Desafios do clima

Desafios do Clima

Às vésperas da COP
Um vilão histórico
Mais quente e seco
Sol, vento e o futuro

Giovana Girardi / texto
Tiago Queiroz / fotos

Chefes de governo e de Estado, ministros e diplomatas de 195 países do mundo se reúnem a partir deste domingo, 29, em Paris, para tentar fechar um acordo global que busque evitar uma mudança catastrófica no clima do planeta.

Grosso modo, essa é a expectativa que se tem da 21ª Conferência do Clima da ONU – que garanta, em um documento, um futuro climático seguro para todos que estiverem por aqui nas próximas décadas e séculos.

Na prática, porém, o resultado da conferência deverá ser mais um ponto de partida que um ponto final. A questão complexa se desenrola em metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, em transferência de tecnologia, em financiamento. E em resolver velhos atritos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Porque a crise das mudanças climáticas pode ser global, mas as soluções, assim como as consequências da inação, são em sua maioria locais.

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Desafios

De Mato Grosso ao Nordeste

Neste especial multimídia trazemos um olhar sobre como o Brasil se insere neste contexto: sua contribuição histórica para ajudar a causar o problema, os impactos que já vem sentindo e os desafios que tem pela frente para retomar o crescimento econômico a partir de um novo modelo de desenvolvimento que não jogue mais carbono na atmosfera.

Em quatro reportagens, apuradas em cinco cidades de Mato Grosso, em duas de Pernambuco e uma da Bahia, fazemos uma leitura sobre o passado, o presente e o futuro da questão climática no Brasil. Do desmatamento, que historicamente foi – e ainda é, mas em proporção bem menor – o maior contribuinte das emissões de gases de efeito estufa do País, aos projetos de reflorestamento. Dos impactos já sentidos no clima aos desafios energéticos, cujo setor pode, nas próximas décadas, assumir a liderança das emissões brasileiras.

Os temas abordados se relacionam com as metas apresentadas pelo Brasil em sua INDC (sigla em inglês para o conjunto de intenções que os governos apresentaram como contribuição à Conferência de Paris). O País se propôs a reduzir suas emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, com base nos valores de 2005. Para conseguir isso, entre outras ações, o governo promete zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, reflorestar 12 milhões de hectares e aumentar a participação de fontes renováveis (excluídas a hidráulica) na matriz elétrica para 23%.

Contribuição histórica. As reportagens mostram que na ponta onde as questões têm de ser resolvidas, os desafios não são poucos. Na Amazônia, por exemplo, apesar de ter ocorrido uma redução de 82% no desmatamento entre 2004 e 2014, a taxa da perda florestal se estabilizou em cerca de 5.000 km² por ano (3,3 vezes o tamanho da cidade de São Paulo). A taxa mais recente, de agosto de 2014 a julho de 2015, apresentou uma alta de 16% em relação ao ano anterior, chegando a 5.831 km². O número é considerado incômodo para o Brasil apresentar na COP, uma vez que ele representa mais emissões. O governo federal trabalha com uma estimativa de que pelo menos 60% disso é ilegal, mas só Mato Grosso considera que a ilegalidade é de cerca de 90%.

O Estado liderou neste ano o desmatamento na Amazônia e tanto o governo local, quanto Ibama e ONGs que atuam no Estado relatam dificuldades para baixar essa taxa.

A saída para resolver as emissões do desmatamento legal que vai poder continuar existindo (o Código Florestal assegura a supressão vegetal de 20% do terreno de propriedades privadas na Amazônia), na proposta do governo, é fazer o reflorestamento de 12 milhões de hectares. Altos custos e resistência de proprietários, como observado em Mato Grosso, também devem dificultar o alcance dessa meta – que muitos especialistas em uso da terra ainda dizem ser aquém do necessário.

De 1990 a 2014, período para o qual há cálculos das emissões brasileiras, o País lançou na atmosfera 59,6 gigatoneladas (Gt) de CO₂-equivalente. O desmatamento da Amazônia respondeu sozinho por 41% deste total (20,4 Gt CO₂e).

Se a meta de zerar o desmatamento for alcançada e outras ações para diminuir as emissões da pecuária forem tomadas, a preocupação se volta para a energia. A expectativa dos especialistas é que para 2030 o setor passe a responder por 50% das emissões anuais do País. Em 2014, já foi responsável por 30,7%, pela primeira vez superando a pecuária no posto de segundo maior emissor, e colando no desmatamento, que mantém a liderança, com 31,2% das emissões. Os dados são do mais recente levantamento do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg).

Contribuição futura. Historicamente celebrado por ser um dos países com a matriz elétrica mais limpa, por conta da forte presença de hidrelétricas, que não poluem (em oposição a térmicas movidas com combustíveis fósseis, comuns na maioria do mundo), o Brasil não vinha se preocupando muito com as emissões de energia. Não quando o problema gritante era o desmatamento.

Mas nos últimos quatro anos, o cenário começou a mudar. Sucessivas crises hídricas têm levado a um maior acionamento de termoelétricas no Brasil. Aqui não usamos carvão, o pior dos fósseis, como é comum na China, mas óleo combustível e gás natural ainda assim são poluentes. Com isso a emissão no Brasil do setor aumentou 171% de 2011 a 2014.

Com o crescimento populacional nos próximos e uma eventual retomada do crescimento econômico, vai aumentar a demanda por energia, não só a elétrica, como a de combustíveis para transporte. Para não ter um aumento de suas emissões totais, o País precisa aumentar a oferta de fontes renováveis.

Especialistas alertam, que, apesar da meta de aumento da participação das renováveis (dos 9,9% atuais para 23% até 2030), o Brasil ainda tem previsão de concentrar a maior parte dos seus investimentos energéticos em combustíveis fósseis. O Plano Decenal de Energia prevê 71% dos investimentos em combustíveis fósseis e apenas 14% para novas fontes renováveis.

No Nordeste, por exemplo, observamos a expansão das usinas eólicas, mas o setor de energia solar ainda patina. Porque falta uma política orientada para facilitar sua ampliação.

Em comum a todas as histórias -- de Micolinos, Neuris, Edivaldos, Cíceros, do Norte e do Sul do País -- está o fato de que para o Brasil fazer sua parte na luta contra as mudanças climáticas, vai ter de mudar também seu modelo de desenvolvimento. E ainda tem muitos obstáculos a superar.

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