Há dez anos o crime organizado parou São Paulo – a cidade mais rica do País. Nesses últimos dez anos, porém, o crime organizado não parou, seguiu em frente, só cresceu, ampliou suas atuações, expandiu e variou seus “negócios”. Em 15 de maio de 2006, após a onda de ataques contra agentes de segurança do Estado iniciada na noite do dia 12, o Primeiro Comando da Capital (PCC) deixou a população da maior metrópole da América do Sul atônita, amedrontada, acuada. Em razão do pânico motivado pelas mortes em série, escolas, estabelecimentos comerciais, empresas fecharam mais cedo. Até fóruns criminais e o Ministério Público dispensaram seus funcionários e abreviaram o expediente. Trabalhadores refugiaram-se em suas casas. A cidade se calou.
O saldo dos ataques daquele mês de maio revela um quadro de violência sem precedentes no Brasil que justifica o pânico em São Paulo. Entre os dias 12 e 21, foram 564 mortos em todo o Estado, entre eles 59 agentes públicos. Muitos dos homicídios com características de execução sumária ainda não foram esclarecidos pela polícia nem punidos pela Justiça. Em um único fim de semana, 94 presídios se rebelaram e incontáveis ônibus foram incendiados por bandidos em diversas cidades paulistas. Tudo sob comando do PCC.
Sem aviso prévio à população, mas com conhecimento do Estado, os ataques cessaram. No domingo, dia 14 de maio, após uma reunião no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes entre o líder da facção criminosa, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e a cúpula da gestão Claudio Lembo, substituto de Geraldo Alckmin que disputaria a eleição presidencial mais à frente, a normalidade começaria a voltar a São Paulo. O Estado, em julho do ano passado, teve acesso ao depoimento à Justiça do delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, que participou da reunião. Ele afirma que uma advogada da facção dizia que os ataques só parariam se os bandidos tivessem a certeza de que Marcola estava vivo e bem. O governo cedeu um avião da PM que levou todos até o encontro com o líder. Lá, ele foi convencido a dar a ordem para encerrar os ataques. Um outro detento, conhecido por “LH”, recebeu um celular e, após os bloqueadores serem desligados, passou o recado às ruas.
Para recontar e atualizar essa história, o Estado traça nesta reportagem especial, elaborada durante um mês, um panorama do avanço do PCC ao longo desse período com base em investigações das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público Estadual (MPE). Já se sabe que seu faturamento aumentou, suas fronteiras foram ampliadas, seu “exército” se multiplicou, mesmo com Marcola e as principais lideranças presas nos presídios mais seguros de São Paulo. Diante do êxito do crime, promotores, magistrados e especialistas em Segurança Pública apresentam as razões para o fracasso do Estado em combatê-lo e também apontam os possíveis caminhos para sufocar a facção.
A reação aos ataques às forças de segurança do Estado naquele mês de maio também foi imediata. Em dez dias, foram 505 civis mortos - 107 só no domingo, dia 14, o dia do encontro. Hoje, parentes de vítimas da matança que se espalhou pelas ruas de São Paulo recontam suas histórias e narram a incessante busca por justiça. A dor uniu as mães das vítimas e deu origem às Mães de Maio. Algumas mães, porém, não enterraram seus filhos – corpos e histórias das vítimas foram apagados: são os desaparecidos de maio. O Estado relata o desaparecimento de quatro jovens negros e pobres das periferias. Tudo reconstituído para não se esquecer do maio de 2006 nem repeti-lo.