Estadão
Capítulo 3

Os vivos e
os mortos

Para cuidar dos bichos parque usa desde anticoncepcional para os macacos até recinto de segurança máxima para as araras
O mico-leão-preto está entre os animais que mais nasceram no zoo nos últimos cinco anos
Marcelo Godoy (Textos)
Felipe Rau (Fotos)

Não existe - pelo menos não deve existir - gravidez indesejada no zoológico. A girafa Palito vive separada de suas três companheiras – Ágata, Mel e Safira – para evitar que esse macho as engravide sem que o zoo tenha espaço para abrigar novos membros da espécie. “O girafales, outro macho, teve de ser levado para o Simba”, contou Flávia Tacomi, da Divisão de Educação e Difusão do Zoológico de São Paulo. Filho de Palito, Girafales e o pai começaram a brigar. Davam coices e pescoçadas.

Não é só a população de girafas que é controlada no zoo. Pepe, o macho chimpanzé, divide o mesmo recinto com as nove fêmeas, mas elas recebem contraceptivos por meio de implantes – o remédio dura até dois anos. A opção pelo implante, de acordo com a bióloga Ana Maria Beresca, foi decidida porque as fêmeas percebiam “que havia algo de errado”, quando os tratadores tentavam lhe dar a medicação.

Outro que tiveram de ser separados são os hipopótamos. O zoo trouxe Colônia, da Alemanha. Ela devia conviver com Sininho, outra fêmea hipopótamo, enquanto o Karenin, o macho, ficaria separado em outro recinto. Mas logo na adaptação as coisas começaram a dar errado. “Elas não se dão. Tentam se pegar pela grade. São vizinhas que se odeiam”, afirmou Ana Maria. O jeito foi mandar Karenin para um zoológico em Sapucaia do Sul (RS) e deixar as duas fêmeas separadas, uma em cada recinto.

Para nascer no zoo, o modo mais seguro é pertencer a um das espécies que o parque cria em seu programa de conservação de animais ameaçados. A maioria está no Centro de Conservação da Fauna Silvestre do Estado de São Paulo (Cecfau), em Araçoiaba da Serra. Ali estão sete tamanduás-bandeira, seis araras-azuis-de-lear, 14 micos-leões-pretos, 2 micos-leões-dourados e 13 micos-leões-de-cara-dourada.

Fazenda. O Cecfau fica no meio da fazenda do zoo, que abriga ainda zebras, avestruzes, veados e waterbucks e produz 600 toneladas de alimentos por ano em seus 574 hectares. No centro existem três blocos para animais ameaçados. Um com 6 recintos para os tamanduás, outro com 16 para os micos e, por fim, um para as araras-azuis de lear.

Separado dos demais por cercas duplas eletrificadas de cinco metros de altura e câmeras de monitoramento, o viveiro de segurança máxima das araras conta ainda com alarmes sonoros. Explica-se: o bicho é muito valioso e desperta a cobiça de caçadores, o que quase levou à sua extinção no Raso da Catarina, na caatinga baiana, onde habita.

O recinto de segurança máxima das araras-azuis-de-lear

“Reproduzimos aqui os paredões onde elas costumam fazer seus ninhos”, disse a bióloga Laura Nunes Garcia, chefe do Cecfau. As araras são difíceis de se reproduzir em cativeiro. Primeiro porque não basta colocar um macho e uma fêmea juntos. Os bichos é que se escolhem. Para contornar esse capricho, os biólogos colocaram em uma mesmo viveiro 12 exemplares, que formaram seis casais. Agora, o zoo se prepara para entrar no programa de conservação de outro animal: o pato-mergulhão, criticamente ameaçado no País.

É o trabalho de preservação de espécies que explica a razão da pererequinha de alcatraz ser o bicho que mais nasceu no zoo entre 2012 e 2016 – foram 120 novos exemplares. Entre os dez animais que lideram esse ranking há 3 anfíbios, três répteis, duas aves (cisne-preto e caporococa), um mamífero (mico-leão-preto) e um invertebrado, conforme dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação. Para os biólogos do zoo, a presença do mico – uma espécie nativa de São Paulo e ameaçada de extinção – nessa lista é motivo de festa.

Uma ave chama a atenção nesse grupo: o cisne-preto. Ao todo, 41 indivíduos nasceram no zoo nesse período, mas também quase o dobro disso morreu (94). Esse tipo de cisne libera a lista dos animais que mais morreram no parque entre 2012 e 2016.

O cisne-preto é o bicho que registrou o maior número de óbitos no zoo nos últimos cinco anos
A caporococa está entre as aves que mais nasceram no parque
A tartaruga de ouvido vermelho e o cágado de barbicha estão entre os animais que mais morreram no zoo.

O segundo lugar fica com a pererequinha-de-bromélia (51 óbitos), o terceiro lugar com o caracol-da-mata-atlântica (50 casos) e o quarto lugar é ocupado pelo pavão (31), cuja maioria morrera atropelado por carros. Nenhum mistério para as demais mortes, segundo os funcionários do parque. Para eles, todos são espécies com número alto de indivíduos no zoo. Ainda de acordo com eles, nenhuma doença ou outro problema foi detectado envolvendo esses bichos.

Além do pavão, somente um outro caso teria uma explicação particular: a morte de 9 cervos-damas. É que a população do zoo seria afetada pela alta consanguinidade, tornado-a a segunda espécie de mamíferos com maior número de mortes.

Parte das mortes de pavões é causada por atropelamentos

Todos os números são controlados pelo zoo. Ninguém nasce ou morre no parque sem entrar nessa conta. Recentemente, o zoo recebeu dois novos leões para tentar reproduzir a espécie em São Paulo. Também participa de um programa de preservação dos orangotangos. “Sem deixar de ser um parque temático, o zoo passou a desenvolver um trabalho muito importante de conservação e reprodução de animais ameaçados”, afirmou o diretor técnico-científico do zoo, João Batista da Cruz.

Todos os números são controlados pelo zoo. Ninguém nasce ou morre no parque sem entrar nessa conta. Recentemente, o zoo recebeu dois novos leões para tentar reproduzir a espécie em São Paulo. Também participa de um programa de preservação dos orangotangos. “Sem deixar de ser um parque temático, o zoo passou a desenvolver um trabalho muito importante de conservação e reprodução de animais ameaçados”, afirmou o diretor técnico-científico do zoo, João Batista da Cruz.

Textos e edição: Marcelo Godoy / Direção de arte: Fabio Sales / Edição de Infografia: Regina Elisabeth Silva / Fotos: Felipe Rau e Fundação Parque Zoológico de São Paulo / Edição de video: Bruno Nogueira