Eleições 2018: ‘Não podemos ter expectativa, nem pela Presidência, nem pelo Congresso’, afirma Boris Fausto
Historiador chama políticos do PMDB de ‘mestres da corrupção’ e petistas de ‘aprendizes de feiticeiro’. E diz que, no cenário atual, candidatura de Marina é viável
O historiador e cientista político Boris Fausto, de 87 anos, avalia que o Brasil vive sua pior crise e que as eleições de 2018 não mudarão muito o quadro atual. “Nem pela Presidência, nem pela chamada renovação do Congresso podemos ter muita expectativa.”
Na opinião do historiador, PT e PSDB correm o risco de não protagonizar a disputa presidencial em 2018 — consequência dos recentes escândalos envolvendo caciques dos partidos. Fausto, que classifica o PMDB como casa dos “mestres da corrupção”, avalia que uma candidatura sem grandes denúncias contra si, como a da ex-senadora Marina Silva (Rede), pode ganhar força na corrida eleitoral. “Espero (que ela consiga). Vejo dificuldades, mas, neste vazio, ela é viável.”
Na entrevista, ele afirma ainda que o Brasil tem tendências autoritárias. E que a atual crise política faz emergir novamente o discurso da ordem, que abre espaço até para grupos que pedem a volta da ditadura. “Não avaliamos em toda a extensão o avanço da direita, que vem não só pelo Jair Bolsonaro (PSC-RJ), mas pela sociedade.”
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:
Qual é sua avaliação sobre as crises econômica e política, especialmente a disputa entre os Poderes?
Nunca se viu coisa igual neste País. Se pegar a perspectiva histórica ou os anos mais recentes, isso é algo totalmente inusitado. É uma espécie de supressão de princípios e valores, um vale-tudo quase geral. Desencontro entre Poderes, corrupção no interior de Poderes, notadamente no Legislativo, e, além disso, uma crise econômica que nunca houve na história. Nem mesmo a crise de 1929 se compara com essa, porque o Brasil (à época) tinha uma importância reduzida.
Como chegamos a este ponto?
Eu achava que o PT tinha uma enorme responsabilidade, que fosse a primeira máquina de corrupção que existiu neste País – e continuava a existir. Sem dúvidas, é uma máquina. A decepção de boa parte da população com o PT produziu, no mínimo, um desencanto. A ideia de que é possível fazer qualquer coisa em nome da transformação social, tudo se admite em nome dela. Agora, depois que as coisas foram sendo reveladas, as malas, as ligações, os ‘Joesleys’, acho que é possível concluir que os mestres da corrupção, a organização criminosa por excelência, é o PMDB. E eu diria que o PT é um aprendiz de feiticeiro, embora não queira dizer que não tenha feito um mal enorme para o País, principalmente porque era um partido, até certo ponto, de massa. Ou, pelo menos, com uma ideologia que, concorde ou não, parecia indicar um programa para o Brasil. Então é mais grave nesse sentido a ruptura de um mínimo de ética do PT do que do PMDB, porque do PMDB não se esperava muito. Se esperou lá atrás, quando o PMDB teve um partido digno, importante na redemocratização.
E o PSDB?
Estou particularmente pessimista nos dias que correm. O PSDB é mais uma grande decepção. Um dos fatos que comprometem muito o PSDB é a corrupção. As acusações contra membros importantes, como Aécio Neves, fazem o partido perder muito, sobretudo porque não há uma atitude no seu interior, uma homogeneidade, e, portanto, a disposição de limpar o partido, fazer uma grande autocrítica. Com isso, já seria difícil. Sem isso, o partido se desmoraliza.
Esse desgaste é propício para candidaturas como a de Jair Bolsonaro?
É. E é algo muito triste, muito impressionante. Porque me lembro das passeatas contra a Dilma, em que aparecia um grupinho pedindo ditadura militar. À medida que a situação foi se deteriorando e nós temos esse filme de horror protagonizado pelo Congresso, essa candidatura aparece para muita gente como candidatura da ordem, de estabilidade ‘nesse País que está ficando louco, casamento de homem com homem, mulher com mulher’. Tudo isso leva água para o moinho da direita. E eu acredito que nós — me incluo nisso —, de um campo democrático com pretensões sociais, não avaliamos em toda a extensão o avanço da direita que vem não só pelo (Jair) Bolsonaro, mas pela sociedade.
Por que esse discurso tem tanta adesão no momento?
Primeiro, porque os partidos fracassaram. Se você sustentar que é preciso ter uma saída institucional, via partidos, isso não é muito atraente do ponto de vista da captação de votos. Depois, há uma insegurança de futuro e, nessas horas, as soluções, que não são soluções, os simplismos perigosos e autoritários, florescem. ‘Ah, a situação da educação está complicada. Eu vou resolver. Eu ponho no Ministério da Educação um diretor de escola militar experiente e ele vai ter um papel muito grande.’ A política de segurança não existe, é um fracasso total, passa por vários governos. E a situação de hoje é seríssima. O Rio, para dar um exemplo, virou um clube de tiro, exagerando um pouco. Então, se aparece uma pessoa que foi militar, tem um apoio grande de pelo menos um setor.
O senhor concorda com o presidente Michel Temer, que recentemente disse que o Brasil tem tendência ao autoritarismo?
Me sinto um pouco instável, incomodado de ficar ao lado de Temer com seus 3% de aprovação (risos), mas nesse caso eu concordo. Porque historicamente é assim. Sem voltar muito atrás: a visão que se tem no Brasil do que foi o regime militar, comparado com outros países da América Latina, é uma visão relativamente positiva. E há até os encantados, que nem viveram o período, que são muitos. Ouvem falar que teve ordem, que não houve inflação… Então você ouve essa gente que não viveu o período e diz que o regime militar foi bom. Esse embalo militar existe no Brasil.
Voltando um pouco para 2018, o que o senhor acredita que vai ser determinante na eleição?
Depende de quem. Depende das candidaturas à esquerda, à direita e ao centro. Acho que a centro-direita, se é possível falarmos algo com esse mistério que está pela frente, tem uma chance melhor. Mas, se olhar hoje, é Lula e Bolsonaro. Se for verdade, como eu penso, que Lula não poderá ser candidato, não sabemos quem disputará esse campeonato.
Qual vai ser o ambiente no caso de uma impugnação do Lula?
Tudo pode neste País. Mas acho que violências enormes são improváveis. Acho que vai haver muita retórica, tudo o que PT e aliados puderem fazer no sentido de tirar legitimidade das eleições, eles farão. No plano de mobilizações populares, posso estar enganado, e é difícil de dizer, mas acho que há um cansaço muito grande e há setores decepcionados com o próprio PT.
A ex-senadora Marina SIlva ainda pode ser a tão falada terceira via?
Eu espero que sim.
Por quê?
Vamos ver os prós e os contras, no meu entender. Prós: não pode ser acusada de corrupção, a não ser que se invente umas maldades dessas grandes. E o que acontece é o seguinte: o não ser corrupto é uma coisa que se valorizou muito entre 2014 e 2018. É um trunfo bom que ela tem. Qual é o ruim? Não tem estrutura partidária, que é importante, por mais que se critiquem os partidos. Os movimentos sociais não dão conta disso, nem as redes sociais. Ela não tem um grupo muito homogêneo que sustente a candidatura, o programa. Algumas das boas figuras da Rede se afastaram. Os ideólogos iniciais se afastaram por uma boa razão, no meu ver: ela quer ser líder de movimento social ou líder política? Vejo dificuldades, mas, neste vazio, ela é viável.
Marina seria uma forma possível de sanar o clima de acirramento político? A eleição de 2018 pode ter esse papel?
Acho que pode ajudar. Sanar é um pouco exagerado. ‘Tudo muda, vamos esperar 2018.’ Não muda muito. Nem pela Presidência, nem pela chamada renovação do Congresso podemos ter muita expectativa. Mas alguma coisa muda.
E qual é a mudança mais urgente?
O mais urgente é a economia, porque, embora esteja melhorando — o que pode ser um trunfo para a centro-direita —, ainda tem problemas grandes. Tem buracos muito grandes orçamentários, a questão da Previdência. Mexer com isso é muito importante. E aí nós vemos que antes de 2018 é muito difícil fazer alguma coisa, por causa do Congresso. Deputados novos — em parte por serem novos e em parte porque a disputa eleitoral será só dali a quatro anos — poderão aceitar mais uma reforma.