Reportagem EspecialCaminho de SantiagoVida de peregrino
1Antes da partida
2Parte 1de Saint Jean a LogroñoPrimeiros passos
2Parte 2de Logroño a BurgosO corpo se acostuma
2Parte 3de Burgos a BercianosChegamos à metade
2Parte 4de Bercianos a O CebreiroDescer é pior do que subir
2Parte 5De O Cebreiro a SantiagoQuilômetros finais
3SantiagoO fim e o começo
4FinisterraOnde termina o mundo
5Bom apetite
6Sono Peregrino
7Os símbolos
8Principais desafios
9Histórias do Caminho
10Olhar do repórter
Epopeias próprias Textos: Felipe Mortara Fotos: Filipe Araújo
Abre-se uma lacuna na tentativa de tentar explicar o vazio que é chegar a Santiago de Compostela. Uma dormência lúcida que toma conta de quem se depara com tão portentosa catedral após caminhar dias e dias. Não saberia outra forma de expressar este vácuo. Não é felicidade nem tristeza, quase não é real. O peregrino que conclui sua jornada se torna mais um órfão do Caminho de Santiago.
Desaprender a seguir conchas e setas amarelas, destreinar os olhos. Aos pés calejados, desensinar a planar sobre estradas e caminhos de terra, sobre ruas de pedra, calçadas milenares. Fazer de um cajado, outrora fiel companheiro, um mero pedaço de madeira aposentado.
Que o Caminho de Santiago, que de tantos foi há centenas de anos, agora também me pertencia. Os motivos deste pertencimento nada tinham a ver com fé ou crença no poder redentor dos supostos restos mortais do apóstolo Tiago, descobertos aqui no século 9. Cada passo ao longo dos mais de 700 quilômetros percorridos desde Saint Jean Pied de Port, na França, e cada um dos aprendizados e pensamentos edificaram esta jornada.
Bem como a força do passado, das hordas de peregrinos que para Lá rumaram entre os séculos 12 e 17, que fizeram pulsar a economia regional e trouxeram a essência, a legitimidade do Caminho de Santiago. Acompanhados de todo o legado, a fé e o misticismo que cercam o Caminho Francês, eu e o fotógrafo e videomaker Filipe Araújo nunca estivemos sozinhos.
Cabe aqui ressaltar que, embora todos rumem à Catedral de Santiago, cada um faz seu próprio Caminho. Desconstruir-se ao longo de 30 e poucos dias para remontar-se ao longo do porvir. Uma reengenharia de vida que não segue regras e lógicas. Se a trilha é praticamente uma só, as histórias, condições, expectativas e entregas de cada peregrino são distintas. Ainda que estejamos todos a nos abraçar diante daquela catedral, não tem como o resultado ser o mesmo para cada um. Passa a fazer sentido a ideia de que o caminho começa em Santiago.
Colocar-se em marcha continuamente com tempo dedicado a isso apenas, e nada mais. Intervalo raro e estranho na vida, leva tempo a se acostumar com o status de peregrino. Mais ainda demora a legitimar-se como tal perante a si próprio. Estar algo inédito em um lugar novo cuja paisagem se transforma a cada instante. Parece muito o tempo empenhado, e muita a distância a percorrer, mas, na prática, é muito pouco.
Afinal, quantos de nós, ao longo da vida, caminhamos cerca de 25 quilômetros diários, partilhamos a comida e pudemos interagir com pessoas tão distintas? Em que outra oportunidade passamos tantas horas seguidas exposto à verdade da natureza, do vento, do sol, da chuva e do frio? Ou dormimos, ao longo de um mês, em uma cama diferente a cada dia, evidenciando o pouco valor do ter?
Nas mochilas, peregrinos trazem o que podem ou não suportar. Carregados de simbolismos, os desapegos materiais têm duplo sentido: desfazer-se de algo que lhe pesa, mas que pode ajudar o outro. Idealistas e utópicos de todas as sortes perceberão no Caminho um quê de experiência socialista bem-sucedida, em que a ausência de oferta de privilégios e luxos nivela os peregrinos por meio de necessidades básicas: comer, dormir, tomar banho.
Embora de cantos distintos desse mundão de meu Deus, cada peregrino tem como estopim para tamanha empreitada motivos que muito se assemelham. Das perdas, de amor, de emprego ou de um ente querido. Das buscas, de sentido, de encontro consigo, de respostas complexas. Aqui, uma ressalva: diz um provérbio do Caminho que, em vez de respostas, volta-se para casa com mais perguntas.
Eis um processo de superação e introspecção em que tudo aflora. O ritmo de cada peregrino, sua passada e velocidade de percepção, tem a exclusividade de uma impressão digital. Cada um tem o seu e não se espante se houver dissonância com um companheiro de caminhada. Eu e Filipe Araújo descobrimos compassos diferentes, andamos em toadas distintas e tivemos bons encontros e reencontros, ao sabor do caminho.
Se a história, os valores e a bagagem de cada pessoa a fazem moldar o mundo à sua maneira, com o trajeto não seria diferente. Singulares, os significados que cada peregrino atribui ao percurso se harmonizam à vivência, aos encontros e esforços de cada um. Peregrinar é sobre se conhecer, não se penitenciar. E um tanto distinto de turistar, como sempre estive acostumado. É um outro estar.
Já quase no fim, inusitado, me bate uma vontade estranha. De recomendar a você que pare de ler tudo sobre o Caminho e simplesmente vá. Munir-se de informações, história e relatos de outros peregrinos é ótimo, mas talvez seja um dos ingredientes perversos do despertar da expectativa. O caminho é diferente. Imagine, leia, converse, escute. Apenas para descobrir que nunca vai ser como você pensava.
Apoio:
Turismo de España
Air Europa
Refúgio Acacio & Orietta
Rede Paradores de España
Albergue Estrella Guia
Antzin Mochileros
Correos
Gîte Ultreia
Albergue La Morena
TaxNavarra serviços de táxi (Juan)
Casa Rural San Nicolas
Hostal Camino Real
La Casiña de Marcelo
Gustavo Gonzaléz
Guilherme Sikora
Curtlo
Loja Nerea
Caminho do Sol
Associação de Confrades e Amigos do Caminho de Santiago
Associação dos Amigos e Peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela do Brasil
O essencial para entender o que é o Caminho, como se preparar e o que esperar ou não da jornada
Peregrinar não é passear no shopping, mas também não precisa ser uma ida ao inferno. Na teoria, bastam pernas e pés para chegar lá – e a cabeça focada, alguns dirão. O cansaço, as bolhas e as inevitáveis dores musculares mostrarão que, na prática, tudo é bem diferente. Não há como evitá-los completamente, mas você pode (e deve) se preparar, aumentando as chances de chegar bem a Santiago de Compostela e aproveitar o percurso. Alinhar as expectativas da mente e o preparo do corpo antes mesmo de dar o primeiro passo pode ser a diferença entre fazer e viver o caminho.
Quantos dias?
O itinerário do Caminho Francês, com 800 quilômetros, costuma ser sugerido para ser cumprido em um período de 30 a 33 dias. Nós previmos 31 e não foi o suficiente. Isso porque, pelo menos para nós, pausas eram necessárias para amenizar a fadiga acumulada do corpo. Recomendaria um planejamento que contemplasse uma pausa de um dia a cada 7 ou 8 caminhados – desta forma, de 35 a 40 dias são o ideal para viver uma peregrinação em que o físico endosse a contemplação. Peregrinar não significa necessariamente se penitenciar.
Os pés
Cuidar dos pés, seu melhor amigo, é fundamental nesse processo – a começar pela escolha do calçado certo. Procure uma bota de caminhada um número acima do que está habituado a usar, de preferência forrado por Gore-Tex, membrana tecnológica impermeável e respirável, que deixa o pé sempre seco repelindo água e suor. Desta maneira, somado ao uso rotineiro de duas meias e vaselina, evita-se as bolhas. Use-o bastante, não apenas na cidade, mas experimente usar em ambientes mais repletos de natureza, semelhantes à maior parte dos trechos na Espanha. As papetes, de beleza e bom gosto discutíveis na vida urbana, se mostraram fantásticos calçados híbridos, bons tanto para descansar nos albergues quanto para caminhar e dar descanso aos pés oprimidos pelas botas.
Quem ajuda no Brasil
Não faltam possibilidades para colocar você e seu par de botas em ação antes de cruzar o Atlântico. Com boa prosa e hospitalidade dos moradores, há cinco opções de roteiros peregrinos bem demarcados e organizados nas regiões Sul e Sudeste (veja aqui), como o Caminho do Sol, o Caminho da Fé e o Caminho das Missões. São percursos com mais de uma centena de quilômetros que oferecem uma prévia do espírito peregrino encontrado no Caminho de Santiago.
Outra excelente e importante maneira de aprender sobre os vários roteiros que culminam em Compostela é assistir a palestras de associações de amigos e ex-peregrinos. Há muitas espalhadas pelo Brasil (conheça aqui). Grande parte delas vendem a credencial e a concha do peregrino, um dos símbolos do caminho. Estes dois objetos podem, inclusive, ajudá-lo diante do fiscal de imigração durante a entrada em território espanhol.
Um corpo são (ou dolorido ao mínimo) transformará toda a experiência. Antes da partida, atividades cardiovasculares, como ciclismo e corrida, auxiliam e muito. Simples e fácil de praticar em grandes cidades, subir escadas com regularidade pode fazer a diferença. Nós não fizemos nenhuma e acredito que isso nos impactou, especialmente nos primeiros dias. Em suma, o melhor exercício para uma longa caminhada é... fazer longas caminhadas.
Por isso, caminhe no Brasil com a mochila que pretende levar na jornada, para ir se habituando e fazer eventuais ajustes. Se não tiver todos os equipamentos, tente enchê-la com 10% do peso do seu corpo para encarar jornadas de 18 a 25 quilômetros, de preferência por mais de um dia seguido. Você viverá em sua mochila e por mais de 30 dias cada equipamento deste será como a mobília de sua casa.
Na mochila
Nossa jornada revelou o que faz diferença levar ou não. Eis o essencial: duas calças-bermuda, três camisetas de tecido sintético para esporte (de preferência com fator de proteção solar), cinco ou seis pares de meia de caminhada de tecido respirável do tipo “cool max” e duas cuecas ou calcinhas sintéticas, com tecido especial antiodor. Parece pouco, mas lava-se muita roupa no caminho – em geral em máquinas de lavar e secar (veja o vídeo com o que levar aqui).
O dia a dia também evidenciou alguns itens desnecessários na “decoração” de nossas “casas”. Travesseiro inflável e pregadores de roupa foram as principais inutilidades. Por outro lado, algumas dicas de outros peregrinos e descobertas nossas mereceriam um prêmio pela eficácia. Inesperados alfinetes de segurança salvaram vida quando as meias lavadas na noite anterior não secavam a tempo e eram presas às mochilas.
Uma pequena mochila dobrável e leve feita de cordura se mostrou um alívio para os dias em que mandamos as mochilas titulares para o próximo destino. É ótimo andar alguns dias alternados sem todo o peso, não se culpe, ninguém que andou centenas de quilômetros é menos peregrino por conta disso.
Nossas mochilas partiram, respectivamente, com 12 e 14 quilos. Considere aí câmera, carregadores, lentes e um computador, que sozinho, pesava três quilos. Com o serviço de envio de mochilas, conseguimos criar uma dinâmica em que os equipamentos mais pesados eram despachados para o destino previsto para dali a três ou quatro dias. Voltamos praticamente com a mesma bagagem, considerando as muitas conchas de vieira que trouxe como lembrança para os amigos.
Nosso Caminho de Saint Jean Pied de Port a Logroño Primeiros passos
Entre a primeira partida, sem jeito nem cadência, e a icônica conclusão da primeira semana, dá-se a transformação: a rota começa a fazer sentido
Desajeitados e sem cadência, cajado e andarilho ensaiam os primeiros passos sob o som duro da ponta de aço tocando o chão de pedras de Saint Jean Pied de Port. São os metros inaugurais de um sonho (de algo intenso, poderoso). Desça a Rue de la Citadelle, atravesse o Portão de Notre-Dame e a ponte homônima. Aí, quando menos se espera, algo mágico acontece. Mentira, nada ocorre. Simplesmente um passo depois do outro, só. E percebe-se o tamanho da ansiedade e da mística que envolve o Caminho de Santiago.
Cerca de 20 dos 25,1 quilômetros da jornada inaugural o empurram Pireneus acima. Numa bifurcação, a estrada fica para trás. Até o Passo de Lepoeder, a 1.450 metros de altitude, apenas você, alguns rebanhos de ovelhas, vacas e ariscos cavalos. Nada o lembrará que cruzou a fronteira, já não é mais França. Nenhuma placa dá as boas-vindas à Espanha, apenas um discreto arbusto de saborosas amoras selvagens. Sirva-se, peregrino. Saia de Saint Jean o mais cedo possível (até as 8 da manhã), sob o risco de alcançar Roncesvalles, Roncevaux ou Oreaga só à noite. Em espanhol, francês ou basco, chega-se ao mesmo lugar – a 960 metros de altitude e enevoado ao entardecer.
No formidável e portentoso albergue municipal que data de 1127 (não há praticamente mais nada na vilinha de 30 habitantes), dezenas de peregrinos podem repousar da exaustiva jornada em imensos dormitórios para 20 pessoas. Sempre às 20 horas, a missa tem leituras em vários idiomas e é um dos ritos de passagem para novos peregrinos. A descida do segundo dia, até Zubiri, não vai ficar marcada na memória. De lá até Pamplona, outro dia de esforço médio.
Célebre. Cercada por um conjunto de muralhas do século 16, Pamplona honra o status de primeira grande cidade do percurso. A sinalização sempre impele o peregrino até os centros históricos e por ali vão aparecendo os albergues. Ruas estreitas de pedra serpenteiam cheias de vida depois da siesta – na Espanha, o comércio costuma fechar as portas das 14 às 17 horas.
Fora dos oito dias de julho (6 a 14) em que se celebra a Festa de São Firmino, a única referência que você terá dos touros que cruzam a cidade em menos de três minutos são as miniaturas nas lojas de souvenir. O claustro e todo o interior gótico da Catedral de Santa Maria de Pamplona fazem jus à sua história, que remonta a vestígios visigodos encontrados sob a construção do século 10. Faça vista grossa para a insossa fachada neoclássica.
Sob o sugestivo nome de Alto do Perdão, o principal marco entre Pamplona e Puente la Reina abriga um grande parque eólico em seu cume. Sofre-se um pouco na subida e muito na descida, com pedras soltas.
Estella, destino do quinto dia de andança, foi o mais importante pouso para peregrinos no século 11. Do esplendor que a tornou merecedora da alcunha “La Bella”, guarda a igreja de San Pedro de la Rúa, do século 12, com leve influência árabe em seus traços. Procure o Astarriaga Asador, restaurante especializado em carne na Plaza de Fueros, onde é possível jantar bem por € 10.
Em Los Arcos, permita-se embasbacar com a abundância de ouro no altar da igreja de Santa Maria. Mais à frente, entre pernoitar em Sansol e Torres del Rio, prefira a segunda (um quilômetro adiante), por ter uma oferta mais ampla de albergues e restaurantes.
O horizonte começa a se encher de vinhedos. Onze quilômetros separam Sansol e Viana, que marca a despedida da região de Navarra e a entrada em La Rioja, excelente ponto de parada para um lanche. Dali, mais nove quilômetros até Logroño, último pernoite da etapa. Antes de adentrar a cidade, tire suas botas e descanse no lava-pés. Ao fim do sétimo dia, as dores vão amainando e, aos poucos, se transformam em endorfina. A caminhada começa a ganhar sentido.
Nosso Caminho de Logroño a Burgos O corpo se acostuma
‘Pintxos’ em Logroño, pausa em Santo Domingo, visita a vinícola, trechos fáceis: 12 dias depois, as dores sumiram e bateu a sensação de conforto
Esquinas com ângulos retos, ruas com arcadas, catedral portentosa e uma viela charmosíssima cheia de bares vivos. Não conheci ninguém que não tenha adorado Logroño. Em pleno domingo, uma feira de antiguidades toma a Plaza Mercado, famílias inteiras bebericam nos cafés do entorno enquanto crianças pedem balões para os pais. Quatro dias depois de Pamplona, novamente uma cidade grande (155 mil habitantes), mas com alma diminuta e acolhedora. Ainda bem.
Seja vindo de Sansol ou de Torres del Rio, chegue cedo para aproveitar e descobrir pelo estômago o porquê da fama de sua vida boêmia. Festejada por ser uma das melhores ruas de pintxos (tapas ou canapés montadinhos) da Espanha, a Calle del Laurel atrai todo tipo de visitante. Demora pouco até o peregrino perceber que dá para beber taças de bons vinhos com um pintxo por € 3. Entre as mais famosas, a Taberna del Tio Blas e a o Bar Calderas. E assim embarca-se noite a dentro.
Contudo, caro peregrino, se você exagerar no vinho, estará enroscado no dia seguinte, pois 28,9 quilômetros de chão lhe esperam até Nájera. Ainda que longa, a caminhada é relativamente fácil. Percorrer o trecho no fim de outubro é de uma beleza e tentação ímpares, por culpa dos infinitos parreirais carregados. Que me desculpem os puristas, mas peregrino pode, sim, comer uva do pé. Se estiver embalado, faça um desvio de um quilômetro para comer em Ventosa, igualmente uma alternativa de hospedagem para os mais cansados.
Quase em Nájera, após longos quilômetros de garganta seca, há um poço de água, com uma sombra ótima para a última parada. Guarde energia para visitar o Monastério de Santa María la Real (€ 3), uma pérola do século 16 em estilo gótico, que ainda preserva delicados claustros. No panteão dos reis repousam os restos mortais da Rainha Branca de Navarra (1387-1441).
Destino da próxima etapa, de 21,3 quilômetros, Santo Domingo de la Calzada leva fama por sua catedral. Nada da arquitetura ou dos vitrais, mas por um casal de galo e galinha (vivíssimos) que permanecem num cercadinho junto ao altar de 25 de abril a 13 de outubro. O motivo é uma velha história de um milagre ocorrido ali e, dizem, se o peregrino ouvir o galo cantar na igreja, terá sucesso no Caminho.
Bucólicos. Aproveitamos Santo Domingo para o primeiro dia de descanso, após oito dias caminhando. Pés e pernas, bem como o paladar e o estômago, agradeceram a escapada até San Vicente de la Sonsierra, 30 quilômetros ao norte. Cercada por vinícolas, a vila medieval no alto de um morro merece uma escapada. Nós fomos de carona, mas é possível arrumar um táxi, por cerca de € 30. O dia na vinícola Predicador, com direito a visita aos campos e até ajudar na vindima, foi inesquecível. A vista e os pratos do Restaurante La Vistilla são de tirar o fôlego – um menu com três pratos sai por € 50. Não deixe de provar a tenra bochecha de boi.
No dia seguinte, despertei sem nenhuma dor no corpo e ficou fácil andar os 22,4 quilômetros até Belorado, onde cozinhamos uma macarronada no Albergue Quatro Cantones para um grupo de mais oito peregrinos. Ótima opção de albergue particular, por € 13, oferecia piscina aquecida e um agradável jardim mais que convidativo a um bom vinho.
Relativamente tranquilas, as etapas seguintes, entre Belorado e Agés (28,4 km) e de Agés para Burgos (22,5 km) cruzam imensos bosques e plantações de eucalipto e o belo Alto de Mojapán, a 1.120 metros de altitude. O Monumento a los Caídos, no Monte de la Pedraja, marca o ponto em que foram fuziladas cerca de 300 pessoas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
A chegada a Burgos sacramenta um momento em que o corpo se acostuma e entende o que se espera dele na jornada. Após 12 dias andando uma média de 23,8 quilômetros diários, as dores musculares e de tendão diminuem consideravelmente e vem à tona um bem-estar enorme a cada passo, dá vontade de parar menos. Mas Burgos é tentadora e vai convidá-lo a passar um dia a mais...
Nosso Caminho de Burgos a Bercianos Chegamos à metade
Burgos nos recebeu com festa medieval; em Sahagún brindamos à simbólica marca de 400 km
Única noite em Burgos, taça de vinho em punhos, um brinde com companheiros de viagem e o dono do bar. Sorrisos reais, ambiente bacana, tapas um pouco engorduradas demais, autenticidade. Na despedida, o homem com roupa de época e uma cruz de malta vermelha no peito, nos saúda: buen camino! Não levávamos vieiras, mochilas, cajados ou qualquer outro símbolo que nos identificasse como peregrinos, além das coloridas e amassadas roupas. Me senti peregrino pela primeira vez.
Ali, naquele centro histórico efervescente, mas intimista, astral antigo e com aura pulsante graças à universidade (e seus 180 mil habitantes), Burgos agrupa vários elementos que a tornam um destino daqueles em que você adoraria não estar só de passagem. Se puder, programe uns dias a mais ali.
Assim como em Pamplona, a chegada a Burgos é verde, às margens do Rio Arlanzón. No horizonte, despontam os 84 metros de altura das torres de sua formidável catedral gótica, que remonta ao século 11. Na Capela do Santíssimo Cristo, contemple o venerado crucifixo do século 13 feito de pele de búfalo. Peregrinos pagam € 4 para visitá-la, e ainda dá para selar a credencial com o carimbo do edifício.
Contemplada a catedral, deixe de lado as setas amarelas para perder-se no Bairro Histórico. Atravesse a Puente de San Pablo e contemple a vivaz estátua de El Cid, com sua capa esvoaçante. O nobre cavaleiro do século 11, nascido em Vivar, a 10 quilômetros dali, é um dos nomes mais festejados na cultura espanhola. O Fim de Semana Cideano é comemorado anualmente no início de outubro e – adivinhe – ocorreu bem quando estávamos por lá. Por isso o dono do bar vestia roupas de época!
Chegar a uma cidade dessas com dezenas de pessoas vestidas com trajes medievais, galopando cavalos adornados ao som de música medieval é uma experiência marcante. Claro, foi sorte, aquelas coisas que o peregrino de peito aberto vai recebendo. Mas dá para se programar.
Deu tempo de assistir a uma missa às 8h30 no Monastério de Santa Clara, com lindos cânticos e orações das freiras do claustro. Se ficar um dia a mais na cidade, visite o Museo de Telas Medievais, dentro do Monastério de las Huelgas (€ 1,20; monasteriodelashuelgas.org), um programa dois em um. Aberto em 2012, o moderníssimo Museu da Evolução Humana (€ 6; museoevolucionhumana.com) compila uma série de achados arqueológicos e eficientes explicações biológicas sobre o que somos e de onde viemos.
Geograficamente, Burgos marca a entrada do Caminho dentro da região conhecida como Mesetas. Desnuda de vegetação e plana a ponto de receber este nome, varia entre 700 e 800 metros de altitude. Árida e melancólica, esquenta muito no verão e esfria muito no outono e no inverno. Estreamos ali andando 21 quilômetros até Hornillos del Camino.
No trecho seguinte, de 29 quilômetros até Puente Fitero, uma apresentação à altura da fama violenta das Mesetas. Contrariando a famosa monotonia do trecho, fomos castigados por violentas rajadas de ventos de até 70 quilômetros por hora após passarmos por Castrojeriz.
Abraços. Por outro lado, a chegada ao Hospital de Peregrinos de San Nicolás, na minúscula Puente Fitero, foi um abraço na alma, seguida de inesperadas alegrias. A primeira, encontrar aberta a mais antiga acomodação de peregrinos do Caminho, que costuma fechar no início de outubro. A segunda: ter vagas, pois abriga 14 peregrinos por noite. Por fim, tivemos a mais incrível noite da viagem, com direito a uma cerimônia de lava-pé, céu pintado por estrelas cadentes e a honra de dormir no altar desta antiga igreja do século 11.
Voluntários, o italiano Lino Tomasso e a espanhola Elba Torres preparam uma refeição simples. Servida à luz de velas em uma mesa única, a salada de tomates deixou todos boquiabertos. Eram apenas tomates, frescos, orgânicos, suculentos e inesquecíveis. Vinho saboroso de La Rioja, sem rótulo, como tudo ali.
Dali por diante, três dias mais exigentes até Bercianos, com média de 28,5 quilômetros diários, muito impulsionados pelos terrenos planos. O vento não deu trégua e, vez ou outra, nos presenteou com chuvas mais ou menos molhadas. Ledigos se resumiu a uma maravilhosa noite no Albergue La Morena, na companhia do hospitaleiro sorocabano José Fagundes, de 51 anos, voluntário há anos em albergues no caminho.
Em Sahagún, uma parada para almoçar na beira da calçada com pão e embutidos comprados num mercadinho qualquer. O que é digno de nota é que, neste ponto, alcançamos o meio do Caminho de Santiago. Aquele momento em que, como no primeiro parágrafo, brinda-se com um bom motivo: nossas pernas nos trouxeram por quatrocentos quilômetros.
Nosso Caminho de Bercianos del Real Camino a O Cebreiro Descer é pior do que subir
Depois de um dia de descanso, ônibus por 50 km – felizmente, antes das ladeiras entre Rabanal del Camino e O Cebreiro
Pernoitamos no Albergue Municipal de Bercianos del Real Camino no mais autêntico espírito peregrino. Quatro ex-peregrinas voluntárias, duas espanholas, uma colombiana e uma italiana, regressaram para o Caminho para “manter a chama acesa”. Hospitaleiras de alma, que impregnaram essa essência em cada um dos 60 peregrinos que acolhiam como filhos de todas as idades.
De aparência repugnante, o grão de bico com lentilha preparado por elas tinha sabor para justificar as três repetições. Culpa da permanente fome do peregrino, muitos podem dizer. Não, naquela comida havia afeto e consideração. Seguida por um luau, no refeitório mesmo, com peregrinos de várias nacionalidades cantando uma canção de seu país. Coube a mim e ao Filipe puxarmos Garota de Ipanema e sermos acompanhados por todos.
Baterias recarregadas, jornada monótona ao longo de uma estrada pouco movimentada até Mansilla de Las Mulas. Jantar mediano e pernoite pacato no Albergue El Jardin del Camino. Os 18 quilômetros de Mansilla até León foram os mais gelados da viagem, com luvas nas mãos até depois do meio-dia. A chegada à cidade, aliás, é desagradável, cruzando por autoestradas e uma periferia industrial melancólica.
Contraste absoluto com o centro da cidade de 130 mil habitantes, outra preciosidade do trajeto. Culpa (para variar) de sua catedral gótica do século 13, impressionante com seus famosos vitrais. Os € 5 do ingresso são recompensados pela grandeza do pé-direito e o esmero das colunas. De beleza memorável, as pinturas nos vidros justificam a fama de ser uma das mais belas da Europa.
Sempre pontual, às 19h30 a missa do peregrino na Basílica de San Isidoro é ponto de encontro para quem acredita ou não no catolicismo. Além de palavras de estímulo, certamente se deparará com alguns companheiros de outros dias. Pela Calle Ancha, a principal do centro, lojas grandes e alguns cafés para celebrar o reencontro.
Desencontre-se pelas ruelas curvas do Bairro Húmedo, até parar na Plaza Mayor, onde um exército de restaurantes charmosos lutam por clientes sob as arcadas centenárias. Às quartas-feiras e sábados, uma feira livre toma conta da praça. Na desventura de não achar um favorito ali, poucos passos praça acima levam à Plaza de San Martín, um largo também repleto de bares e restaurantes. Pintxos e porções de batatas bravas são o forte. Dois blocos mais afastada, a Plaza de Santa Maria del Camino se tornou a minha favorita, com uma figueira no meio, crianças brincando e o Monastério das Freiras Beneditinas ao fundo.
Eleita para um dia de repouso por conta das dores na musculatura do pé, León me deixou pronto para uma nova jornada. Contudo, olhando para o mapa, as etapas a cumprir e o prazo para chegar a Santiago, optei por tomar um ônibus até Astorga (cerca de 50 quilômetros adiante) e, dali, caminhar 20,6 quilômetros até Rabanal del Camino. Ao longo da movimentada N-120, vi que o Caminho a margeava – havia me safado de um trecho bem desagradável do percurso.
De Astorga, a lembrança de uma bela missa na catedral, em um dia nublado que foi se abrindo e, não fosse pelo pé d’água na chegada a Rabanal, seria o mais gostoso da viagem. Ao menos o Albergue Pilar ficava próximo da Igreja de Santa Maria, onde, às 19 horas, monges beneditinos fazem apresentações de canto gregoriano e, às 21 horas, uma missa para abençoar pedras e objetos que serão depositados na Cruz de Ferro, no dia seguinte. Velha a ponto de parecer que vai desabar, a pequena capela do século 12 carrega uma energia espetacular.
Desgaste. Subir, subir, é o mandamento para sair dos 1.155 metros de altitude de Rabanal até o Alto del Altar, a 1.515. Até lá, algumas paradas quase obrigatórias, por isso programe a saída até as 7 da manhã. Apanhe alguma coisa para forrar o estômago, mas ande só cinco quilômetros para um bom café da manhã no La Taberna de Gaia, em Foncebadón. A vilazinha, que estava em ruínas, renasce com um astral jovem e é boa alternativa de pernoite a Rabanal del Camino.
Pouco menos de uma hora traz a famosa Cruz de Ferro, sobre um mastro de madeira de 5 metros de altura. Ponto místico, está coberta por uma montanha de pedras e outras memórias trazidas por peregrinos. A tradição manda que se lance a pedra de costas, para simbolizar o que foi deixado para trás. A cruz original, que havia sido roubada, está exibida no Museu de los Caminos (€ 3; Plaza de Eduardo de Castro, s/n, Astorga).
Para o trecho seguinte, apenas uma frase: descer é pior do que subir. De Manjarián, a 1.500 metros de altitude, baixe até Molinaseca, a 610 metros, para passar a noite. Nossa Senhora dos Joelhos, protegei. Dica: pare para comer em Acebo, pois dali ainda faltarão nove quilômetros até sua cama.
Sair de Molinaseca antes do amanhecer é condição para aproveitar o belo dia seguinte, que começa em Ponferrada, a 5,3 quilômetros. Separe ao menos uma hora para visitar o grandioso e preservado Castelo Templário do século 12 (€ 6), com ótima exposição de livros medievais. Um pouco obscura, a Basílica de la Encina pode ser um bom lugar para comprar uma nova credencial do peregrino (¤ 1,50), como fiz. Se tivesse tempo, ficaria um dia a mais, sem pestanejar.
A pernada até Villafranca revela vinhedos extensos, que dão as boas-vindas à região de El Bierzo. A qualidade do vinho no menu peregrino dá um salto extraordinário. Villafranca del Bierzo é linda, um grande vilarejo, uma cidade pequenina. A sensação de ter chegado tarde demais pode frustrar. Aproveite o que sobrar de energia para visitar a Igreja de Santiago e o Palácio dos Marqueses.
Famosa, porém com algum exagero, a subida até O Cebreiro é bem factível. Fez diferença ter despachado a mochila, o que se revelou uma ótima decisão. Saia antes do amanhecer, com itens para um bom piquenique, e caminhe devagar. A subida propriamente dita leva cerca de 3 horas em ritmo lento. Qualquer caminhada preparatória no Brasil certamente o colocará diante de desafios mais duros. Chegamos à reta final.
Nosso Caminho De O Cebreiro a Santiago de Compostela Quilômetros finais
Sarria é o ponto de partida de caminhantes que optam por percorrer apenas os 100 km finais
São outros os ares lá em cima d’O Cebreiro. Não só por estar a 1.200 metros acima do nível do mar. A entrada na Galícia tem algo de intrinsecamente afetivo, de maternal – talvez a lusofonia, o chiado de além-mar. E a chegada ao icônico povoado de 50 habitantes marca o fim de uma das mais difíceis etapas do Caminho de Santiago, mas também celebra um recomeço.
O peregrino brasileiro se sente renascendo e o som do galego parece harmonizar com a sensação de ter superado a última grande encrenca – ao menos no mapa. A vilinha miúda parece cenário de filme, com pallozas (casas circulares de sapé) salpicadas entre rústicas casas de pedra. Só há quatro tipos de estabelecimento: restaurantes, albergues, lojinhas e igreja – a de Santa Maria Real, do século 12, digna de uma película de época.
No dia seguinte, não se engane com a altimetria, já que o trecho entre O Cebreiro e Triacastela aparenta ser suave. As vistas do Alto San Roque (1.270m), com a icônica estátua do peregrino, e do Alto do Poio (1.335m) são inspiradoras e o dia passa voando. Cuidado mesmo é com os joelhos, portanto, vá despacito – devagarzinho, na fala dos espanhóis.
Na saída de Triacastela, o Caminho faz uma bifurcação. Ambas as rotas rumam a Sarria, uma via San Xil e outra por Samos. Seguimos à esquerda por nove quilômetros até Samos, lar do monastério homônimo. Se quiser pernoitar, a experiência é válida, mas meu companheiro de viagem Filipe Araújo não gostou do albergue e do tratamento recebido. Eu fiz apenas um tour guiado (€ 3), com direito a visita ao claustro, à Capela Ciprés San Salvador e lindos murais. Na Casa Manxarín (Rúa Fontao, 14), procure pelos saborosos biscoitos de Samos, cuja receita saiu do monastério há 250 anos.
Novo perfil. Sarria é emblemática por ser o ponto de onde partiram 52% dos peregrinos que receberam a compostelana em 2014. Está a pouco mais de 100 quilômetros de Santiago, distância considerada mínima para ganhar o certificado de peregrinação completa. Não sei se foi a hora ou o dia em que cheguei, mas achei a cidade meio parada, apesar de suas lojinhas com artigos para peregrinos de última hora.
Só para contrariar as expectativas, o dia seguinte não estava tão apinhado de novos peregrinos. Quem começa o Caminho Francês nos quilômetros finais até é brindado com belos cenários, como os plácidos bosques entre Sarria e Portomarín. Só não terá tempo de sentir profundamente o espírito peregrino. Ficará mais com a parte das inevitáveis dores iniciais da caminhada.
O trecho de Portomarín a Palas de Rei começa com uma subida chatinha e vai se arrastando, meio besta, pelas margens da rodovia. Neste ponto, ficou nítido o aumento de caminhantes, formando uma imensa fila em vários momentos. Para os peregrinos antigos, um desconforto – alguns falaram em “falta de autenticidade dos ‘turigrinos’”. Mas cada um faz seu caminho.
Esperava-nos um trecho longo de 28,8 quilômetros até Arzúa, o dia todo debaixo de chuva – o mais desagradável da caminhada. Único alento, o almoço na Pulperia Ezequiel, em Melide, é obrigatório – porção de polvo à galega a € 7. De Arzúa até Pedrouzo, bosques e campos bonitos, com poucos aclives. Sair um pouco mais tarde, por volta as 10 horas, ajuda a evitar as muvucas no trajeto.
Falta pouco. Melancólico e esquisito, o último dia é leve em termos de esforço físico. Entretanto, o lado mental trabalha muito. Seja para fazer uma compilação dos momentos mais importantes, seja para tentar entender o que aquilo representou em sua vida. Cada marco indicando que a Catedral de Santiago se aproxima também faz perceber que aquele envolvimento, aquela rotina de acordar e apenas caminhar e caçar flechas amarelas, tudo isso está se dissolvendo.
Depois da sonhada chegada à Catedral, perca-se pelas ruas cheias de história e de sentidos na cidade que é o símbolo da jornada e, quem sabe, o início de uma outra
Inúmeras são as reações dos peregrinos ao chegar a Santiago. Há quem grite, chore, se abrace diante da Catedral. Em plena Praça do Obradoiro percebe-se êxtase, alegria, alívio, superação. Mas também um tanto de incompreensão e inconformismo: é duro aceitar o fim de uma jornada tão transformadora.
Afinal, foram semanas caminhando por cidades e vilarejos miúdos para, de repente, estar imerso em um mar de informação, pessoas, carros e sons. Santiago abriga os supostos restos mortais do apóstolo Tiago após sua morte na Palestina – mas, para além disso, tem vida própria. Com 100 mil habitantes, politizada, universitária, jovem e histórica, a capital da Galícia pulsa. É mais que o fim do Caminho. Alguns, inclinados à espiritualidade, afirmam ser o começo.
Faça o tour pelo teto da Catedral de Santiago de Compostela (€ 10) na segunda visita à igreja. À direita do altar há uma escadinha que leva à imagem de Santiago, do século 13. Por tradição, fiéis abraçam a imagem, sendo ou não peregrinos.
Na entrada oeste, o Pórtico de la Gloria tem cerca de 200 esculturas romanescas, produzidas por Mestre Mateo no século 12, que suscitam interpretações diversas. Um tour guiado é uma boa maneira de escutar muitas versões. A Associação Profissional de Guias Turísticos (guiasdegalicia.org) costuma cobrar € 12 por 1h30 de explicações. Muitos deles falam um divertido galego que beira o português.
A imersão no centro de Santiago se completa com a visita ao Museu da Catedral (€ 6), com relíquias como o grande coro gótico do século 16 e uma coleção significativa de arte sacra, mais restos mortais de alguns reis medievais de León.
O que ver. Da Praça do Obradoiro, embrenhe-se pelas ruas, que ganham contornos específicos quando chove – aliás, é mais provável descobri-las úmidas do que ensolaradas, já que a Galícia é das regiões mais chuvosas da Espanha e Santiago, uma cidade conhecida pelo clima cinza. Com boa luz ao entardecer, a melhor vista e a foto clássica estão no Parque Alameda, próximo à Porta Faxeira.
Diante da Catedral impõe-se o Pazo de Raxoi, delicado edifício do século 18 que abriga a prefeitura. Ao lado direito, o Hostal dos Reis Católicos, erguido no século 16 e hoje transformado em Parador. Oposto ao hotel, a reitoria da Universidade de Santiago.
Por sinal, pode-se atribuir aos estudantes a lufada de vida e ânimo que marca a aura boêmia da cidade. Seu símbolo mais famoso é o chamado Circuito Paris-Dakar: tome o hábito espanhol de beber um copo e provar uma tapa em cada bar e aventure-se a concluir a rota que começa em O Paris (Rua dos Bautizados, 11) e sobe a Rua do Franco em direção à Catedral, até o número 13, onde a Cerveceria Dakar espera os sobreviventes.
Em tempo: a rua homenageia os francos, mercadores de origem francesa que se instalaram nos arredores da catedral na Idade Média, e não o ditador Francisco Franco (1892-1975).
No número 3 da Rua do Vilar, peregrinos em fila aguardam para seu último dever como tal, solicitar a compostelana. O certificado de conclusão da peregrinação redigido em latim é lembrança e passaporte para desconto de até 15% na compra de passagem de ônibus para deixar Compostela. Também serve como entrada para café da manhã ou almoço gratuitos no Parador, na Praça do Obradoiro.
A passagem que liga a famosa praça ao Seminário Mayor tem acústica privilegiada e abriga os melhores músicos de rua da cidade. Descubra o quanto a gaita galega compõe uma trilha sonora perfeita para o lugar. Pertinho está o Museu das Peregrinações (mdperegrinacions.com; gratuito), com oito salas que revelam o poder do Caminho de Santiago ao longo dos séculos e ajudam a digerir a complexa experiência de peregrinar.
Para mais história e cultura local, o Museo do Pobo Galego (€ 4; museudopobo.es) transformou o Convento de San Domingo de Bonaval em uma referência da língua, arte e rotinas da Galícia. Mais afastada (pegue o ônibus 9 ao lado do Mercado), a Cidade da Cultura de Galícia é um ambicioso projeto arquitetônico de Peter Eisenman, que abriga a Biblioteca e o Arquivo de Galícia. Com esses dois passeios, Santiago termina de se revelar como ponto culminante que batiza o Caminho e também cidade de contemplação, reflexão e imersão em uma história profunda repleta de sentido. E onde cada peregrino encontrará o seu.
Algumas dicas
Três quilômetros antes da Catedral de Santiago, o Caminho ainda é uma trilha de chão batido em meio a belos bosques. Subitamente, você passará a margear a N-634a, movimentada rodovia que cruza a autoestrada AP-9. Atravesse com cuidado a passarela e as rotatórias. Para não se perder, ande do lado direito e siga conchas e setas amarelas com atenção depois do bairro de San Lázaro
Não é permitido entrar na Catedral com mochilas. Vá antes até o seu albergue ou pague ¤ 2 por um guarda-volumes ao lado da porta de entrada. A missa do peregrino ocorre diariamente, ao meio-dia e às 19h30, sem garantia de que haverá o ritual do botafumeiro, incenso gigante e tradicional. Às sextas-feiras à noite, o uso do botafumeiro é certo
Como em toda a Espanha, os assaltos no Caminho são bastante raros. Porém, nos albergues podem ocorrer furtos em momentos de desatenção. Mantenha sua doleira próxima até na hora do banho. Grupos se formam com facilidade e é comum um cuidar do outro – mulheres podem andar sozinhas sem problemas
Finisterra Despedida silenciosa no ponto onde termina o Velho Mundo
Achar que tudo terminou em Santiago é um engano comum. Assim como equivocados estavam os nativos da região que batizaram de Finisterra – fim do mundo – o cabo que é o ponto mais ocidental da Europa. Fica ali o marco do quilômetro zero do Caminho de Santiago. E, de fato, com aquele marzão diante de si, o peregrino tem a sensação de que chegou.
Calma, ninguém aqui está dizendo que se não chegar caminhando até Finisterra você não será um legítimo peregrino. Afinal, são cerca de 90 quilômetros desde a Catedral de Santiago. Quem se anima demora entre três e quatro dias para vencer a pé este último trecho. Há setas amarelas até o Farol do Cabo Finisterra, ponto mais que emblemático.
Embora o simbolismo da chegada a Santiago seja poderoso, há uma quebra de expectativa com a entrada na cidade, o anel viário, as rodovias e carros. Já em Finisterra, a maresia no rosto, o corpo no alto do penhasco, os olhos além do horizonte trazem a conclusão silenciosa à altura da introspecção do percurso.
Expediente frequente é pegar um ônibus para ir de Santiago a Finisterra – ou Fisterra, ou ainda Finisterre, variações do mesmo nome em latim, galego e espanhol. Na ponta do Cabo Finisterra, lugar impressionante, onde muitos peregrinos queimam suas roupas e cajados. A Monbus tem quatro frequências diárias, desde € 7,70 (monbus.es).
Outra opção é embarcar numa excursão de um dia para a região conhecida como Costa da Morte, com visitas ao Cabo Finisterrad e a Muxia, outra cidade preciosa para os entusiastas jacobeus – Jacobo era Tiago, em latim. Empresas como a Galicia Incoming (€ 35; galiciaincoming.com) levam turistas e peregrinos, com guias e cobrindo uma área mais extensa do que é possível fazer indo por conta própria.
Os restaurantes na orla do centrinho de Finisterra são um bom jeito de curtir a energia marítima depois de tantos dias entre campos e montanhas. Escolhemos o Mesón Pedra do Rei (+34-649-391-152), com ótimos frutos do mar no menu peregrino a € 10.
A pouca distância está o Albergue de Peregrinos de Fisterra. Durma ali se precisar, mas o grande motivo da parada é obter a finisterrana, concedida aos peregrinos que caminharam até o fim do mundo. Apresente sua credencial carimbada e leve para casa mais um diploma.
Nunca na vida me imaginei colhendo (muito menos afanando) maçãs em meio a um pomar carregado. Nem quebrando nozes com pedras e transformando-as em lanche energético no meio da tarde. Menos ainda enchendo um bolso da mochila com amêndoas e castanhas portuguesas, sem gastar um centavo. Fora a sensação de fartar-se de uvas nos parreirais.
Todas essas vivências gastronômicas ao ar livre foram vividas no outono, mas cada estação tem seus destaques do paladar. Uma coisa que não muda ao longo do trajeto é o menu peregrino. Geralmente na faixa de € 10, inclui entrada, prato principal, sobremesa e uma bebida, água ou vinho. Sem esforço vive-se o Caminho tomando ao menos uma tacinha por dia, seguindo a recomendação dos médicos.
O menu peregrino costuma ter uma salada ou carboidrato e, como prato principal, carne, peixe ou fruto do mar. Para produzir em cadeia, muitos restaurantes apelam às frituras, então prepare-se para muita batata frita e empanados. Renegados nos menus, procure não esquecer dos vegetais ao longo da jornada – seu corpo agradece. As sobremesas, em geral, são ruins – gelatinas ou iogurtes industrializados. Por outro lado, a qualidade do vinho mais básico costuma ser muito acima da média brasileira.
Um dia normal de caminhada se resume a um café da manhã mais ou menos reforçado, de acordo com as opções do vilarejo onde estiver e do horário de partida. Há peregrinos que encontram tempo para almoçar uma comida “de verdade” e os que se bastam com um sanduíche, seja de um bar ou feito à la piquenique, com iguarias compradas na véspera. São poucos os trechos do Caminho em que se passam mais do que cinco quilômetros sem que haja nada à venda para comer. Mas, independentemente do horário, a refeição definitiva é sempre o jantar.
A fama gastronômica da Espanha se aplica a algumas regiões que o Caminho atravessa, mas não é em todo lugar que se come majestosamente. Entretanto, há opções de qualidade em quase todo canto. Os embutidos talvez sejam o grande destaque da Espanha – o presunto cru, o tradicional jamón, é onipresente. O salsichón, o salame espanhol, e o chorizo são outras figurinhas comuns tanto nos sanduíches quanto nas mesas de embutido.
Pela ordem do caminho: no País Basco há um cuidado especial com os ingredientes. Em Navarra a comida segue boa, mas melhora em La Rioja, harmonizando com os vinhos mais espetaculares. Depois, por alguns dias em Castilla e León, a qualidade geral dá uma caída. E torna a melhorar na Galícia. Aliás, como evolui.
Já no Cebreiro, porta de entrada galega para os peregrinos, não deixe de provar o queijo que leva o nome do vilarejo. Geralmente serve-se queixo cebreiro fresquíssimo, produzido ainda pela manhã, mas há também a versão curada. Que me desculpem os conterrâneos de Don Quixote de la Mancha, mas é melhor que o famoso queso manchego.
Não perca também o espetáculo de frutos do mar que a Galícia traz à mesa, a começar pelo seu pulpo à galega ou à feira, tenros pedaços de tentáculo de polvo temperados apenas com sal grosso e pimenta vermelha (porções de € 7 a € 10). Mariscos e mexilhões, como as navajas, vão ficando melhores à medida em que se aproxima de Santiago e de Finisterra.
Cabe ainda ressaltar que ao longo do Caminho existem opções vegetarianas, mas muitas vezes não estão identificadas ou destacadas. Como sempre, cabe ao vegetariano garimpar algo que não conflite seus hábitos, mas é perfeitamente possível fazer uma caminhada com essa dieta. Já para veganos, ou seja, quem não come nada de origem animal, a vida é bem mais difícil. Há relatos em blogs especializados de peregrinos que chegaram até Santiago sob esta restrição. O importante é que ninguém vai passar fome no Caminho. Em hipótese alguma.
Mesón El Llar
Murias de Rechivaldo+34-987-107-215
Amante dos ingredientes frescos e orgânicos, a proprietária Pilar oferece uma série de sanduíches com muitas folhas e vegetais. Um dos únicos restaurantes do Caminho que ofereciam menu peregrino vegetariano (€ 11), com opções como paella de vegetais e risoto de abobrinha. No entanto, o que fez diferença na vida peregrina foi seu poderoso suco verde, com erva-doce, maçã, gengibre, couve. A sensação de bem-estar do corpo após dias sem vitaminas foi imediata.
O Mirador
Portomarín+34-982-545-323
Aproveite para entrar na Galícia também pelo estômago jogando-se sem dó nos frutos do mar do Restaurante O Mirador (omiradorportomarin.com), com ar aristocrático e preço peregrino. O pulpo a feira (polvo cozido com pimenta) é um clássico galego muito bem preparado (€ 9), mas o bacalhau fresco cozido com legumes (€ 15) estava apenas espetacular.
O Dezaseis
Santiago de Compostela+34-981-564-880
Do número 16 da Calle de San Pedro vem o nome de batismo dessa casa onde sempre há fila na porta. Reserve na véspera porque lota mesmo. Reúne moradores e forasteiros para comer iguarias galegas – croquetes de camarão (€ 8,80), vieiras à galega (€ 4,70) e a tabla de queixos (€ 12), com todo tipo de queijos, inclusive cebreiro: espetacular. Tudo regado à cerveja Estrella Galicia.
Pulpería Ezequiel
Melide+34-981-505-291
Ao longo do Caminho, foram raros os restaurantes cuja fama se espalhou pelos peregrinos, caso da Pulpería Ezequiel – especialmente numa cidade de passagem, como Melide. Além do famoso (e com toda razão) pulpo a feira (€ 7), serve ótimas navajas, mariscos compridinhos (€ 10), e porções de camarões (€ 10). Garrafas de vinho a € 3,50. O difícil é caminhar depois do almoço…
La Bodega del Húmedo
LeónWebsite
Na badalada Plaza de San Martín, em meio a uma dezena de bares apinhados, o La Bodega del Húmedo se esconde no subterrâneo. Ares de grã-fino e cozinha à altura, propõe salada de cavalinha (€ 12) e o bacalhau à la Bodega (€ 16), preparado com esmero a ponto de desmanchar na boca. A surpreendente torta de queijo caseira fecha a refeição (€ 5).
La Morena
Ledigos+34-626-972-118
Fundamental incluir nesta lista o melhor menu peregrino da viagem (€ 10). Como primeiro prato, as opções eram alcachofra ou sopa de alho. Já os pratos principais poderiam ser lula na chapa, lombo de porco com ovo e batatas ou almôndegas. De sobremesa, fruta da estação, maçã assada ou iogurte.
Mesón Froilán
Burgos+34-947-279-790
Um dos melhores exemplos de bar de tapas da Calle Sombrerería, o Froilán oferece um balcão com pintxos bem preparados. Os tacos de morcilha (€ 3) e os perritos calientes (€ 2), ou seja, mini cachorros-quentes, são saborosíssimos. As melhores batatas bravas da viagem (€ 4).
A Taberna do Bispo
Santiago de Compostela+34-981-586-045
Absolutamente tentadoras, as tapas lindamente dispostas no balcão deste bar de Santiago valem por um jantar. Não apenas as frias, com muitos frutos do mar e peixes, mas as quentes, que descem da cozinha. Preços entre € 2 e € 5 por porção.
Las Vistillas
San Vicente de Sonsierra+34-941-334-533
A vista e os pratos do Restaurante La Vistilla são de tirar o fôlego – um menu com três pratos sai por € 50. Não deixe de provar a tenra bochecha de boi.
Mesón Pedra do Rei
Finisterra+34-649-391-152
Em pleno “fim do mundo”, um lugar em que se pode comer um menu peregrino repleto de delicias galegas por € 10. Só cabe a você escolher se vai provar a paella, o polvo, as navajas, os mexilhões ou alguma carnezinha com batata frita do dia.
Talvez essa seja a grande diferença desta para todas as outras viagens que já tenha feito. Mesmo em corridos mochilões pela Europa, é duro não repetir o hostel ao menos uma vez. No Caminho de Santiago, no entanto, a não repetição é rotina.
No dia a dia peregrino, após a alimentação e o cuidado com a saúde, o sono é, sem dúvida, o fator mais importante. Boas horas de repouso são essenciais não apenas para um bom caminhar no dia seguinte, mas para a forma física ao longo de todo o mês (ou mais) de jornada.
Aceitar é um ótimo primeiro passo: seres humanos roncam. E peregrinos cansados roncam mais ainda. Sabe aquele tio seu, famoso por não deixar ninguém dormir? Ele deve ser fichinha perto dos colegas de dormitório nos albergues – em geral, há de 8 a 20 leitos em cada quarto. Tampões de ouvido e máscaras são essenciais; caso não esteja acostumado, vá treinando ainda em casa.
A diferença geral de albergues municipais para privados está no preço e não no nível de ronco dos companheiros. Aliás, se tiver essa fama, pelo bem-estar alheio, pergunte na recepção, já que alguns albergues oferecem (acredite!) quartos para roncadores. Quanto ao preço, um pernoite em municipal pode variar de € 6 a € 12, e um privado, de € 8 a € 15 para quartos compartilhados. Dica: as camas de baixo são sempre as melhores, quem chegar primeiro e estender o saco de dormir é “o dono” por aquela noite.
Não há regra, mas geralmente os albergues privados contam com uma infraestrutura melhor que a dos públicos. Desde a qualidade e a oferta de água quente nos chuveiros até os equipamentos de cozinha – no albergue municipal de Portomarín nem sequer havia panelas! Nesse caso, a economia não vale a pena. É bom perguntar de que equipamentos a hospedaria dispõe.
É possível encontrar vagas em albergues municipais quase sempre. Entretanto, alguns dias em que chegar mais tarde a um destino ou que tiver paradas previstas, vale a pena reservar albergues privados. Um telefone celular com chip espanhol é bastante útil nestes casos. Outro fator que pode ocorrer é a lotação total das vagas em albergues. Por isso, vale sempre verificar se há festas ou feriados nas cidades porvir.
A maior parte das cidades, inclusive as pequeninas, têm opções de quarto duplo por valores que vão de € 29 a € 50. A sacada aqui não é luxo, mas a certeza de que terá uma noite com mais conforto, privacidade e sono de melhor qualidade – se seu companheiro de quarto não parecer um urso hibernando. Depois de dias dormindo com roncadores, você verá o quanto uma noite sem eles (ou outros deles) será revigorante.
os melhores albergues públicos do nosso caminho
Hospital de Peregrinos
San Nicolás, Puente FiteroDonativos
Noite mais especial da viagem. Instalado numa antiga ermita (igreja isolada mantida por um ermitão) do século 11, é mantido por voluntários da Confraria di San Jacopo de Perugia, na Itálian. Recebe apenas 14 peregrinos por noite, por ordem de chegada. Não tem preço fixo – funciona por doação e os peregrinos podem ser convidados a ajudar no preparo dos pratos. Aparentemente simples, o jantar à luz de velas e com cantoria é apenas mágico. Inesquecível.
Hospital de Peregrinos
Estella+34-948-556-3016
Movimentado, com quatro grandes dormitórios para 16 peregrinos cada, tem bons chuveiros e varais com sol. Mas o destaque é a área comum, o grande quintal com cadeiras e a cozinha ampla e bem equipada com mesa comunitária. Tampões de ouvido são essenciais.
La Colegiata
Roncesvalles12Website
Apesar de ter muita gente nos dormitórios (de 12 a 20 peregrinos), oferece um conforto digno para a noite que segue a primeira caminhada. Capriche na máscara de dormir e no tampão de ouvido, pois o som reverbera intensamente nas madeiras da mobília e do forro.
Albergue Paroquial
Bercianos+34 987 784 008Donativos
De espírito acolhedor e autenticamente peregrino, é tocado por voluntários que caminharam noutros anos. Tem muita concorrência diariamente. Nos quartos de cima, beliches confortáveis. Aos últimos que chegarem, colchonetes no chão, espalhados pela capelinha do albergue. Jantar com direito a “mico” do(s) representante(s) de cada país. Um barato.
Albergue da Xunta
Triacastela6
É possível passar batido pelo discreto albergue no fundo de um gramado na entrada da cidade. As duas casas de vidro têm capacidade para 56 peregrinos (€ 6 por noite) e a grande vantagem é abrigar quatro pessoas por quarto – boas chances de não ter um grande roncador por perto. Boas e baratas máquinas de lavar e secar (€ 2,50 cada) compensam a ausência de cozinha.
Seminário Menor La Asunción
Santiago+34-881-031-76810 +
Imenso, com jeitão de colégio interno e intermináveis corredores, dá ao peregrino que recém-completou sua jornada a chance de ter um pouco de privacidade. Há quartos privados bem simples por € 13, com cama, mesa e pia. Mas valem muito a pena.
os melhores albergues privados do nosso caminho
La Morena
Ledigos10Website
Novíssimo, aberto este ano e com atendentes cheios de fôlego, o albergue tem ares de hotel. É extremamente aconchegante, com sala de estar com lareira. A antiga casa da avó dos proprietários foi completamente reestruturada e os móveis, restaurados. Melhor cama da viagem. O hospitaleiro sorocabano Zé Fagundes é amabilíssimo e há ainda uma fantástica cozinha, que nos serviu o melhor menu peregrino da viagem por € 10. Tomara que continue assim.
Gîte Ultreya
Saint Jean Pied de Port16Website
Boa maneira de começar a caminhada. Tem dormitórios com oito boas camas e banheiro interno. Conta ainda com quartos duplos a partir de € 40 e bom café da manhã, com alguns dos melhores pães da viagem.
Cuatro Cantones
Belorado11Website
Simpático e bem arrumado, oferece cozinha equipada ou restaurante com menu do dia a € 10. No entanto, o melhor está lá fora. Amplo jardim com mesinhas e cadeiras, ótima música ambiente ao ar livre, perfeito para bebericar ao pôr do sol. E como se não bastasse, tem uma pequena piscina aquecida.
Puerta de Nájera
Nájera10 +Website
Arrumado, limpíssimo e com preço justo. Há quartos com seis camas por € 15 e duplo, com banheiro, por € 40. Com uma mesa coletiva tão bonita, só pecou na falta de café da manhã – procure os bares vizinhos.
Albergue Sansol
Sansol12Website
O dia longo e seco desde Estella (28,3 quilômetros) terminou com um bem-vindo banho para os pés na piscininha gelada no meio do jardim. Além de bater um papo com outros peregrinos, a simpática proprietária Arantxa faz bons sanduíches. Infelizmente o menu do peregrino (€ 9) é gorduroso demais.
Palo de Avellano
Zubiri16 +Website
Limpíssimo e bem organizado, o pernoite após a segunda noite de caminhada dá a sensação de que todos os albergues manterão o nível. Infelizmente não será verdade. O menu peregrino (€ 10), com sopa de aspargos e costelinha de porco, estava excelente.
os melhores albergues de brasileiros do nosso caminho
Estrella Guia
Puente la Reina12Facebook
Inexplicável o aconchego de chegar a um refúgio tão reconfortante e sentir-se como na casa de uma prima após um dia duro, com a descida do Monte do Perdão. Eterna peregrina, a gaúcha Natália Ferreira recebe a todos com sorrisos, energia positiva e até um café com bolo recém preparado. Sem contar a vista linda do pôr do sol. Muito afeto envolvido.
Refugio Acacio y Orietta
BurgosDonativosWebsite
Não dormimos aqui, mas jantamos com outros oito viajantes em uma ceia inesquecível, com uma energia peregrina descomunal. Italiana tímida, a carinhosa Orietta preparou uma feijoada adaptada, com direito a farofa, que encantou peregrinos australianos, neozelandeses e alemães. O carioca Acacio ajuda e recebe gente de todos as nacionalidades, mas adora quando brasileiros batem à porta. Um albergue de gente cuja vida foi transformada pelo Caminho e que pretende passar esse sentimento adiante.
Casa Rural San Nicolás
Molinaseca25 +Website
Apesar de não morarem na casa, a paulistana Mara Xavier, o filho Murilo e a nora Erika dão um show de hospitalidade não só para peregrinos. Aberta este ano, a nova hospedaria tem quartos duplos e simples, uma linda cozinha equipada, sala aconchegante e ótimas roupas de cama. Peça para eles prepararem o café da manhã no dia seguinte (€ 3,50). Também lavam (€ 3) e secam as roupas (€ 3).
La Casiña di Marcelo
Lugo10Facebook
Após viver por anos na Itália o gaúcho Marcelo Ramos Einloft pode ter ganhado um sotaque engraçado, mas não perdeu nem o astral peregrino nem a vontade de bem receber. Sua hospedagem funciona na antiga prisão de Palas de Rei. Se ele não mostrar, repare nas grades da cozinha. A ceia, sempre compartilhada, costuma ser uma bela macarronada preparada por ele.
Quartos duplos
Hospedería San Martín Pinário
Santiago42 + Website
Mais conhecido como Seminário Mayor, o lindo e imenso edifício do século 16 diante da imponente Catedral de Santiago custa a crer que é uma hospedaria com quartos duplos a partir € 42. O café da manhã é farto e há uma boa lojinha interna, com souvenirs a preços competitivos. Reserve com dois dias de antecedência.
Monástica Pax
León44 +Website
No mesmo prédio onde funciona o Albergue Benedictinas Carbajalas, a hospedaria com 20 quartos é uma opção boa para um dia de descanso. Um pequeno quarto com banheiro, que outrora serviu de claustro para freiras, dá um conforto justo e gostinho de voltar no tempo no edifício centenário. Por mais € 8, uma farta mesa de café da manhã.
Aqua Rooms
Sarria29Website
Quando começarem a aparecer as opções de albergue em Sarria, fique atento a esta pequena casa de número 62, do lado esquerdo da Rúa Mayor. Os quartos são limpos, o chuveiro é bom e a cama, excelente. Se estiver em dupla, vale muito mais a pena do que qualquer albergue, que custam, em média, € 11. Não tem cozinha nem café da manhã, porém oferece máquinas de lavar e secar.
Evite
Albergue Municipal
Villadangos
Relatos de peregrinos picados por percevejos em suas camas são comuns. Uma amiga teve reação alérgica e enormes inchaços nas mãos, tratando por semanas com antibióticos.
Albergue Municipal
Portomarín
Cozinha desestruturada, apesar de bonita. Não havia uma panela sequer! Os chuveiros, com timer automático, fechavam em menos de 15 segundos.
Casa Carolo
O CebreiroXWebsite
Apesar do quarto aceitável e do bom chuveiro, foi o pior tratamento da viagem.
A concha típica da costa da Galícia foi adotada na idade média como prova de que os peregrinos cumpriram a jornada. Até hoje costuma ser carregada no pescoço ou na mochila.
Pintadas por associações de amigos do Caminho, indicam sempre a direção de Santiago de Compostela. Podem estar em qualquer canto, paredes, chão ou placas de rua.
Uma das lendas mais fortes entre os peregrinos diz que é preciso levar uma pedra de sua terra natal até a Cruz de Ferro, na região de Manjarín. O peregrino deve lançar sua pedra de costas, para simbolizar tudo o que deixou para trás.
É o passaporte oficial do caminhante, a prova de que cumpriu seu percurso. Deve ser carimbado e datado a cada parada, geralmente em albergues, restaurantes e lojas.
Em Santiago, o peregrino deve se dirigir à Oficina del Peregrino (Rua do Vilar, 3), apresentar sua credencial carimbada e ali recebe a compostelana, o certificado de conclusão da peregrinação. Deixe um donativo.
É difícil caminhar 800 quilômetros e escapar ileso de bolhas, porém não impossível. Entre os mandamentos diários: passar uma camada generosa de vaselina em todo o pé, especialmente nos calcanhares e entre os dedos. Usar sempre duas meias de tecido sintético, de preferência com tecnologia Cool Max, que expele o suor.
2. Remediar
Caso apareça a primeira bolha, não se assuste, é como calo em dedo de violonista. E cada um tem uma mandinga própria para cuidar dela. Comigo funcionou furar com agulha esterilizada (há algumas próprias para isso nas farmácias), manter a pele morta e drenar o líquido interno e lavar diariamente com água fluorada e iodo. Em três dias passaram as dores. Para mim e para vários outros peregrinos, o Compeed, adesivo de silicone que protege a região afetada, não foi tão eficiente.
3. Dores musculares
Não é só o paladar ou a visão que encontrarão novidades no percurso. Você também descobrirá músculos “inéditos” no seu corpo. Por exemplo, o pé é todo forrado de musculatura que podem formar nós, como os que costumamos ter nas costas. Sim, existe torcicolo no pé. Tratamento conservador, massagem com creme. Caso a dor se intensifique, tome um relaxante muscular (como Dorflex ou Tandrilax) de sua bolsinha de remédios. Em último caso, ibuprofeno efervescente de 400mg é vendido livremente nas farmácias espanholas e alivia consideravelmente a dor em 40 minutos.
4. Sobe e desce
A fama dos Pireneus e da subida do Cebreiro como os trechos mais desgastantes da jornada é justificada, mas não se deixe intimidar. O segredo é tempo: saia cedo, ande devagar, beba muita água (de 3 a 4 litros diários) e descanse sempre que estiver ofegante demais. Antes de cada dia, consulte a altimetria do trecho, pois 25 quilômetros planos certamente serão bem mais simples do que 15 quilômetros com fortes desníveis.
5. Usar o cajado
Não é para fazer estilo nem para tirar onda de peregrino. Use o cajado ou os bastões de caminhada para impulsionar nas subidas e frear nas descidas. Não se iluda: baixar é bem mais penoso do que subir porque obriga os joelhos a suportar todo o peso do corpo mais a carga da mochila. Um bom cajado se adapta a você dia após dia. Voltei apaixonado pelo meu.
6. Clima
Considerando que o Caminho de Santiago cruza regiões com climas muito distintos, sol, céu azul e temperatura amena por mais de 30 dias formam uma tríade quase impossível. Tanto no outono quanto na primavera, luvas e gorros sintéticos são muito úteis. Contudo, não importa a época do ano: casaco e poncho impermeáveis são fundamentais. Ambos exercem também a função de corta-vento, muito útil contra as rajadas de até 70 km/h que enfrentamos na região das Mesetas, especialmente entre Castrojeriz e Puente Fitero.
7. Imunidade baixa
A intensidade da vivência e as delícias da culinária espanhola podem distrair o peregrino. É fácil encantar-se pelos queijos e embutidos típicos como jamón e passar alguns dias sem comer frutas ou saladas. A ausência de alimentos frescos vai debilitando o organismo aos poucos. Em último caso, apele para um multivitamínico de farmácia.
8. Sono
Quem imaginaria ter dificuldades para dormir depois de caminhar por 8 ou 10 horas? Acredite, muita gente sofre demais para conquistar uma boa noite de repouso em albergue. Entre os colegas de dormitório sempre há ao menos um que ronca de forma que você julgava impossível. Em hipótese alguma se esqueça de levar tampões de ouvido e máscaras para dormir – tem sempre um insensível ou desavisado que esbarra no interruptor às 5 da manhã.
9. Peso
Lidar com cada grama que você carrega passa a ser um exercício diário de negociação. Avaliar a cada dia a utilidade dos objetos é um bom passo para ir desapegando e deixando para trás. Travesseiro inflável, livro lido, pomada inútil até o décimo dia, par de meias desconfortável, são exemplos do que larguei durante a jornada.
10. Ânimo!
A única certeza de cada manhã é: você vai andar. E, muitas vezes, esse panorama não é muito animador quando se olha pela janela e ainda está escuro e frio. Ou ainda, chovendo. Pior, chovendo e ventando. Acima de tudo, ultreya, coragem, ânimo!
Em pés e rostos, retratos de fé O Caminho de Santiago é feito de narrativas: de quem foi, de quem ficou, de quem se encontrou por ali. E dão um quê especial ao trajeto
Pablito
Aos 83 anos, produz cajados de madeira de avelã para distribuir aos peregrinos que passam por Azqueta
Ao chegar à pequena Azqueta, é só perguntar por ele. Na primeira ruazinha do lado direito, na casa com cortina colorida na porta, vive Pablito, apelido carinhoso de Pablo Sanz. Há mais de três décadas, ele percebeu que os peregrinos que passavam por ali levavam cajados menores do que deveriam. “Tinha que ensiná-los a usar”, conta. “Resolvi também presentear alguns peregrinos. A fama foi se espalhando e até hoje eu lapido madeiras de avelã.”
Bom de prosa, gosta de saber da caminhada de cada um, mas não se cansa de contar seus causos. “Chega gente aqui que não tem a menor ideia do que é peregrinar. Não é a coisa mais fácil explicar esse espírito”, acredita. De suas mãos, ganhamos vieiras da Galícia – cajados já tínhamos e estávamos bem acostumados. Quando já íamos embora, pediu nossas credenciais, que carimbou e selou com um sorriso.
Acacio
Carioca, há 17 anos no Caminho, ainda adora andar e receber peregrinos, ao lado de sua mulher Orietta
A voz suave e a atenção paternal contrastam com o jeitão sério e eficiente deste carioca que há 17 anos escolheu a Espanha como lar. Aos 57 anos, Acacio da Paz é um dos mais nítidos exemplos de transformação do Caminho de Santiago. Encontrou a italiana Orietta Prendin, de 47 anos, e largou uma bem-sucedida carreira de economista no Rio de Janeiro para se dedicar a receber.
Acredita que deve ao Caminho muito do que conquistou espiritualmente. Passou anos se dedicando a cuidar de albergues públicos e privados do percurso, até encontrar um cantinho para chamar de seu, na miúda Villoria de Rioja. “Não tinha planos de ficar aqui e, veja só, ainda estou fazendo meu caminho no Caminho”, diz. Suas ações não se limitam a quem passa por ali – mantém um serviço de ajuda gratuita para peregrinos por meio de Whatsapp (veja no site ).
Osmar e Naamisis
Pai e filha caminharam juntos ao longo de 32 dias – em muitos deles, ele ia na frente
Às vésperas de completar 70 anos, o advogado paulista Osmar Campos caminhava quase sempre à frente de um grupo de peregrinos cuja faixa etária estava na casa dos 30 anos – entre eles, sua fila Naamisis, de 33. Bem humorado e irreverente, Osmar nunca reclamava, embora seus pés sofressem com bolhas. Ainda assim, ele conta que os 800 quilômetros do Caminho Francês foram de muita meditação. Havia a perda do filho Osmar, de 34 anos, no ano passado, e a aguda diminuição da visão por conta de uma degeneração macular. “A gente orou bastante, refletiu bastante sobre o significado da vida e isso faz sempre bem. Pra mim foi uma experiência inolvidável”, avalia ele, que celebrou sete décadas no dia da chegada a Santiago. “Os 70 anos ainda não me abateram. Talvez vão me abater quando perceber que não sou mais aquele adolescente que às vezes me sinto.”
Tomás de Manjarín
Hospitaleiro e cavaleiro templário, vive isolado e de forma frugal no meio de uma montanha
Quando se meteu no Caminho pela primeira vez, Tomás Martinez de Paz tinha 23 anos. “Era um caminho diferente, havia peregrinos. Agora, tem caminhantes e apenas alguns peregrinos”, compara. Sem revelar a idade atual, desde 1993 mantém uma rústica (e bota rústica nisso) choupana a 1.500 metros de altitude, em Manjarín. Como por lá só vive ele, seus dois cachorros, gatos e, vez ou outra, algum voluntário, ganhou a alcunha de Tomás de Manjarín.
Oferece café, comida e abrigo em troca de donativos, mas além do estilo ermitão, o que o diferencia de outros hospitaleiros é a crença e o status. Tomás é um dos últimos templários da ordem de Ponferrada e se veste como tal. “Nós esperamos a volta do mestre divino, Cristo”, diz. A conversa com o senhor de ar distraído é ótima e sua visão de mundo, atual. Todos os dias, às 11 horas, conduz uma oração com quem ali estiver.
Enquanto dói o pé, a perna e alma é difícil ter essa noção. Mas agradecer é o mínimo. Compreender a interdependência das pessoas, das coisas, das atitudes. Hoje, mais de 45 dias depois de voltar da Espanha, me surpreendo enquanto ainda tento entender o que se passou. Relutante em cogitar esta possibilidade antes da partida, hoje brado para mim mesmo: o Caminho de Santiago é transformador.
Como disse o predestinado peregrino argentino Santiago de la Torre, que encontramos na trajetória, o Caminho é uma espécie de espelho no qual você se olha por mais de 30 dias. Ninguém passa incólume diante de sua própria realidade pendurada numa vitrine. Comigo não foi diferente.
Estar no Caminho como jornalista é uma destas experiências ambíguas. Antes da partida, meu querido amigo e jornalista Fábio Vendrame me levantou qual seria o grande desafio. “De que maneira tornar pública e interessante uma experiência tão pessoal de autotransformação?”. Forte e poderosa questão permeou muitas retas e subidas, momentos nos quais a mente pulsava mais.
Subir, descer, calcular etapas, comprar comida, cuidar das bolhas. Zelar por si e outros ao seu redor. Coisas simples, que ganham verdadeira importância quando nada mais importa. Despir-se da tonelada de estímulos que diariamente nos cercam. Isso é duro. Fazer uma cobertura online, pensando em narrar diariamente o que se passa, vai contra a essência do Caminho, que pede introspecção e não conectividade.
Entretanto, pelas redes vieram muitas palavras de apoio e dicas úteis. Toda a equipe do Viagem Estadão que em São Paulo ficou me completava. Faltou tempo para meditar, acredite. A rotina do caminhar, fotografar, anotar, registrar talvez tenha impedido incluir em meu Moleskine mais ideias e percepções, sobre o que eu vivia e pensava, as quais adoraria reler e repensar novamente.
Por outro lado, nada paga as conversas que ganhei, as pessoas que encontrei. As lindas noites e amanheceres, gargalhadas, sob a luz do sol ou de um abajur. Os sorrisos trocados, os abraços que entreguei e os que me entregaram, tão generosos. Gente importante e graúda em seu mundinho, mas que ali era apenas mais um. Só que muito feliz por isso. A troca entre os peregrinos e a riqueza da igualdade de status mostram que há relações possíveis numa frequência muito mais humana e altruísta.
Desnecessário mencionar o intercambio cultural. Começar o dia a caminhar com um russo, papear com uma japonesa que fala italiano, brasileiros, franceses, australianos, catalães e terminar com uma canadense entusiasmada. Diálogo é moeda de troca no Caminho de Santiago. E na sua realidade?
O retorno à rotina, o não caminhar diário, isso impacta muito. A fascite, inflamação na fáscia, um tendão na sola do pé, é meu legado imediato negativo. Positivamente, o quase fim do vício de roer unhas e cutículas. Esta manhã andei a pé pela cidade, senti dores nas solas e estranhas, porém óbvias, saudades do Caminho.
Se faria novamente? Sim. Mas o percurso é o mesmo, não é? Sim, mas eu não sou. E não serei quando o percorrer de novo. Pois é, talvez não se trate mais uma possibilidade, mas de uma certeza remota. Sem cobrança, sem hora para acontecer. Apenas um destino a caminhar. Na mais pura essência do peregrino que me tornei. E que, andando ou não o Caminho de novo, sempre serei.