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Aos poucos, cultura maker chega às escolas

Aulas colaborativas deixam alunos mais interessados e estimulam criatividade

Karina Menezes e Marcel Hartmann

Com passos pequenos, mas promissores, a cultura maker está chegando às escolas brasileiras. Por enquanto, as iniciativas são feitas em colégios privados de alto padrão ou lideradas por professores de instituições públicas interessados pelo assunto. De uma forma ou de outra, quem se beneficia com a novidade é o aluno, que trabalha a criatividade e fica mais motivado com o conteúdo das aulas.

Especialistas em educação defendem que o ensino maker pode formar cidadãos aptos a pensar fora da caixa. “O modelo atual é muito centrado na teoria e menos na imersão do sujeito na prática”, diz o professor de Psicologia Luciano Meira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista na relação entre cultura maker e aprendizado. As secretarias municipal e estadual de Educação de São Paulo confirmam que o tema não faz parte da política pública atual, mas que há professores à frente de iniciativas pontuais.

Nas escolas particulares, os laboratórios costumam ser bem equipados e contam com impressora 3D, cortadora a laser e fresadoras. O Colégio Visconde de Porto Seguro é um dos que têm estrutura bem consolidada para lidar com o universo maker. Algumas dessas aulas são dadas em inglês, por professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Reforçar o “faça você mesmo” é outro aspecto desenvolvido nas aulas. Mas é preciso lembrar que a cultura maker não depende só das criações feitas em laboratório, segundo Tatiana Klix, gestora da Inspirare, ONG que desenvolve projetos para incentivar a inovação no ensino brasileiro. “É também colocar a mão na massa e aprender de forma mais engajadora e envolvente.”

Conheça abaixo algumas escolas públicas e particulares que estão fazendo a diferença



Visconde de Porto Seguro, Morumbi, São Paulo

João Victor Donghia (esq.) construiu um robô de sucata; Guilherme Accurso Siciliano (meio) construiu um projetor holográfico; Gustavo de Carvalho Rochlitz (dir.) fez um controle remoto Créditos: Rute Pina

Para trabalhar o tema em sala de aula, o Porto Seguro firmou parceria com o MIT. Um aluno estrangeiro da universidade americana vem, todo mês, dar aulas de cultura maker e inovação social. Três makerspaces foram inaugurados em maio deste ano. É nesses espaços que os alunos trabalham em projetos interdisciplinares, unindo história, matemática e tecnologia educacional, por exemplo. O resultado surge na forma de minicidades de lego e arduíno ou de separadores de tampinha de garrafa para ajudar o trabalho de catadores de lixo. Ferramentas não faltam: há impressora 3D, fresadora , vários Macbooks com grandes monitores e ferramentas manuais como serrotes, martelos, pedaços de madeira e de plástico. “Incentivamos os alunos a aprender fazendo, conhecer suas habilidades, entender o que gostam de fazer e de que forma o que fazem aqui vai reverberar lá na frente para atuarem como grandes profissionais”, diz Joice Lopes Leite, coordenadora de tecnologia educacional.


Stance Dual, Bela Vista, São Paulo

Aluno acompanha dicas do professor escocês Kevin Crawford na aula de FunScience Créditos: Marcel Hartmann

Na escola, o professor de física Rui Zanchetta realiza, há sete anos, a atividade extracurricular Fun Science. Crianças do 3º ao 9º ano fazem projetos como cartões animados com LEDs ou uma cancela para carros em miniatura, que levanta graças a um sensor de luminosidade. Ele conta com a ajuda do professor escocês Kevin Crawford para mostrar que as crianças podem construir o que quiserem. “Queremos formar profissionais que saibam resolver problemas criativamente”, diz Zanchetta. Outro ponto importante é estimular os estudantes a serem produtores de tecnologias, e não apenas consumidores. “Os alunos devem aprender a lidar com o erro. Neste ambiente de experimentação, ele é tão esperado quanto o acerto.”


Escola do Projeto Âncora, Cotia, SP

Crianças da Escola do Projeto Âncora, em Cotia (SP) brincam com água armazenada em um captador Créditos: Divulgação/Projeto Âncora

Criada há quatro anos como parte da ONG de mesmo nome, a escola localizada em Cotia defende método bem pouco convencional. Não há séries, provas ou disciplinas fixas. Nem a sala tem um padrão: estudantes de várias idades dividem o mesmo espaço. Para aprender, os alunos estudam por meio de projetos interdisciplinares, e é aí que entra a cultura maker. Após ver alunos desperdiçando água em uma brincadeira, um professor decidiu organizar a classe para pesquisar sobre a crise hídrica de São Paulo. Em oito meses, eles criaram um captador de água da chuva. Ao longo do projeto, estudaram conceitos de física, geografia hídrica, química, matemática e história para entender a seca. “Esse processo de fazer com as próprias mãos desenvolve a resolução de problemas e o pensamento crítico, porque o aluno se depara com questões cuja resposta não é dada”, diz Fábio Zsigmond, um dos diretores da ONG do Projeto Âncora. Nenhum aluno paga nada: apesar de ser privada, a instituição se mantém com doações e editais.


CEU Pimentas, Guarulhos, SP

Centro Educacional Unificado (CEU) Pimentas, em Guarulhos (SP) Crédito: Karina Menezes

Assim como outros seis Centros Educacionais Unificados (CEUs) de Guarulhos, o CEU Pimentas recebe atividades do Fab Social, projeto idealizado pelo arquiteto Alex Garcia em 2011 e financiado pela Secretaria de Educação do município. No turno inverso das aulas, estudantes da Escola Municipal Jeanete Beauchamp e moradores do bairro aprendem desde noções de espaço e profundidade, com a ajuda de canudinhos, até programação. “Trazemos elementos de tecnologia e cultura maker para que sejam conceitos diários deles”, diz Garcia.


LEDI São José dos Campos, SP

Professora do quarto ano da rede municipal de São José dá aula com uma lousa interativa Créditos: Malú Damázio

Em São José, o espaço maker não fica em uma escola: toda a população tem acesso ao Laboratório de Educação Digital e Interativa (LEDI), inaugurado no fim de novembro. Os recursos vieram do prêmio de R$ 20 mil concedido pela Fundação Lemann, que lançou edital para incentivar boas práticas maker em escolas. A proposta da Prefeitura previa livre experimentação no laboratório. Em 17 das 46 unidades do ensino fundamental na rede municipal de São José, lousas interativas, tablets e notebooks já fazem parte do aprendizado. O plano é estender a todas as escolas já no próximo ano.

Colaboraram Eduardo Barretto e Malú Damázio