Vexame provocou um ano de letargia dentro da CBF. A entidade só acordou para a necessidade de sacudir o futebol brasileiro depois do fiasco na Copa América
Raphael Ramos (texto)
8 de julho de 2015
Passado um ano da goleada por 7 a 1 para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, praticamente nada mudou no futebol brasileiro. A CBF só decidiu tomar medidas efetivas para tentar reerguer a seleção depois da eliminação na Copa América para o Paraguai, no mês passado. Com a queda diante da pior seleção do continente na última edição das Eliminatórias, a avaliação da entidade foi de que, se algo não fosse feito imediatamente, eram grandes os riscos de o Brasil em 2018 ficar fora, pela primeira vez na história, de uma Copa do Mundo.
Por isso, foi criado na semana o chamado “Conselho de Desenvolvimento Estratégico do Futebol Brasileiro”. O diagnóstico apresentado pela CBF foi de que o “futebol brasileiro, que viveu o seu apogeu com a conquista de cinco Copas Mundiais, necessita realizar uma análise profunda para a sua revitalização”.
A primeira reunião ocorreu na segunda-feira, na sede da CBF, e contou com a presença de ex-técnicos da seleção. Também serão chamados para o debate treinadores de clubes, estrangeiros, ex-jogadores campeões do mundo e jornalistas. Não há previsão de quando as sugestões sairão do papel.
O maior desafio do presidente Marco Polo Del Nero, no entanto, é recuperar a credibilidade da entidade. O ex-presidente José Maria Marin foi preso em 27 de maio na Suíça, acusado de ter recebido propina para fechar contratos da Copa América e da Copa do Brasil. Del Nero foi vice de Marin durante três anos e já admitiu ter participado da negociação de acordos comerciais feitos pela CBF durante a gestão do seu antecessor. Logo após a prisão de Marin, começou um movimento liderado pelo senador Romário, Ronaldo Fenômeno e o Bom Senso FC pedindo a renúncia de Del Nero.
O dirigente também passou a conviver com a descrença de alguns profissionais, que não acreditam que as mudanças necessárias para modernizar o futebol brasileiro serão, de fato, implantadas. Levir Culpi, técnico do Atlético-MG, por exemplo, disse que não está mais disposto a colaborar com a CBF depois que uma única sugestão apresentada por ele durante encontro entre treinadores da Série A do Campeonato Brasileiro não foi atendida pela entidade. Ele pediu que os gramados dos estádios utilizados nos jogos da Primeira Divisão tivessem um tamanho padrão.
Para Tite, técnico do Corinthians, o problema é que depois da Copa do Mundo os treinadores passaram a ser apontados como os únicos responsáveis pela mau momento do futebol brasileiro. “Qualquer coisa virou culpa do técnico depois do 7 a 1. Mas não são apenas os técnicos que fazem o futebol. É preciso discutir também a imprensa, dirigentes, atletas e categorias de base. É toda uma estrutura da qual os técnicos fazem parte. A questão é conjuntural. Estamos carentes de jogadores pensadores. Hoje faltam atletas com a capacidade técnica de Zico e Falcão, que armam e ditam o ritmo do jogo. Muita coisa precisa ser levada em consideração”, disse ao Estado.
Campeão do mundo e da Libertadores, Tite admite que esperava assumir a seleção após a saída de Luiz Felipe Scolari. De acordo com o coordenador de seleções da CBF, Gilmar Rinaldi, porém, o técnico do Corinthians não se enquadrava no perfil desejado por ele, Marin e Del Nero. A opção foi por Dunga, que comandou a seleção na Copa de 2010 e foi eliminado nas quartas de final. Nos quatro anos entre sua demissão e a recontratação, ele treinou apenas o Internacional e conquistou o Campeonato Gaúcho de 2013.
A troca de Felipão por Dunga representou poucos mudanças na seleção, e o time continuou dependente de Neymar. O Brasil enfileirou 11 vitórias em amistosos, mas na primeira competição oficial decepcionou. Muitos jogadores que participaram do vexame no Mineirão continuaram sendo convocados, como David Luiz, Fernandinho, Willian, Thiago Silva e Luiz Gustavo.
Os clubes ameaçaram criar uma liga para administrar o Campeonato Brasileiro, deixando a CBF responsável apenas pela seleção, mas depois recuaram. A única mudança efetiva é que daqui para a frente a entidade não tem mais o poder de veto a sugestões apresentadas pelos dirigentes sobre o regulamentos das competições.
Nas categorias de base, o Brasil também não avançou. O projeto de reformulação estava nas mãos de Alexandre Gallo, que ganhou plenos poderes com Marin e passou a acumular os cargos de coordenador das seleções de base e técnico dos times Sub-20 e Sub-23. O plano montado por ele de integrar as categorias foi descartado com a sua demissão em maio, às vésperas do Mundial Sub-20.
A base também continua sem um lugar específico para trabalhar. Os garotos costumam treinar na Granja Comary, em Teresópolis, mas quando a seleção principal está no local têm de usar outros CTs.
Luiz Antônio Prósperi (texto)
Passados 365 dias da queda diante da Alemanha, a maioria dos envolvidos na derrota ainda não deu uma explicação para o resultado negativo. Com base em dados obtidos da comissão técnica da seleção e alguns depoimentos, o Estado relata como o Brasil, de favorito ao título, foi protagonista do maior vexame de sua história.
Os problemas, segundo fontes da comissão técnica, começaram ainda na definição da preparação da seleção. Com a experiência de outras Copas, o então técnico Luiz Felipe Scolari gostaria de um pouco de privacidade no período de treinamentos. Sabia muito bem que na Granja Comary, em Teresópolis, não poderia isolar os atletas em momentos importantes da Copa.
A preferência de Felipão era pelo CT do São Paulo em Cotia. O treinador havia visitado o complexo esportivo e entendeu que ali deveria ser o quartel-general da seleção. A infraestrutura era a ideal e se poderia dar privacidade ao time. Felipão só não conseguiu convencer José Maria Marin, então presidente da CBF, de que a seleção deveria se concentrar em Cotia. Marin teria obrigado o treinador a optar pela Granja Comary para atender interesse dos patrocinadores da CBF que haviam repaginado a concentração ao custo de R$ 15 milhões.
Resignado, o técnico concordou com Marin, mas com a exigência de que os patrocinadores teriam de se limitar a 50 visitantes, em determinados dias, aos treinos na Granja. Os patrocinadores queriam armar tendas na concentração para ações de marketing durante a Copa que poderiam envolver mais de 300 pessoas por dia assediando os atletas. Ainda na Granja foi montada uma estrutura para atender dois mil profissionais da imprensa que teriam acesso liberado todos os dias. Felipão concordou com as ponderações da CBF. A privacidade que havia imaginado tinha ido para o espaço.
Instalada na Granja, a comissão técnica seguiu a mesma preparação que havia dado certo na Copa das Confederações de 2013, quando o Brasil conquistou o título com expressiva vitória por 3 a 0 diante da Espanha, então a última campeã do mundo.
Dados obtidos pelo Estado mostram que na Copa das Confederações, a seleção se submeteu a 17 sessões de treinamentos, mesmo número na Copa do Mundo. Entre os jogos, os jogadores passaram por 48 horas de treino muscular e mais 72 horas de treino técnico-tático, números idênticos nas duas competições. Os atletas que mais disputaram jogos, treinaram 817 minutos (Copa das Confederações) e 805 (Copa do Mundo).
Os números mostram que a comissão técnica entendeu que a fórmula vitoriosa na Copa das Confederações poderia se repetir no Mundial. Não levaram em consideração o lado emocional dos jogadores. Se na primeira fase da Copa, a seleção teve desempenho razoável, no mata-mata, o estado emocional dos atletas deixou a comissão técnica em alerta após a dramática vitória na decisão por pênaltis contra o Chile.
"Cometemos o erro de repetir a estratégia que tinha dado certo na Copa das Confederações. O estado dos jogadores era outro. Há um ano, a forma física e técnica era perfeita e eles responderam muito bem ao apoio fora do comum que tiveram da torcida. Agora o comportamento está sendo outro", disse Carlos Alberto Parreira, então coordenador técnico da seleção, ao Estado no dia seguinte à vitória contra o Chile.
Felipão também estava fragilizado com duas mortes na família (um cunhado e um sobrinho) muito perto do início da Copa. Não conseguia impor o estilo sargentão nos momentos complicados nem o de protetor da 'família Scolari'. E até por isso e mais o diagnóstico de que os jogadores precisavam de um suporte emocional, ele e Parreira resolveram convocar a psicóloga Regina Brandão que havia traçado um perfil dos jogadores.
O diagnóstico de Regina foi devastador. Os atletas estavam no limite. Algo de diferente deveria ser feito. O problema era a falta de tempo. A psicóloga ainda conseguiu diminuir a ansiedade dos jogadores que responderam bem com a vitória contra a Colômbia. Mas naquele jogo, Neymar deixava a Copa com uma lesão nas costas. Sem o craque, o Brasil tinha de encarar a Alemanha. Felipão e Parreira não conseguiram manter o time concentrado, nem com a ajuda da psicóloga. E foram para o jogo mais pensando em Neymar do que nos alemães. Vestiram um boné (Força, Neymar) e David Luiz levantou a camisa do craque na hora do hino.
Na parte tática, Felipão e Parreira sustentaram a mesma estrutura do time, apenas com Bernard no lugar de Neymar. A Alemanha agradeceu. Números da comissão técnica mostram que o Brasil teve 55 chances de gol contra 34 da Alemanha. A posse de bola do Brasil foi de 52% e da Alemanha, 48%. Um dado chama atenção, a seleção teve apenas quatro desarmes contra 20 dos alemães. Os brasileiros finalizaram 18 vezes e marcaram um gol. A Alemanha finalizou 14 e marcou 7.
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