Desemprego chega ao setor de serviços e mercado de trabalho se deteriora
Ian Chicharo Gastim & Malena Oliveira
Retração do consumo impacta diretamente o segmento, que era o único que sustentava o emprego aquecido em meio à crise
Daiana Freire trabalhava como analista de crédito quando foi demitida, em agosto do ano passado. Seu primeiro emprego foi em um dos maiores bancos do País, onde ficou por 12 anos. Aos 34 e mãe de dois meninos, procurou trabalho por mais de seis meses, sem sucesso. Assim como ela, quem atua no setor de serviços começou a ver mais recentemente os reflexos da crise econômica no País.
LEIA A ANÁLISE: Mercado de trabalho: piora quantitativa e qualitativa
“O setor que ainda sustentava o mercado de trabalho aquecido, mesmo com desempenho ruim, era serviços. Isso mudou e ele começou a demitir com mais força no fim do primeiro trimestre deste ano”, aponta Rodrigo Leandro de Moura, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Além disso, um número maior de pessoas passou a procurar trabalho em 2015, o que fez com que as taxas de desemprego crescessem em ritmo acelerado. “A renda sendo comprimida pela inflação e a perda do emprego obrigam mais pessoas a entrar no mercado”, diz o pesquisador.
Menos vagas de emprego Postos de trabalho gerados no último ano em milhares de vagas
Fonte: CAGED
Em junho, serviços foi um dos segmentos que mais cortaram vagas com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O desempenho é afetado, particularmente, pela queda no consumo das classes C, D e E.
“Nos últimos anos, o crescimento da economia foi baseado em serviços. Houve aumento de salários e de recursos internacionais, devido ao boom das commodities, e tudo isso fez com que o desemprego caísse. A economia estava em um período de expansão liderado pelo consumo do trabalhador menos qualificado”, explica Naércio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper.
Mas esse cenário se inverteu em 2015: a taxa trimestral de desemprego, calculada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, passou de 6,5% no trimestre encerrado em dezembro de 2014, para 8,3% no período encerrado em junho deste ano. É o maior porcentual desde janeiro de 2012, quando o levantamento teve início.
A inflação em alta também ajuda a corroer o poder de compra do trabalhador. O índice oficial ultrapassou os 9% nos últimos 12 meses, alcançando dois dígitos em algumas regiões do País. “Com a inflação em alta, ocorre uma deterioração generalizada na renda das famílias, o que promove uma redução do consumo. Isso, por sua vez, impacta a demanda de bens e serviços nas empresas e leva a demissões. Ou seja: menos consumo resulta em mais desemprego”, diz José Paulo Zeetano Chahad, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Desemprego avança Taxa trimestral de desemprego entre 2012 e 2015 Taxa de desocupação POR trimestre móvel*
*Trimestre móvel encerrado no mês, ou seja, em relação aos três meses imediatamente anteriores
Renda estagnada
R$ 1.882
Foi a renda média do
trabalhador no segundo
trimestre de 2015
VARIAÇÃO
VARIAÇÃO
-0,5%
1,4%
em relação
ao primeiro
trimestre de
2015
na comparação com o mesmo período do ano anterior
R$ 1.882
Foi a renda média do
trabalhador no segundo
trimestre de 2015
VARIAÇÃO
VARIAÇÃO
-0,5%
1,4%
em relação
ao primeiro
trimestre de
2015
na comparação com o mesmo período do ano anterior
VARIAÇÃO
VARIAÇÃO
R$ 1.882
Foi a renda média do
trabalhador no segundo
trimestre de 2015
-0,5%
1,4%
em relação
ao primeiro
trimestre de
2015
na comparação com o mesmo período do ano anterior
Fonte: PNAD contínua/IBGE
Sirlei Farias vê esses efeitos na prática. Dona de uma churrascaria na zona leste de São Paulo, ela dispensou três funcionários este ano. Os motivos foram o fechamento de um segundo estabelecimento e o movimento menor. No primeiro semestre, o negócio teve queda de 28% no faturamento em relação ao mesmo período de 2014.
A maior parte do que entra no caixa vem de eventos que a churrascaria organiza. No ano passado, já houve uma queda forte por causa da Copa do Mundo, que reduziu o número de dias úteis. “Em 2012, as empresas nos contratavam para fazer eventos durante os jogos. No ano passado foi diferente, pois os funcionários frequentemente eram dispensados nos horários dos jogos”, observa.
No ramo há mais de 15 anos, ela aponta que as empresas que costumavam contratar seus serviços agora procuram reduzir os custos, fechando acordos de menor valor ou mesmo abrindo mão dos eventos.
Indústria e construção. Desde 2009, com a economia se voltando mais para o setor de serviços, a indústria já vinha perdendo espaço no Produto Interno Bruto (PIB). No último mês de junho, o emprego no setor recuou 6,3% ante o mesmo período de 2014. O índice está em queda há 45 meses, ou seja, quase quatro anos.
A construção também tem destaque negativo. Afetado pela queda no preço dos imóveis e pelos desdobramentos da Operação Lava Jato, o setor vem realizando demissões em massa. “O próprio ajuste fiscal gerou contingenciamento de verba para programas do governo, como PAC e Minha Casa, e isso resultou em demissões”, diz Rodrigo Leandro de Moura, da FGV.
Entretanto, ainda não chegamos ao fundo do poço, como aponta Chahad: “Historicamente, a trajetória do mercado de trabalho acompanha o PIB. Se confirmada a previsão de queda de 2,1% em 2015, a queda no emprego será ainda maior.”
Crédito da foto: FELIPE RAU/ESTADÃO
“A perda de renda e o excesso de endividamento das famílias mais pobres prejudicam o setor de serviços”
— Naércio Menezes
coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper
Para os economistas, a retomada do emprego está longe no horizonte, porque depende do ajuste fiscal do governo, da queda da inflação e da volta do crescimento da economia. Segundo a previsão do Ibre/FGV, isso só deve ocorrer entre o fim de 2017 e o começo de 2018, se tudo der certo.
Alternativas. Os números do IBGE já retratam uma expansão do trabalho por conta própria (pessoas que abrem o próprio negócio e não têm funcionários). No segundo trimestre de 2015, o contingente de trabalhadores nessa categoria cresceu 4,7% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para Chahad, a informalidade tende a crescer como alternativa ao desemprego, principalmente em serviços. “Como o setor tem pessoas de menor qualificação profissional, ele tende a se informalizar mais e pode até incorporar mão de obra de outros setores”, afirma. A consequência disso, alerta o professor da USP, será o surgimento de um contingente de trabalhadores menos protegidos em relação a benefícios trabalhistas.
Outra forma de driblar a crise é o empreendedorismo. No caso de Daiana, que ficou sem trabalho até maio deste ano, o fato de ter dinheiro guardado ajudou na hora do aperto. Há três meses, ela abriu um negócio para prestar serviços de limpeza para residências e empresas. O investimento ainda não deu retorno, mas ela está otimista: “Estamos cumprindo as metas do nosso plano de negócios.”
Mercado de trabalho: piora quantitativa e qualitativa
— Hélio Zylberstajn
FEA/USP
A Pesquisa Mensal do Emprego, do IBGE, indica uma deterioração preocupante no mercado de trabalho em julho de 2015. A piora pode ser observada segundo duas dimensões: quantitativa e qualitativa.
Deterioração quantitativa. Há um ano, em julho de 2014, a taxa de desemprego era 4,9%; em junho de 2015 ficou em 6,9% e um mês depois (julho de 2015) chegou a 7,5%. Em agosto, ela deverá passar os 8%.
Assim, o crescimento do desemprego acelerou nos últimos meses e a taxa está se aproximando rapidamente dos dois dígitos. Das seis regiões metropolitanas cobertas pela PME/IBGE, três têm taxas especialmente elevadas: Salvador (12,3%), Recife (9,2%) e São Paulo (7,9%).
Taxa de desemprego – PME/IBGE
Região
Julho/2015
Junho/2015
Julho/2014
Todas
7,5%
6,9%
4,9%
Recife
9,2%
8,8%
6,6%
Salvador
12,3%
11,4%
8,9%
Belo Horizonte
6,0%
5,6%
4,1%
Rio de Janeiro
5,7%
5,2%
3,6%
São Paulo
7,9%
7,2%
4,9%
Porto Alegre
5,9%
5,8%
4,3%
Neste momento, o desemprego cresce devido ao fluxo de pessoas que estavam afastadas (estudantes, aposentados) e decidem se apresentar no mercado de trabalho. O que as leva a esta decisão? Provavelmente, a redução da manutenção da renda familiar provocada pela demissão de algum membro da família ou simplesmente a percepção de que alguém pode ser demitido e, assim sendo, seria bom se prevenir procurando um emprego. Como o movimento nas empresas é de redução de quadros, estes indivíduos não encontram vagas no mercado formal. Daí decorre a outra dimensão da deterioração.
Deterioração qualitativa. A PME de julho de 2015 informa que a quantidade de pessoas ocupadas permaneceu praticamente inalterada em relação ao mês anterior. Porém, houve redução de 169 mil vagas de trabalhadores com carteira (trabalhadores formais do setor privado). Ao mesmo tempo, o número de empregados sem carteira se elevou em 60 mil e a quantidade de trabalhadores por conta própria cresceu 56 mil. Se a tendência persistir, veremos um movimento inverso ao observado nos anos recentes, quando a formalização do mercado de trabalho se expandiu. Agora, parece que se inicia uma reversão com destruição de empregos formais e expansão do trabalho informal. Em outras palavras, piora na qualidade das vagas e aumento do número de trabalhadores sem proteção legal e previdenciária.
O que fazer? No curto prazo, não será fácil reverter essa situação, porque a solução depende fundamentalmente da recuperação da atividade econômica, que não deve ocorrer tão cedo. A previsão é de que continuemos neste quadro de recessão pelo menos até o ano que vem. Enquanto a atividade econômica não retomar o crescimento, o emprego vai continuar sofrendo.
O governo até tenta frear a situação, mas com medidas sem muito efeito. O Programa de Proteção ao Emprego, por exemplo, é um atenuador da crise no mercado de trabalho. Ele pode conseguir evitar algumas demissões, mas o efeito será limitado a alguns setores.
Outra medida que visa a recuperar o mercado de trabalho é o financiamento ao setor produtivo. O resgate de bancos públicos a empresas em crise, no entanto, é muito parcial e seletivo. Não se sabe o critério do governo para escolher os eleitos ao financiamento. Isso é quase uma “manteguização” da política econômica. Essa medida indica que a política econômica retrocedeu. Se chegamos a essa situação por causa das medidas adotadas pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mântega, a volta delas não é boa para o País. Pode até contribuir para alguns setores, mas de forma limitada. O resto da economia continuará à míngua.
Embora não tenha efeito no curto prazo, uma medida boa para o mercado de trabalho no País seria a regulamentação terceirização, que é necessária para dar segurança jurídica para empresas brasileiras e torná-las, assim, mais competitivas. Porém, se for aprovada hoje, não vai melhorar a situação do mercado de trabalho no dia seguinte. É uma condição de longo prazo, para aumentar a capacidade competitiva do País e, portanto, de criar empregos.
Para abreviar a chegada da retomada da economia, vejo dois caminhos. Um deles poderia ser o aumento dos investimentos em infraestrutura. Para tanto, o governo teria que propor um programa amplo e bem desenhado de concessões e convencer investidores privados da sua seriedade e viabilidade. Tarefa difícil para uma administração enfraquecida, desgastada e sem credibilidade.
O outro caminho poderia ser um conjunto de medidas para apoiar as exportações, aproveitando a melhoria da competitividade trazida pela desvalorização do real. Os dois caminhos não são excludentes. Pelo contrário, têm complementaridades importantes e formariam uma agenda viável de curto prazo. A pergunta é: como criar condições políticas para implementá-las?
Em suma, a recuperação do mercado de trabalho depende de o governo conseguir implementar uma política macroeconômica correta, o que, no momento, não está conseguindo fazer. Existe uma falta de capacidade do governo em governar. A crise política contaminou a economia, será muito difícil uma recuperação econômica sem resolver a questão política.