Músicas

Cinema

Análise

História

Jorge Mautner*

 

A primeira vez que eu e Nelson Jacobina ouvimos Chico Science e o manguebeat interpretando o Maracatu Atômico ficamos maravilhados e muito emocionados. Maracatu Atômico foi gravado por Gilberto Gil bem no início da década de 1970. Muitas gravações se sucederam, inclusive a de Caetano Veloso em 2002. A gravação de Chico Science com a Nação Zumbi representa a reinterpretação magnífica de toda uma geração do século 21. Na interpretação de Chico Science, há uma ênfase em direção da ideologia ecológica, do ambientalismo da antiga deusa Harmonia da Grécia pagã. Refere-se ao mangue e aos manguezais, inclusive como na frase de outra canção: da lama ao caos, do caos à lama.

 

O maracatu nasce dos tambores do Candomblé. Durante os primeiros sete anos da minha vida, fui embalado pelos tambores do Candomblé através de minha babá Lúcia, que era filha de santo. Esses sete primeiros anos são os mais importantes na formação de uma pessoa. Quando fui para São Paulo aos oito anos de idade, eu sentia saudades destas sessões do Candomblé da minha infância e, em 1954, data que ficará para sempre em meu coração por causa do suicídio de Getúlio Dornelles Vargas, conheci pela primeira vez um maracatu de verdade. Foi na inauguração do Ibirapuera, por ocasião do quarto centenário de São Paulo, e a cidade de São Paulo trouxe os tesouros de joias culturais de cada estado brasileiro para se apresentar no Ibirapuera. Foi aí que eu assisti pela primeira vez ao Maracatu de Pernambuco sendo apresentado. A paritr daí, comecei a estudar em partituras, pois já estava aprendendo a tocar violino com meu padrasto, e lia as partituras do grande compositor Capiba. Uma música em especial: "De São Paulo de Luanda".

 

Em um dos versos, ele diz: "minha mãe baixinho cantava, Calunga, e eu baixinho chorava, Calunga, Maracatu, Maracatu, nação do preto Nagô".

 

Queria chamar atenção para o importantíssimo e magnífico livro do escritor professor Severino Vicente da Silva, intitulado: Festa de Caboclo (editora Perspectiva / FABESP). No livro, o professor Vicente narra a impressionante relação quase simultânea da influência do Estado e sua política com a arte, e vice-versa. O professor Severino é uma figura importantíssima no Maracatu Estrela de Ouro Aliança, em Nazaré da Mata, do Mestre Duda, herdeiro do Mestre Salustiano, com o qual eu e Nelson trabalhamos resultando em um disco chamado Kaosnavial. No referido livro, o autor nos mostra como foi criado o maracatu de baque solto. Acontece que só existia o maracatu de baque quebrado, durante toda a época do Império brasileiro. Este maracatu de baque quebrado, que tem um exemplo exuberante no Maracatu Leão Coroado de Recife, se caracterizava e caracteriza por mimetizar o Império, e só cidadãos e cidadãs de etnia negra participavam, já que o Maracatu também é uma nação com rei e rainha. Quando foi proclamada a República, imediatamente todo o interior de Pernambuco criou o Maracatu de baque solto que, mimetizando a República, começou a admitir índios, mulatos e brancos em seu cortejo sagrado. Acho importantíssimo este pensamento também relacionado ao manguebeat de Chico Science e de sua Nação Zumbi.

Esta magistral reinterpretação de Chico Science já inclui, também, noções de descentralização pregadas por Frei Caneca. Eu preciso repetir aqui que tudo isso é Jesus de Nazaré e os tambores do Candomblé e que, então, isto representa a plenitude de nossa Amálgama, Amálgama esta com que José Bonifácio nos definiu em 1823. Um panorama em constante interpretação e vitalidade, uma mensagem da missão deste país-continente chamado Brasil cuja história tão original ainda é quase desconhecida. Em todos os shows que eu faço, eu sempre cito Chico Science, o manguebeat e a Nação Zumbi, e queria concluir com um verso de uma música lindíssima que eu fiz em parceria com Afonjah: "o ser humano nasceu na África, daí se espalhou para todos os lugares, e viva o rei Zumbi dos Palmares!"

 

* é escritor e compositor, autor de 'Maracatu Atômico'

‘MARACATU
ATÔMICO’ E A
REINVENÇÃO DE
UMA GERAÇÃO

Chico Science e Nação Zumbi

Jorge Mautner

Versões de Maracatu Atômico

Chico Science. Um dos mentores do projeto, adorava ouvir Lupicínio Rodrigues