal e o de trás, pelos filhos e pela empregada da família. Cansada de ter o carro “roubado” pelos filhos, a mãe decidiu que ia presentar o mais velho, José Nogueira de Noronha, com um Fusca. E Chiquinho ganharia uma motocicleta. Os irmãos estudavam no colégio Dante Alighieri, mas Chiquinho resolveu parar de estudar. Queria curtir. Primeiro, as noites na frente do Club Athletico Paulistano, na Rua Honduras, no Jardim América, zona sul. Ali os rapazes se encontravam e combinavam viagens ou uma ida a uma lanchonete para um milk-shake. Em pouco tempo, a turma do Paulistano ia conhecer outra: a das meninas do antigo Instituto de Arte e Decoração de São Paulo (IADê), que ficava na esquina das Avenidas Paulista e Angélica. Ali estavam as jovens Iara, Karen, Dida e Fernanda, entre outras. Todos frequentariam o quartinho dos fundos da casa dos pais de Iara, ao lado de uma pista de skate onde a jovem conheceria Chiquinho, de 17 anos. E a filha do seu Michel, um médico conhecido na cidade, passara a namorar o caçula dos Noronha. A turma ouvia Pink Floyd, Deep Purple, Yes, Secos & Molhados, Jethro Tull, bebia coca-cola e fumava maconha naquele cômodo.

José Nogueira Noronha Neto
O advogado
José Nogueira
Noronha Neto
,
irmão de Chiquinho
Daniel Teixeira / Estadão

Como você não podia se expressar, pois vivíamos em uma ditadura, qual era a alternativa? Era você curtir um som, você botar sua cabeça em outra, na natureza, um som, uma coisa legal. Essa era a alternativa, pois politicamente você não podia se envolver, que seria complicado.

José Noronha, 59 anos, advogado, o irmão mais velho

À noite, os garotos gostavam de passear fumando no carro. Chiquinho dava muito trabalho aos pais. A mãe decidira interná-lo dois anos antes por causa da maconha. Naquela época lisérgica, ou se estava entre os “caretas” ou entre os “muito loucos”. E Chiquinho decidira que estaria entre estes últimos. “Meu irmão não era um santo, mas não era o diabo que os caras pintaram”, disse Noronha. “Ele vivia intensamente. Tinha um coração maravilhoso.”

Iara Jamra
A atriz Iara Jamra
Alex Silva / Estadão

Nos fins de semana, as turmas do Paulistano e do IADê iam para o Guarujá. Enfrentavam até sete horas na balsa para chegar à praia na qual as meninas tinham um apartamento. Em uma dessas viagens com as pranchas de surf penduradas no teto do Fusca azul que Chiquinho ganhara da mãe quando desistiu da motocicleta, o jovem encontrou uma cadela na rua e levou para casa. “Ela acabou ficando comigo, em São Paulo”, disse a atriz Iara Jamra. Em março de 1975, Chiquinho, Iara e um casal de amigos decidiram passar um feriado em Imbituba, em Santa Catarina. Como não tinham carteira de habilitação, escolheram um trajeto pelo interior do País, a fim de escapar da fiscalização da Polícia Rodoviária Federal na BR-116. O desvio aumentou em mais de 800 quilômetros a viagem. Mas os jovens conseguiram. Visual hippie, cabelos longos dos meninos, liberdade de quem só desejava curtir a natureza, pegar onda e voltar: assim era o grupo. “O negócio era pegar onda, natureza, ele queria trabalhar com a natureza, morar em um lugar assim”, contou Iara.

Recém-chegado nessa turma era João Augusto Diniz Junqueira, de 19 anos. O jovem estudava no Colégio Objetivo e era filho de fazendeiros de Ribeirão Preto. Morava em São Paulo havia três anos e preparava-se para o vestibular de Agronomia. Para os amigos, ele era o Gugu, o jovem que sonhava em voltar a viver no interior e administrar uma fazenda. O avô era João Alves de Andrade, um desses médicos e farmacêuticos do interior paulista que atendiam a todos na região, independentemente do quanto e como podiam pagar. Muitas vezes recebia uma galinha ou litros de leite por um parto, conforme contou o repórter Caco Barcellos em seu livro Rota 66. A namorada de Gugu morava no interior e ele gostava de pegar a estrada com amigos para visitar sua turma de lá à noite, antes de voltar a São Paulo na mesma madrugada. Assim como os demais, tinha medo de ser apanhado pela polícia fumando maconha.

Da turma do Paulistano também participava Carlos Ignácio Rodrigues Medeiros, de 22 anos. Sua mãe, Maria Del Medeiros Consuelo de Pierre, era uma viúva espanhola que vivia em São Paulo com o filho, conhecido pelos amigos pelo apelido de Pancho. O rapaz ganhara um campeonato de moto na Venezuela, onde vivera antes de chegar a São Paulo. Fazia três meses que ele se havia envolvido em um acidente gravíssimo – um amigo batera um Opala e morrera na hora. Pancho tinha uma vareta de ferro presa entre a bacia e o fêmur e usava uma muleta. O jovem forte e bom de briga alugava motos na frente do Paulistano e também se envolvia em jogo a dinheiro. Era brigão. Na noite de 22 de abril, foi até o Paulistano e arrumou confusão com um amigo. Brigaram durante cinco minutos até que, desequilibrado, caiu em um espinheiro. Ajudaram-no a se recompor. Pancho queria cobrar uma dívida de outro rapaz que frequentava o Paulistano. Era Roberto de Carvalho Veras. “Eles foram roubar o gravador do cara. Era uma coisa de adrenalina, entendeu?”, disse José Noronha.

José Noronha Neto
José Noronha e sua cachorra em sua casa no litoral norte