Um arduíno para a escola

Para ensinar lógica de programação no ensino médio, professor cearense projetou o Marminimo, arduíno de baixo custo e fácil montagem

Malú Damázio

Construir uma peça simples, com custo baixo, dentro da escola. O desafio surgiu quando o professor de programação Daniel Chagas quis demonstrar aos alunos como sequências de códigos e combinações numéricas podem ganhar vida. Mestre em Informática Aplicada, o educador de 37 anos encomendou a compra de 40 arduínos para a Escola Estadual de Educação Profissional José de Barcelos, em Fortaleza, onde leciona. As pequenas placas eletrônicas levaram um ano para ser entregues. Mesmo assim, eram apenas dez unidades. Chagas não desistiu. “Eu já estava trabalhando com arduíno no mestrado. Levei alguns para a sala de aula e foi um encantamento.”

Daniel Chagas projetou o Marminino para ensinar programação e robótica na rede pública Crédito: Arquivo Pessoal

Ele dividiu as peças entre grupos de alunos e, juntos, montaram um protótipo de casa inteligente. Luzes, cortinas e sistema de refrigeração eram acionados através das placas, sem o toque humano. Se o termômetro marcasse 27 graus, o ar-condicionado era ligado automaticamente. O encadeamento de ideias para projetar um sistema que controle a iluminação de uma sala é o mesmo utilizado para entender algoritmos em programação, diz o professor. “Você ensina uma máquina a se comportar da maneira que você quer”, afirma. Como resultado, ganhou uma turma mais empolgada e com desempenho melhor.

O envolvimento da turma rendeu ideias para dezenas de outras criações, mas todas as placas eletrônicas já tinham sido usadas. Licitar a compra de outras poderia levar mais um ano e não existia nenhuma garantia de que, desta vez, cada aluno receberia seu arduíno. O professor, que lidava com a tecnologia diariamente na Universidade de Fortaleza (Unifor), decidiu criar ele mesmo um arduíno para usar nas aulas. “Tive de olhar o que havia na sala de informática: computadores velhos, resistores, capacitores. Queria criar algo fácil para um iniciante poder replicar em casa.”

Depois de alguns testes e protótipos, no ano passado “nasceu” o Marminino. Componentes mais caros foram substituídos por outros mais simples, disponíveis em qualquer loja de eletrônicos. No lugar da bateria de lítio, pilhas alcalinas. O processador, de R$ 11, é a peça de valor mais alto. Ao fim, a placa custa apenas R$ 20, cinco vezes menos do que um arduíno convencional.

Experiências

A iniciativa mudou completamente a forma de ensinar informática no colégio de Fortaleza. “Muitas vezes o estudante precisa de um estímulo, e o que fez brilhar os olhos dos meus alunos foi o Marminino”, diz o professor. Com a placa, os adolescentes da rede pública criaram experimentos como um robô controlado por bluetooth capaz de seguir linhas riscadas no chão e um sistema de irrigação automática para a horta da escola. Também programaram um mapa eletrônico que permite a agricultores monitorarem suas plantações e construíram um sistema de troca de mensagens sem antena - projeto premiado na Feira de Ciência e Cultura da Secretaria de Educação do Ceará. É uma solução de baixo custo para moradores de locais onde não há sinal de celular e internet. Mesmo sem telefone, é possível chamar os bombeiros em caso de incêndio por meio do dispositivo construído com o arduíno de Chagas.

O Marminino não está à venda. É um projeto de código aberto que já está sendo utilizado em outras escolas do País. Qualquer pessoa que queira construir uma placa encontra na internet o tutorial feito pelo professor. “Essa é a lógica do open hardware open hardware: você baixa as instruções para criar o seu e monta a preço de custo.”

No Ceará, a peça faz parte das aulas de programação e robótica nas cidades de Quixadá, Itapipoca e Maracanaú. “Muitas pessoas do Rio e de Goiás me mandam vídeos e fotografias nas redes sociais mostrando as placas que construíram a partir do meu tutorial. É muito gratificante.”

Para ele, a inserção da cultura maker na educação ainda “avança a passos curtos” porque muitos professores resistem em abandonar o giz e a lousa. O principal entrave é entender que a tecnologia faz parte do dia a dia dos alunos e pode ser usada para estudar o conteúdo de uma forma mais interessante. “Não dá para continuar só com aulas expositivas num mundo em que todo estudante tem um smartphone com internet.”

Na escola José de Barcelos, o aprendizado de robótica e a construção de equipamentos ajudaram a reduzir a evasão no ensino médio e ainda melhoraram o desempenho dos estudantes. Nas aulas de Chagas não há prova. Os alunos trabalham em equipe para desenvolver projetos que eles mesmos elaboram. “Nada de decoreba. Procuro atender aos anseios da garotada e fazer com que eles resolvam seus próprios problemas.”