Tão importante e onipresente é a mandioca na cozinha brasileira – com variados produtos e receitas – que o Paladar resolveu esmiuçar seu universo. O resultado desse vasto trabalho, que levou três meses de pesquisas, entrevistas e até aulas, é uma radiografia com mais de 40 itens. Brava ou mansa, fermentada ou não, para fazer farinha, tucupi ou polvilho, a brasileiríssima raiz oferece muitas possibilidades de processamento e de uso – sem contar as infinitas particularidades guardadas em cada canto do País. De tão popular, a mandioca já ganhou injustamente a fama de vulgar, talvez pela abundância e pelo uso cotidiano que remete aos tempos em que não havia um só português nessas terras.
A rainha do Brasil e seu reinado
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Era 1º de maio de 1500 quando Pero Vaz de Caminha assinou a carta que depois seria entregue ao rei de Portugal e nela contava-lhe, num primeiro registro escrito sobre a mandioca, que “eles”, os índios, “nem comem senão desse inhame, que aqui há muito”. “E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.”
Passados cinco séculos, a nativa mandioca (originária da região central do Brasil, de onde se espalhou com os tupinambás e os guaranis pelas bordas do País) continua sendo parte essencial da alimentação brasileira. É dos tupinambás a lenda da índia Maní, que morre ainda criança e em cujo túmulo cresce um pé da raiz. Assim, nasce o nome manioca (ou casa de Maní), para depois virar mandioca.
Resistente à seca, espalha-se facilmente em solos de baixa fertilidade e é abundante em nosso território, com uma produção (de 24 milhões de toneladas) que é quatro vezes a do estrangeiro trigo. Sua importância já foi tamanha que a Constituição de 1824, a primeira do Brasil, conhecida como Constituição da Mandioca, determinava que só podiam votar para deputado ou senador aqueles que tinham renda medida “por bens de raiz, indústria, comércio”, sendo “raiz” a mandioca.
Ainda assim, no último século ela ficou relegada a produto menor perante o trigo, cuja produção recebeu durante décadas subsídios do governo, ainda que cerca de 80% da farinha de trigo consumida aqui seja importada. Hoje, ainda há muito desconhecimento sobre a mandioca: muita gente não sabe, por exemplo, que vem dela o beiju de tapioca na chapa. Também o pão de queijo poderia, na verdade, ser chamado de pão de mandioca, já que vem dela o polvilho.
Dessa raiz, chamada de “rainha do Brasil” pelo historiador Luís da Câmara Cascudo, originam-se variados produtos, muitos com peculiaridades regionais, entre farinhas, polvilhos, caldos, bebidas fermentadas e destiladas – até a sua folha é aproveitada. Isso sem falar no uso de seu amido na fabricação de colas, tintas e embalagens.
Assunto vasto, ela rende tantos estudos quanto a imensidão de variedades que possui. Segundo o pesquisador Joselito Motta, da Embrapa Mandioca e Fruticultura na Bahia, o banco de germoplasma do órgão registra mais de 2.000 acessos (ou variedades) de mandioca. A maior parte é de mandioca brava, mais abundante no País, que contém substância tóxica e deve ser processada antes de ser consumida. Dessas, apenas cerca de 200 são variedades “mansas” (macaxeira ou aipim), de uso doméstico.
O maior Estado produtor é o Pará, com 6 milhões de toneladas, e o Norte é o maior consumidor per capita de farinha – são cerca de 23 kg por ano ante 9 kg no Nordeste. Em volume total de consumo, porém, a Bahia é a campeã.
O universo da mandioca já foi tema de aula no Paladar Cozinha do Brasil, a Radiografia da Mandioca, em 2008. Dela participaram a chef Mara Salles e a colunista do Paladar Neide Rigo, que em julho deste ano também deram aula, ao lado do sociólogo Carlos Alberto Dória, no curso sobre a raiz promovido pela chef Ana Luiza Trajano no Instituto Brasil a Gosto e do qual Paladar também participou. A nova edição do curso será em fevereiro de 2017.
Glossário
- Ácido cianídrico
- Ácido tóxico originado a partir dos glicosídeos cianogênicos presentes na mandioca, não deve ser consumido pelo homem por ser altamente venenoso. É volátil, e por isso a mandioca brava deve ser triturada e exposta ao vento antes de ser consumida; o cozimento dela antes disso potencializa o ácido tóxico.
- Crueira
- São as fibras e os pedaços mais duros e irregulares da mandioca ralada que ficam na peneira (ou urupema) depois que a massa é peneirada para ir para o tacho e virar farinha. Em geral, são descartados e podem virar adubo ou ração animal, mas também são feitas receitas com a crueira.
- Glicosídeos cianogênicos
- Compostos químicos considerados substâncias de defesa de alguns vegetais, estão presentes tanto na mandioca brava quanto na mansa nas seguintes proporções: linamarina (93%) e lotraustalina (7%). São eles que geram (por hidrólise) o venenoso ácido cianídrico. A mandioca brava tem mais de 100 ppm (parte por milhão) de glicosídeos; abaixo disso, é mansa.
- Moquém
- Equipamento criado pelos índios com uma espécie de tripé de madeira que segura a comida longe do chão, onde se acende brasa. O moquém não serve para cozinhar, mas para desidratar e conservar carnes e peixes pela fumaça e pelo calor moderado. Na hora de servir, o cozimento do peixe deve ser finalizado.
- Paneiro
- Uma espécie de cesto feito para guardar e preservar a farinha d’água longe da umidade, é tradicional de Bragança (PA). Primeiro é feito um cesto de palha seca de arumã (guarimã), depois por dentro vão as folhas frescas e a farinha, tampada por fim com folhas frescas amarradas. As folhas secam em alguns dias, mas não contaminam o sabor da farinha.
- Pubagem
- Fermentação da mandioca pelo contato com a água, tradicional no Norte por conta da abundância da água nas cidades ribeirinhas. A pubagem, quando a raiz fica em contato com a água por cerca de cinco dias (em tanques ou à beira de rios), faz aumentar os teores de vitamina do complexo B da mandioca.
- Tipiti
- Cano comprido de palha vegetal trançada, foi criada por índios para espremer a massa da mandioca ralada e tirar toda a sua água. Uma tração é feita pendurando a alça superior do tipiti num tronco e puxando sua alça inferior o máximo possível, para que ele estique, espremendo a mandioca.
- Tartrazina
- Corante tóxico usado por vendedores de tucupi para incrementar a cor amarela do caldo, principalmente quando ele é feito de mandioca mansa e fica mais esbranquiçado que o tucupi de mandioca brava. Não é difícil identificar a tartrazina porque ela deixa o tucupi com cor homogênea, enquanto o verdadeiro caldo tem gradações de amarelo e fundo sedimentado. A tartrazina também é usada para manipular a cor da farinha de mandioca.
- Urupema
- Peneira feita por índios com fibras vegetais, em geral tem formato quadrado. Por ela é passada a massa de mandioca fermentada que foi ralada e prensada, para os flocos ainda úmidos ficarem soltos e poderem ir para o tacho virar farinha.
Onde comprar
- Farinha de tapioca flocada
- R$ 30 o kg no Empório Poitara
- R$ 22,50 meio quilo na Combu
- Farinha de tapioca granulada
- R$ 6 o kg no Brás-Zão
- Farinha de Bragança (PA)
- R$ 25 o kg no Empório Poitara
- R$ 19 o pacote de 600g na Combu
- Farinha de Cruzeiro do Sul (AC)
- R$ 30 o kg no Empório Poitara
- Farinha de Uarini (AM)
- R$ 32 o kg no Empório Poitara
- Farinha de copioba (BA)
- R$ 4,50 o kg no M.Barbosa
- R$ 6 o kg no Brás-Zão
- Goma úmida
- R$ 15 o kg na Combu
- Massa puba
- R$ 7,80 o kg no M.Barbosa
- R$ 8 o kg no Brás-Zão
- Massa úmida não pubada
- R$ 7,80 o kg no M.Barbosa
- Tucupi
- R$ 26 a garrafa de 1 litro na Combu
- R$ 28 a garrafa de 1 litro no Empório Poitara
- Tucupi preto
- R$ 80 o pote de 220g na Combu
- R$ 67 o pote de 130g no Empório Poitara
- Molho de tucupi
- R$ 10 o frasco de 150ml na Combu
- R$ 35 o frasco de 150 ml no Empório Poitara
- Tiquira
- R$ 82 a garrafa de 500 ml da marca Guaaja no Amburana