O Mundial dos jogos da madrugada, do café da manhã com futebol e das alegrias matinais terminou há 15 anos. A Copa do Mundo de 2002 foi a primeira disputada em dois países e a primeira na Ásia. Japão e Coreia do Sul, nações que não falam o mesmo idioma, sediaram a epopeia da família Scolari. Foram sete cidades, sete jogos e sete vitórias de uma campanha com 100% de aproveitamento e que forçou a torcida brasileira a mudar a rotina.
A seleção testou o sono e a empolgação do público no Brasil. Foram dois jogos da equipe às 3h30 da madrugada, um às 6h da manhã e mais outros quatro às 8h. A solução foi trocar a cama e as horas de descanso pelo apoio em frente à televisão a um elenco que surpreendeu. Antes tido como azarão, principalmente pela campanha ruim nas Eliminatórias, o Brasil cresceu durante a Copa e venceu todos os jogos.
A caminhada começou com uma vitória difícil sobre a Turquia, em Ulsan, na Coreia do Sul, em uma segunda-feira pela manhã, e terminou em 30 de junho, em Yokohama, no Japão, em um domingo. Os dois gols de Ronaldo contra a Alemanha deram a quinta estrela à camisa da seleção brasileira e abriram as comemorações do Brasil ainda na manhã daquele domingo.
O 'Estado' resgata o caminho do time do técnico Luiz Felipe Scolari com fotos, entrevistas e curiosidades sobre a Copa que valeu ao Brasil a última alegria de ser campeão mundial.e
Campanha
Seleção fez campanha irrepreensível na Ásia e cativou a torcida pelas madrugadas com sete vitórias em sete jogos. Confira como foram as partidas:
Os pentacampeões hoje em dia
Campeões do mundo continuam na maioria vinculados ao futebol, mas alguns já atuam em outras áreas, como negócios e hotelaria
Goleiro
Lateral
Zagueiro
Zagueiro
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Volante
Atacante
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Técnico
Bastidores do penta
Jogadores contam sobre o ambiente do elenco e os momentos mais marcantes da Copa na Ásia
Dez motivos para não esquecer a Copa de 2002
O Mundial apresentou novidades ao mundo do futebol e fatos curiosos durante os 31 dias de torneio
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1Herói demitido
O atacante sul-coreano Ahn Jung Hwan perdeu o emprego depois da Copa. O jogador marcou o gol que desclassificou a Itália nas oitavas de final da competição e como jogava no país europeu, foi desligado do Perugia logo depois do fim da competição.
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2Na contra-mão
O encontro entre Portugal e Estados Unidos teve a insólita combinação de dois gols contra no mesmo jogo, algo único nos Mundiais. Agoos anotou errado em favor dos portugues e por outro lado, Jorge Costa ajudou os americanos a vencerem por 3 a 2.
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3Gol recordista
O atacante turco Hakan Sukur era o mais temido da equipe naquele Mundial e passou seis jogos sem marcar, nem levar perigo aos adversários. Quando já era tema de piada, ele resolveu acordar. Na disputa de terceiro lugar, contra a Coreia do Sul, o jogador se aproveitou da falha adversária e marcou aos 11 segundos de jogo o gol mais rápido da história das Copas.
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4Chuteiras invocadas
Na Ásia as delegações se surpreenderam com as tecnologias dos estádios e apresentaram curiosidades nas vestimentas. Além das camisas de jogo em duas camadas, o Mundial chamou a atenção pelas chuteiras. Calçados coloridos e com o cadarço lateral estiveram em alta no Japão e na Coreia do Sul.
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5Bandeja de gramado
O Sapporo Dome, no Japão, recebeu três jogos na Copa e chamou a atenção pela capacidade em alterar a configuração do estádio, que é coberto. Com a abertura das arquibancadas e o deslize da prancha onde o gramado era instalado, o local ficava apto para receber também jogos de beisebol, com o campo posicionado do lado de fora.
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6Falha perdoada
A cinco dias da estreia na Copa, o meia senegalês Fadiga foi acusado de roubar uma gargantilha de ouro de uma joalheria na Coreia do Sul. A polícia foi interrogar o jogador, que admitiu ter pego a peça para fazer uma brincadeira. Após a devolução, a loja presenteou o atleta com um colar e uma carta para minimizar o episódio.
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7Máquina parada
A França fez na Ásia a pior campanha de um time que defendia o título. Os campeões mundiais foram eliminados na primeira fase, com um empate e duas derrotas. A equipe não marcou gols, acabou na 28ª posição e sofreu principalmente pela ausência do meia Zidane, que estava machucado e não atuou nas duas primeiras rodadas.
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8Prêmio antecipado
Pela primeira vez na história a Fifa escolheu um goleiro como o melhor jogador da Copa. O alemão Oliver Kahn teve o prêmio anunciado antes da final contra o Brasil. Porém, como se sabe, ele falhou no primeiro gol da seleção ao dar rebote para Ronaldo depois de tentar defender um chute de Rivaldo. Desde então, a Fifa espera o fim da competição para designar quem ganha o prêmio.
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9Expulso sem jogar
O atacante argentino Caniggia foi expulso quando estava sentado no banco de reservas. No jogo em que a equipe se despediu da Copa, contra a Suécia, ainda na fase de grupos, o veterano reclamou com a arbitragem e levou o cartão vermelho mesmo sem ter atuado durante um minuto sequer no Mundial.
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10Cigano penta
O sérvio Bora Milutinovic também pode se considerar penta em 2002. O treinador chegou à quinta Copa do Mundo com a quinta seleção diferente e estabeleu um recorde de participações consecutivas iniciado lá em 1986. Ele dirigiu, pela ordem, México, Costa Rica, Estados Unidos, Nigéria e, por fim, a China em Mundiais.
O Penta parece que foi ontem
Ambiente da Família Scolari ajudou a formar o grupo vencedor daquela Copa
Parece que foi ontem. Não me refiro aos 7 a 1 que o Brasil sofreu da Alemanha na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, num Mineirão que nunca esteve impávido para aquela partida. Refiro-me aos 2 a 0 que a seleção brasileira meteu na Alemanha, de Oliver Kahn, em Yokohama, no Japão, resultado que deu ao time nacional o pentacampeonato mundial. O Brasil explodiu em alegrias. Esqueceu de seus problemas por algum tempo.
Aquela Copa foi especial, não só pela conquista do Brasil, mas pela forma com que delegação, torcida e jornalistas se entenderam no percurso. Digo isso porque na África do Sul, em 2010, com Dunga no comando, as referências foram outras, muito mais difíceis, sem nenhuma comunhão entre as partes, desprovidas de carisma e com muita gente carrancuda no grupo nacional.
Então, depois de 15 anos, quando se faz uma comparação do que foi uma Copa e outra, ainda teve a Alemanha nesse caminho, em 2006, se nota que 2002, primeiramente na Coreia do Sul e depois no Japão, foi, de fato, diferente, saudosa. Felipão era um treinador rabugento, mas extremamente carismático, do tipo de chamar os repórteres, como eu, pelo nome. Lembro-me de um dia em Ulsan, onde o Brasil se hospedou ao chegar à Coreia, que Felipão acabou um treino, ou o entregou ao preparador físico Paulo Paixão, para poder conversar com a gente, que acompanhava seu trabalho, sem qualquer restrição, numa arquibancada na universidade da cidade sul-coreana. A resenha era sempre boa, com informação, impressões do técnico e algumas risadas.
Felipão formou a "Família Scolari", assim batizada, com os jogadores e não queria deixar fora os jornalistas brasileiros. Soube conquistá-los sem avançar os sinais.
Depois de 15 anos, é claro que ficam na memória apenas as histórias mais saborosas e as que deram certo. É uma tendência do ser humano passar por cima dos problemas e apagar da mente episódios complicados e negativos. Eles existiram, mas ficaram pelo caminho. Então, as histórias lembradas agora são positivas. O time do Brasil, por exemplo, olhando hoje, parece perfeito. Ronaldo estava baleado e teve um trabalho especial de recuperação na Coreia. Treinava sozinho às vezes, mais do que os outros em muitos casos. Ele também queria se provar, não entregava os pontos. Precisava daquela Copa. Tinha ainda aquela convulsão sofrida em 1998, na França, e isso assombrou a seleção até o fim. Assombrou o próprio Ronaldo. Esse episódio também nos obrigou a fazer plantão no hotel da seleção toda véspera de partida. Tudo para ver se Ronaldo não passava mal de novo.
Na final, contra a Alemanha, lembro-me que a terra tremeu por segundos no hotel. Foi um susto apenas.
Ronaldo e Rivaldo jogaram muito. O Brasil foi superando seus rivais, com algumas pedras no sapato, como a Bélgica. Que jogo! Também me lembro da torcida da Inglaterra naquele confronto, com Beckham em campo. Os caras não pararam de cantar e bater bumbo empurrando os ingleses. A história de o Brasil fazer um jogo a cada cidade também bagunçou o coreto. Tínhamos, todos, de fazer as malas a cada apresentação. Foram muitos deslocamentos. Pegamos um voo em dia de tempo ruim ao deixar a Coreia e chegar ao Japão de dar medo. Muita gente rezou naquele voo. Tenho recordações do museu de John Lennon e Yoko Ono em Saitama, numa das escapadas que deu em dia de folga. Inesquecível.
Como era setorista do Palmeiras, tinha boa entrada com Felipão e Marcos, o goleiro. Mas todos eram atenciosos com a gente. Ganharam a competição e souberam se divertir. Marcão teve uma preocupação neste torneio: não tomar frango. Ele nunca me disse isso, mas penso que era assombrado com a falha no Mundial de Clubes da Fifa, em 1999, contra o Manchester United. Um dia ele me atendeu no hotel e disse que "só não queria falhar" nesta Copa do Mundo. Não falhou.
Poderia usar muitas linhas para contar mais desse time e do que vivemos em 2002. Histórias não faltam. Uma engraçada foi correr com Felipão e Murtosa, seu auxiliar e braço-direito, pelas ruas de Ulsan até os dois se perderem entre condomínios e casas desconhecidas. Ninguém falava nada de coreano. Foram socorridos. Por fim, a final marcou a todos. A vitória, a surra na Alemanha, o ressurgimento e glória de Ronaldo, com seus dois gols, o cabelo Cascão, a amizade do grupo e o gesto, eterno, do capitão Cafu, ao trepar num móvel colocado no gramado para erguer a taça e reverenciar para sempre a mulher e o bairro em São Paulo onde cresceu. Aquela Copa foi inesquecível. Parece que foi ontem.
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reportagemCiro Campos
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Editor de esporteRobson Morelli
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direção de arteFabio Sales
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fotografiaLéo Souza
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edição de videoBruno Nogueirão