Em cinco anos, Brasil vai da euforia ao pessimismo
Hugo Passarelli
Falta de confiança e a Operação Lava Jato alimentam as crises econômica e política e tornam mais difícil a retomada do crescimento
Da série de notícias negativas que a economia brasileira coleciona em 2015, poucas são tão observadas e difíceis de compreender como os índices de confiança. Pelos resultados mais recentes, a conclusão é de que nunca houve uma onda de pessimismo tão generalizada como agora. De um lado, a população segura gastos diante da alta dos preços e da ameaça de desemprego. De outro, comércio, indústria e construção pisam no freio, porque sentem que o consumidor está inseguro.
LEIA A ANÁLISE: O X da equação é a credibilidade
O pessimismo ainda se soma à Operação Lava Jato e à queda de braço entre o governo Dilma Rousseff e o Congresso. A investigação da Polícia Federal sobre a corrupção na Petrobrás paralisa grandes empreendimentos e se espalha por diversos setores, atingindo até políticos com foro privilegiado. Os efeitos também respingam no Legislativo, enfraquecendo a já frágil base do governo, que luta para aprovar um ajuste fiscal cada vez menor.
“Não há nenhuma razão estrutural forte para a economia estar numa recessão aguda. O que existe é um forte embate político que dificulta aquilo que poderia atenuar o quadro recessivo”, diz Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados.
O economista Aloisio Campelo, superintendente adjunto para ciclos econômicos do Ibre/FGV, comparou os brasileiros com o restante do mundo e constatou: em 2010, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,6%, estávamos no grupo de países que, comparados ao seu próprio passado, apresentavam o maior nível de otimismo. Hoje, a situação se inverteu e apresentamos um dos mais baixos níveis de humor.
Confiança no chão Setor produtivo e consumidores estão pessimistas com o futuro da economia
Em pontos (com ajuste sazonal)
Consumidor
Indústria
Serviços
Comércio
Construção
Fonte: FGV/IBRE
Campelo destaca o que chama de caráter “antecedente” dos índices de confiança. “É possível saber se estamos entrando num processo de aceleração ou desaceleração, como agora”. Com essa espécie de termômetro do humor, ele prevê um mergulho ainda maior na recessão.
O economista da FGV fez um exercício para estimar quanto tempo demora para virar a maré da falta de perspectiva. Segundo ele, o País está há cerca de três anos num processo de piora contínua da confiança e uma estabilização desse índice não deve vir antes de 2016. Campelo afirma que, depois de passada a pior fase, as projeções mais otimistas estimam um intervalo em torno de 10 meses para que a melhora da confiança comece a dar algum impulso na economia.
A mudança abrupta entre 2010 e 2015 é explicada pela interrupção do ciclo de forte crescimento. “Estava claro que não dava pra crescer sempre com o consumo e que a redistribuição de renda tinha data marcada para terminar. Isso, aliado a uma política econômica muito intervencionista e a uma piora na situação internacional, acabou por piorar a confiança”, diz Oliveira, da GO Associados.
Crédito da foto: Felipe Rau/ESTADÃO
Não há nenhuma razão estrutural forte para a economia estar numa recessão aguda. O que existe é um forte embate político que dificulta aquilo que poderia atenuar o quadro recessivo
— Gesner Oliveira
Sócio da consultoria GO Associados
Oliveira explica que existe hoje um processo de retroalimentação entre as expectativas e o desempenho da economia. “Com queda no nível de investimento, a economia desacelera mais e as expectativas tornam-se mais pessimistas”, afirma.
O varejo, antes um dos segmentos que resistiam à onda de pessimismo, mostrou retração de 2,2% nas vendas durante o primeiro semestre, voltando a níveis de 2003. Já o setor automotivo, estrela da economia nos tempos de expansão de consumo, acumula quedas mês a mês na venda e produção de veículos.
“A demanda foi a principal preocupação dos industriais no primeiro trimestre. Já entre abril e junho, ficou na segunda posição”, afirma o economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo. O resultado disso é um efeito multiplicador perverso. “O varejo vende menos e reduz as encomendas para grandes indústrias e isso vai pegando toda a cadeia de produção”, ressalta.
Lava Jato. Para completar o cenário de instabilidade, a Operação Lava Jato completa um ano e meio de investigações e o impacto não deve sair barato. Nas projeções de Oliveira, da GO Associados, a economia brasileira pode perder até R$ 229 bilhões neste ano por conta da paralisia provocada pela operação.
A maior parte virá do recuo na produção, de R$ 187,2 bilhões - o equivalente a 3,4% do PIB. O restante deve-se a perdas em salários, na ordem de R$ 29,4 bilhões, e em arrecadação de impostos (R$ 12,3 bilhões). Ainda segundo o economista, a crise na petroleira estatal pode significar um fechamento, entre empregos diretos e indiretos, de até 2,4 milhões de vagas.
Os valores são muito maiores do que o cálculo inicial, feito em abril, que estimava perdas de R$ 87 bilhões e redução de 1 milhão de empregos. “As premissas anteriores eram mais conservadores”, diz Oliveira.
Impacto da Lava Jato Paralisação de obras ligadas à Petrobrás afeta economia
Redução de
empregos
estimada
2,4
milhões
TOTAL
R$ 229 bi
Perdas anuais
de produção
R$ 187,2 bi
(3,4% do PIB
de 2014)
TOTAL
R$ 87 bi
R$ 29,5 bi
QUEDA EM SALÁRIOS
R$ 12,3 bi
Diminuição em
arrecadação
de impostos
projeção
em abril
projeção
atual
Redução de
empregos
estimada
2,4
milhões
TOTAL
R$ 229 bi
Perdas anuais
de produção
R$ 187,2 bi
(3,4% do PIB
de 2014)
TOTAL
R$ 87 bi
R$ 29,5 bi
QUEDA EM SALÁRIOS
R$ 12,3 bi
Diminuição em
arrecadação
de impostos
projeção
em abril
projeção
atual
Redução de
empregos
estimada
2,4
milhões
TOTAL
R$ 229 bi
Perdas anuais
de produção
R$ 187,2 bi
(3,4% do PIB
de 2014)
TOTAL
R$ 87 bi
R$ 29,5 bi
QUEDA EM SALÁRIOS
R$ 12,3 bi
Diminuição em
arrecadação
de impostos
projeção
em abril
projeção
atual
Fonte: GO ASSOCIADOS
Grau de investimento. Além das dificuldades do setor produtivo, que travam a economia, o País ainda enfrenta o fantasma do rebaixamento. As agências de classificação de risco, que atribuem selos de bom ou mau pagador a países e empresas, estão atentas à situação fiscal do País.
Em duas delas - Standard & Poor’s e Moody’s - o Brasil já está à beira de ser considerado mau pagador (ou grau especulativo). Se isso se concretizar, vai ficar mais difícil captar recursos no exterior e muitos investidores, como os fundos de pensão estrangeiros, serão obrigados a retirar o dinheiro aplicado aqui.
Sem uma base de apoio sólida, o governo enfrenta enormes dificuldades para aprovar as medidas do ajuste fiscal no Congresso. As que já foram votadas não passaram da maneira como o Planalto planejava e a dificuldade cresceu diante da constante ameaça da chamada “pauta-bomba” - que eleva os gastos do governo.
Crédito da foto: Divulgação
O ambiente político está contribuindo para a incerteza, que é inimiga do investimento
— Aloisio Campelo
Superintendente adjunto para ciclos econômicos da FGV/IBRE
Esse conjunto de dificuldades, aliado à queda da arrecadação de impostos, fez o governo diminuir a meta de superávit primário para praticamente zero este ano. Agora, a projeção é economizar 0,15% do PIB para pagamento de juros.
As contas públicas ainda representam outra ameaça ao governo Dilma. As chamadas “pedaladas fiscais” - atraso no repasse de recursos públicos - estão sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Se forem comprovadas e isso levar à reprovação das contas de Dilma, isso dará força ao coro que pede o impeachment da presidente. “O ambiente político está contribuindo para a incerteza, que é inimiga do investimento”, destaca Campelo, da FGV.
O X da equação é a credibilidade
— Carlos Melo
É cientista político e professor do Insper
Política ou econômica, a luta na sociedade se dá em torno do poder e implica na credibilidade de os governantes garantirem segurança aos governados. Cidadãos e investidores exigem essa garantia. Foi o medo que inventou o Estado. Com medo, não se sai às ruas – ou se sai armado – e não se empreende. O temor ao incerto cria ciclo negativo: desinvestimento, desemprego, pobreza, violência. Apenas o poder é capaz de romper esta ciranda.
Numa democracia, o exercício do poder se dá pela política – a recusa ao uso da força - e baseia-se na livre escolha dos cidadãos, por meio de eleições. Mas, trata-se apenas de parte do processo. É necessário que a engrenagem funcione; produza consensos, pactos, leis, instituições. Estruturar o poder e conduzir o processo político é tão importante quanto a eleição e é condição para garantir segurança. A credibilidade reside aí.
Este é o problema do Brasil de 2015: desgastou-se a credibilidade capaz de garantir a segurança porque há, neste momento, um lapso de poder.
Nas últimas décadas, os instrumentos de poder têm se baseado no compartilhamento de espaços e recursos públicos de forma a garantir não apenas a maioria, mas também a capacidade de o poder Executivo apresentar sua agenda ao Congresso Nacional e, assim, à sociedade. Em 12 anos de poder – e não importa qual seja o partido -, esses instrumentos tendem a se esgotar; precisam ser renovados por nova engenharia ou pela alternância de personagens e grupos.
O PT paga caro não apenas por inúmeros erros, mas também pelo sucesso eleitoral que, paradoxalmente, compreende esta exaustão de materiais. O maior equívoco de Dilma Rousseff foi não se dar conta disto, negligenciando riscos ao imperativo do poder, fragilizando a segurança, perdendo credibilidade. À parte do pouco pragmatismo econômico, Dilma foi também inábil no manejo do poder ofertado pela eleição. Os desequilíbrios causados pela Operação Lava Jato derivam antes disto e não do contrário.
Tanto na política quanto na economia, procura-se a segurança perdida. E tudo é neblina, seja no longo, médio e até curto prazos. Subjetivamente, não há incentivos ao investimento. Os já programados são executados com apreensão; os novos, apenas quando a política vier a garantir horizonte de maior clareza. Recuperar a qualidade da ação política e reestruturar o poder é condição sine qua non para a credibilidade e, daí, para a retomada do desenvolvimento. O X da equação consiste em saber se, após quatro anos e meio de governo, Dilma ainda será capaz de fazê-lo.