Disseminado pelo Brasil, WhatsApp deve ser canal decisivo nas eleições

Com 120 milhões de usuários, aplicativo de mensagens equipara-se à audiência de TV, mas com menor custo

Por Matheus Riga e Olga Bagatini

O Whatsapp, aplicativo mais utilizado pelos brasileiros, já foi fundamental para as campanhas de 2014. Em 2018, a tendência é de que ele seja mais decisivo. Foto: Dado Ruvic/Reuters

O WhatsApp, aplicativo de mensagens instantâneas, deve ser um dos pilares das campanhas eleitorais de 2018. O serviço começou a ser usado por políticos ainda no pleito de 2014, mas a popularização da ferramenta e as mudanças na legislação eleitoral no Brasil vão impulsionar sua utilização entre os candidatos. A tendência é de que os mais de 120 milhões de usuários do serviço recebam mensagens, vídeos e fotos das campanhas ao longo do ano que vem.

“WhatsApp tem hoje um alcance tão grande quanto os maiores canais de TV e os maiores jornais. O número de usuários compete com as maiores audiências do Brasil”, explica o professor de Direito Digital Pablo Cerdeira, da FGV-Rio. “Então, é muito provável que seja um fator decisivo nas eleições.”

A expansão da cobertura de internet móvel explica o crescimento do aplicativo. No Brasil, a tecnologia 3G já alcança 91,5% dos municípios, segundo a consultoria de telecomunicações Teleco. E o “zap” é o favorito dos brasileiros: de acordo com pesquisa da Mobile Ecosystem Forum (MEF), 76% das pessoas com internet móvel usam o serviço, que está à frente do Facebook Messenger (64%) e do SMS (36%).

“É uma rede instantânea, que tem capilaridade e atinge todas as classes sociais, sem distinção”, avalia o consultor em Marketing Político Digital Fred Perillo. “Por isso é tão estratégico.”

Além da popularidade e do alcance do aplicativo, os candidatos terão respaldo para usá-lo nas campanhas de 2018. Sancionada em outubro deste ano, a Lei 13.488 permite que, pela primeira vez, os candidatos utilizem meios digitais para promover suas campanhas, tais como redes sociais e plataformas de mensagens. No entanto, pessoas físicas não poderão pagar para impulsionar as postagens. O patrocínio dos posts deve ser bancado pelos partidos.

Na surdina

Privacidade é uma palavra de ordem na política do WhatsApp. Em seu termo de uso, a empresa garante que as mensagens são criptografadas e não serão vistas ou invadidas por terceiros. “É uma caixa-preta, muito difícil de monitorar”, diz o consultor Perillo. A única possibilidade de se obter esses dados é via mandado judicial. E apenas em determinadas situações, como, por exemplo, quando os registros são essenciais para a resolução de um inquérito.

Essa blindagem, somada à condição de anonimato de quem dispara as mensagens, pode favorecer a disseminação de fake news por meio do aplicativo. “O que vai acontecer em 2018, infelizmente, é que muitos candidatos vão comprar disparos massivos para fazer campanha negativa contra os rivais”, avalia Perillo.

Para combater a prática, alguns políticos criaram em seus sites centrais de combate às notícias falsas. É o caso do deputado Jean Willys (PSOL) e do governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que fornecem suas versões de histórias que circularam sobre eles nas redes sociais. Nestas centrais, os eleitores podem checar a veracidade das informações. Porém, elas ainda são uma prática pouco comum entre os políticos.

Embora a previsão feita por Perillo de que o principal uso da rede em 2018 será para desacreditar os adversários, o aplicativo também será usado para marketing dos políticos. O publicitário Daniel Braga, coordenador das redes sociais do prefeito de São Paulo, João Doria, explica que os políticos que souberem trabalhar com as peculiaridades da rede serão os mais bem-sucedidos. “É uma mensagem menos profunda, com menos pensamento. É instantânea e gera discussão.”

O aplicativo, segundo Braga, se diferencia de Facebook e Twitter por não exigir uma preocupação maior na hora de passar adiante um conteúdo recebido. “É uma ferramenta subterrânea. Então, as pessoas se sentem menos expostas para compartilhar algo que ficaria gravado no perfil nas outras redes sociais.”

Um dos mecanismos disponíveis no Whatsapp que os políticos usarão para as campanhas é a lista de transmissão. Ela permite que a mesma mensagem seja enviada para um grande número de telefones simultaneamente. Contudo, essa forma de campanha só será efetiva se o candidato tiver “permissão” para enviar o conteúdo. “O próprio eleitor deve querer se cadastrar na lista, que deve ser montada de forma orgânica pelos candidatos”, explica Perillo.

As listas, no entanto, nem sempre são orgânicas. Há empresas, donas de grandes bancos de dados, que vendem disparos massivos de mensagens. Quem contrata o serviço paga de acordo com a quantidade de pessoas que quer alcançar, segmentadas por idade, profissão, região onde moram e outras variáveis. O eleitor que estiver em uma lista indesejada tem a opção de bloquear o destinatário e denunciar o número ao WhatsApp, que pode até excluir a conta do número que estiver disparando o spam. “Mesmo que a Lei Eleitoral permita, os termos de uso do WhatsApp proíbem mensagens automáticas”, diz Cerdeira.

Segundo o professor da FGV-Rio, as empresas que vendem disparos massivos contam com uma “fazenda” de celulares e trocam os chips dos aparelhos toda vez que eles são bloqueados. “O chip fica ‘queimado’ quando muitas pessoas marcam sua mensagem como spam”, afirma Cerdeira. “Neste cenário, os candidatos terão de comprar chips, que provavelmente não estarão identificados na conta de campanha deles.”

Outra estratégia é a criação, por parte dos marqueteiros, de grupos de eleitores divididos por região ou temas de interesse, nos quais é divulgado o material de campanha do candidato. Este uso também pressupõe autorização, pois também pode ser denunciado. “Jogar o eleitor no grupo sem sua autorização pode ser um tiro no pé. Grupo é mais para quem está disposto a ouvir, como diretórios do partido e militantes”, avalia Perillo.

Caso Doria

Explorar essa plataforma pode ser um trunfo para a campanha. O prefeito de São Paulo é considerado um exemplo bem-sucedido. Com menos de 1% de intenção de voto nas prévias do PSDB, em 2015, o então pré-candidato contratou a agência de Braga, que criou uma estratégia para promovê-lo pelo aplicativo.

A equipe de Braga passou seis meses rodando pela capital paulista. Em cada bairro que passou, criou grupos dos diretórios regionais do PSDB, por onde divulgava a campanha e mantinha um canal direto com os eleitores. A medida, somada ao apoio político de lideranças da sigla, fizeram de Doria o candidato e, posteriormente, prefeito eleito no primeiro turno.

“Rodamos 25 mil quilômetros batendo de porta em porta, apresentando o João e criando os grupos dos bairros. As pessoas podiam conversar diretamente com ele, que se fazia presente e ouvia as questões da população”, explica Braga. Atualmente, o estrategista do prefeito paulistano mantém 240 grupos, divididos entre região e temas de interesse, como saúde e educação. Ele estima que 17 mil pessoas sejam diretamente impactadas a cada disparo. “Isso fez o João crescer muito rápido. Uma estratégia importante, que usamos até hoje.”

Independente de listas, grupos ou da estratégia de alcance, a maior preocupação dos coordenadores de campanha, segundo Braga, deve ser o conteúdo da mensagem veiculada no aplicativo. “As pessoas querem fazer superproduções e investir fortunas em vídeos do WhatsApp. Isso não faz sentido. Não é TV”, afirma. “É uma ferramenta instantânea. A mensagem tem de ser divertida, rápida e opinativa. Tem de fomentar a discussão.”

Colaborou Caio Sartori