Demoiselle é obra-prima de inventor

Para especialistas, a Demoiselle foi o melhor modelo criado por Alberto Santos-Dumont. Primeiro ultraleve da história da aviação, ela surgiu como o número 19 do aviador e foi depois aperfeiçoada no número 20. Feita de bambu e coberta com seda envernizada, voava com um motor de 25-30 cv e pesava apenas 115 quilos.

demoiselle 20
Pesava aproximadamente 118 kg (sem o piloto) Ano de fabricação: 1908

“O 14-Bis foi o marco inicial da aviação, mas a obra-prima de Santos-Dumont foi a Demoiselle”, confirma Marcos Villares Filho, sobrinho-bisneto do aviador. “Não dava para fazer uma obra melhor naquela época, era a menor e a mais barata possível.”

Última criação do aviador, a Demoiselle foi apresentada em 1909. No livro O Que Eu Vi, O Que Nós Veremos, lançado nove anos depois, Santos-Dumont conta que ela media 10 metros quadrados de superfície de asas e seu tamanho equivalia a um oitavo do do 14-Bis.

“Com ela, durante um ano, fiz voos todas as tardes e fui, em certa ocasião, visitar um amigo em seu castelo”, lembrou o inventor. “Como era um aeroplano pequenino e transparente, deram-lhe o nome de Libelulle ou Demoiselle. Este foi, de todos os meus aparelhos, o mais fácil de conduzir, e o que conseguiu maior popularidade.”

Com a Demoiselle, Santos-Dumont também obteve a carteira de piloto de monoplanos, acumulando todas as permissões da Federação Aeronáutica Internacional: de piloto de balão livre, piloto de dirigível, piloto de biplano e piloto de monoplano.

Marcos lembra que, ao ser produzida em série, a Demoiselle ainda foi muito importante para a divulgação da aviação. Santos-Dumont publicou as plantas do modelo na revista Popular Mechanics e apenas uma empresa, a Clément-Bayard, produziu cerca de cem Demoiselles para vender.

VÍDEO Jornalista Roberto Godoy fala sobre os aviões de Santos-Dumont

O mais curioso é que o inventor não só não quis patentear a Demoiselle como chegou a entrar na Justiça para disponibilizá-la gratuitamente. O foco da disputa foi o motor com dois cilindros em oposição que ele concebeu para o modelo.

Como conta Henrique Dumont Villares no livro Quem Deu Asas ao Homem, de 1953, como Santos-Dumont não encontrara oficina capaz de executar o projeto do motor no prazo exigido, ele procurou a fábrica de automóveis Darracq. Lá, fez um acordo para que alguns dos mais hábeis mecânicos “trabalhassem à noite, em horas suplementares, sob sua direção pessoal, para construir o motor planejado”. Conseguiu seu intento e o entregou a domínio público. Foi um sucesso. Pequenina e ágil, a Demoiselle era ideal para a aprendizagem de aviadores. E a todos que o consultavam sobre a possibilidade de reproduzi-la comercialmente, Santos-Dumont respondia que “qualquer industrial poderia livremente copiar e lançar no mercado réplicas do seu monoplano, em todos os seus pormenores, o que só viria a estimular o progresso e desenvolvimento da aviação”.

Foi quando a Darracq resolveu reivindicar seus direitos sobre as características do motor, com o argumento de que o havia construído em suas oficinas. Irritado, Santos-Dumont contratou um advogado para contestar a alegação. “Foi essa a primeira e única vez em que compareceu aos tribunais, para sustentar prioridade de uma de suas invenções”, conta Henrique no livro. E ganhou a causa: o motor, como parte essencial da Demoiselle, foi revertido definitivamente a domínio público.

“Brinco com meus alunos que esse foi o primeiro software livre do mundo”, diz o artista plástico Guto Lacaz, curador da mostra Santos=Dumont Designer, realizada em 2006 e 2009, e integrante de um fã-clube que compartilha informações e novidades sobre o aviador. “Ao contrário dos irmãos Wright, que queriam patentear até o céu, Santos-Dumont construiu o avião que está em ação até hoje, o ultraleve, e não quis fazer patente”, completa o escritor Márcio Souza, autor de O Brasileiro Voador, Um Romance Mais Leve Que o Ar.

Após provar que podia voar com segurança e incentivar que outras pessoas replicassem seu modelo, Santos-Dumont encerrou a carreira e vendeu sua Demoiselle para o então principiante Roland Garros, que em 1913 seria o primeiro a cruzar sozinho o Mar Mediterrâneo sem fazer escalas, morreu lutando na 1.ª Guerra Mundial, em 1918, e desde 1928 dá nome a um dos mais famosos torneios de tênis do mundo, em Paris.

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