Entrevista: ‘Políticos usam mídias sociais para o bem e para o mal’, diz Chomsky

Noam Chomsky diz que técnicas usadas para influenciar escolhas do consumidor e preferências dos eleitores vão se desenvolver ainda mais

Por Alessandra Monnerat, Andre Klojda, Caio Sartori e Igor Moraes

Pronunciamentos de Trump legitimam discursos e ações repulsivos. Foto: Jorge Dan/Reuters – Mexico Politics

Com 89 anos recém-completados, o linguista e filósofo americano Noam Chomsky vai direto ao ponto: políticos usam as mídias sociais para o bem e para o mal. Crítico ferrenho de Donald Trump, diz que a estratégia do presidente dos Estados Unidos é única porque adota o Twitter como principal método de comunicação. Com isso, diz Chomsky, Trump consegue evitar o debate, controlar sua base eleitoral e sustentar o foco da mídia.

Linguista que ganhou notoriedade também pelas análises políticas, Chomsky afirma que as técnicas do Facebook e do Google para influenciar consumidores e eleitores vão se desenvolver ainda mais. “A menos que o ativismo popular possa restringi-las.” Em entrevista ao Estado, faz um balanço dos anos em que o PT governou o Brasil. Para ele, o País avançou e virou referência internacional com Lula, que pecou ao não diversificar a economia e ao se envolver com a “extrema corrupção”. O caminho, de acordo com Chomsky, passa por corrigir esses erros e incorporar novas ideias.

Qual sua opinião sobre o uso das mídias sociais (e da tecnologia como um todo) por políticos mundo afora?
As figuras políticas usam sim as mídias sociais, até certo ponto, para o bem ou o para o mal. Mas Donald Trump é único. Seu principal método de comunicação com o mundo é por meio dos tweets, que vão desde berros raivosos até pronunciamentos relativos a políticas públicas, tipicamente ambíguos e muitas vezes descuidados. A técnica foi bem concebida para vários fins: primeiro, se desviar de qualquer questionamento ou debate sério. Segundo, controlar sua base eleitoral, que o venera. E, por último, manter a atenção da mídia focada nele e em suas extravagâncias diárias.

O discurso de ódio ganha mais força na internet? Por quê?
Uma grande virtude da internet é que ela oferece oportunidades para a livre expressão e para o debate. Essa liberdade permite o discurso de ódio. É importante também ter em mente que, nos Estados Unidos, os pronunciamentos de racismo, supremacia branca, misoginia e ultranacionalismo de Trump forneceram legitimação implícita para discursos e ações repulsivas e nocivas, que anteriormente eram suprimidas e marginalizadas. Em menor grau, isso tem acontecido de forma similar em outros lugares.

Houve um crescimento na polarização e na irracionalidade do debate político, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. O senhor vê semelhanças nesse cenário em ambos os países? Como isso afetará as eleições e o que pode ser feito contra esta tendência?
Devemos lembrar que esse fenômeno, embora real e perigoso, não é novo. Eu sou velho o suficiente para lembrar vividamente o surgimento do fascismo na Europa na década de 1930. A polarização e a irracionalidade excediam em muito tudo o que vemos hoje e, é claro, eram muito mais perigosas. Felizmente, as circunstâncias atuais permitem uma ampla gama de medidas para enfrentar e superar essas tendências ameaçadoras. Vemos exemplos muito claros nos Estados Unidos. A característica mais notável do pleito de novembro de 2016 não foi a eleição de um bilionário com um financiamento enorme e apoio da mídia, mesmo que ele não fosse o favorito do establishment da direita. Em vez disso, a característica mais notável foi a campanha de Bernie Sanders (que perdeu as prévias democratas para Hillary Clinton), que rompeu uma história política de mais de um século de eleições praticamente compradas.

Qual a intenção por trás da produção das fake news? Por que essas notícias falsas são tão populares?
A intenção é bastante clara: enganar, induzir ao erro e controlar. As fake news são populares entre as pessoas que — muitas vezes por bons motivos — percebem o poder estabelecido como hostil e se sentem vitimadas pelas políticas prevalecentes. Consequentemente, elas desconfiam do que vem das fontes da elite e procuram por algo que possam interpretar como favorável aos seus interesses e suas atitudes. Novamente, o fenômeno Trump é bastante notável. As pesquisas mostram que os republicanos tendem a confiar muito mais em Trump do que na mídia tradicional.

A Internet dificulta ou facilita a manipulação da massa? O senhor acha que a Internet tornou mais fácil para a mídia ‘fabricar consentimento’?
Existem tendências conflitantes. Quando as principais fontes de notícias eram os grandes canais de TV e jornais matinais, a população era exposta a um espectro de informações, atitudes e percepções largamente compartilhado. Um efeito do acesso à internet é levar muitas pessoas a “câmaras de eco”, onde elas são expostas principalmente a materiais que reforçam seus próprios pontos de vista e excluem outros. Por outro lado, a internet oferece muitas possibilidades para acessar fontes de informação e opiniões muito mais amplas — para aqueles que desejam aprender algo sobre o mundo em que vivemos.

Qual papel o senhor vê as grandes corporações da internet, como o Google e o Facebook, desempenhando nas próximas eleições?
Elas já tiveram um impacto. Havia muita preocupação sobre a interferência russa nas recentes eleições alemãs. Acontece que realmente houve uma interferência estrangeira, mas não era russa. O escritório em Berlim do Facebook trabalhou com uma empresa de mídia dos EUA — cujos clientes incluem Trump, (Benjamin) Netanyahu e (Marine) Le Pen — para induzir os eleitores alemães a apoiar o partido neofascista Alternativa para a Alemanha, aparentemente com algum sucesso. Sem surpresas, isso foi pouco noticiado. As técnicas que agora são usadas para influenciar as escolhas do consumidor e as preferências dos eleitores provavelmente vão se desenvolver ainda mais, a menos que o ativismo popular possa restringi-las — uma tarefa grande e significativa.

Recentemente, o senhor criticou o modus operandi dos governos de esquerda no Brasil e na América Latina. Essa é uma crise que pode ser superada ou é hora de abrir espaço para outras ideologias?
Estes governos alcançaram muitas conquistas importantes, tanto em nível nacional como internacional. Isso foi particularmente verdadeiro no caso do Brasil, que durante o governo Lula se tornou um dos países mais respeitados do mundo, por bons motivos. Também houve falhas graves, entre elas a falta de diversificação da economia e a extrema corrupção, que persistiu de anos anteriores. Não há razão para que tais falhas não possam ser superadas.

O senhor disse acreditar que o Brasil deve retornar a um caminho mais promissor de desenvolvimento social e econômico após a atual recessão. Como o senhor acha que isso vai acontecer? Qual o papel das eleições no próximo ano neste processo?
Existe uma esperança, e não um prognóstico, mas me parece haver base para isso. A forma como isso pode acontecer é por meio da mobilização das forças populares para agir, não apenas na arena eleitoral, mas de muitas outras maneiras: no desenvolvimento da comunidade, na democratização da indústria e da agricultura e, em geral, no estabelecimento de controle democrático em toda a sociedade e suas instituições.