Controle social: como fiscalizar o poder a partir do sofá de casa

Grupos independentes se apoiam nas leis de transparência para acompanhar gestão e gastos públicos no Brasil

Por Lorena Lara

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As entidades de controle social estão se espalhando pelo Brasil e fiscalizando, cada vez mais, os gastos com dinheiro público e as decisões tomadas pelas três esferas de poder. Da execução orçamentária da União até cada uma das notas fiscais apresentadas por deputados e senadores para reembolso da cota parlamentar, a máquina pública está no radar de fiscais-cidadãos que incluem de seres humanos a robôs desenvolvidos com inteligência artificial. Como a robô Rosie, batizada em homenagem ao desenho animado Os Jetsons e conhecida no Twitter como Rosie da Serenata.

A robô que fiscaliza gastos de políticos com verba da cota parlamentar e mobiliza seus seguidores a cobrarem explicações para valores suspeitos é uma agente do controle social, termo utilizado para designar o poder dos cidadãos de fiscalizar e interferir na tomada de decisões das autoridades do Estado. “É o controle da sociedade sobre os atos de governo, sobre os poderes constituídos”, explica o professor do UniCEUB Fernando Aguillar, que é doutor em Direito Econômico.

No Brasil, o controle social surgiu com a Constituição de 1988, que previu a criação de agências reguladoras. À época, foram criados mecanismos legais que garantiam a participação popular, como audiências públicas e submissão de projetos a consultas populares. Mas não houve adesão da população e os mecanismos nunca foram devidamente aproveitados, lembra Aguillar. “As audiências públicas existem, mas quem participa são só as empresas fornecedoras, os concessionários, os sindicatos. Os usuários dos serviços públicos nunca estão lá.”

Na última década, a democratização das tecnologias da informação e a aprovação das Leis de Acesso à Informação e de Transparência impulsionaram um boom de controle social. Foi quando grupos independentes passaram a olhar com lupa os dados que se tornaram acessíveis online. Bem antes da robô Rosie, a ONG Contas Abertas já acompanhava regularmente a execução do Orçamento federal do Executivo, Legislativo e Judiciário. Gil Castello Branco, secretário-geral da organização criada em 2005, diz que o crescimento recente das iniciativas de controle social está ligado aos casos de corrupção. “O legado positivo dos escândalos é a sociedade mais atenta, participativa e disposta a acompanhar a gestão pública”, afirma.

Dinheiro, dados e corrupção
Rosie nasceu de outra ação de controle social surgida em 2016 a partir da equipe da Data Science Brigade, empresa de análise de dados e métricas. Um dos sócios, Leandro Devegili, conta que o grupo buscava uma grande quantidade de dados para testar ferramentas que havia desenvolvido. “Queríamos fazer algo com propósito”, afirma. Eles começaram a buscar dados disponíveis sobre áreas como saúde e educação no Brasil. Ao descobrirem que não existe um sistema unificado com todas essas informações, surgiu a Operação Serenata de Amor.

A robô Rosie foi criada para analisar uma grande quantidade de informações recebidas manualmente pela Câmara dos Deputados para comprovar gastos com cota parlamentar. “Vimos que havia uma grande quantidade de dinheiro envolvida e tivemos certeza de que ali haveria um problema, tanto por corrupção, como por processamento”, explica Devegili. São despesas como transporte, segurança e alimentação cujo reembolso é feito após apresentação da nota fiscal. O total reembolsado varia de R$ 30 mil a R$ 45 mil, de acordo com o Estado que elegeu o parlamentar. Rosie analisa tudo, nota por nota, e alerta os eleitores quando encontra valores suspeitos. Automaticamente, ela recorre ao Twitter para que seus seguidores peçam explicações ao deputado que encaminhou a nota.

Trabalhando sem descanso, Rosie já denunciou 629 reembolsos suspeitos solicitados por 216 deputados diferentes à Câmara. Os gastos superam R$ 378 mil. No caso de gastos com alimentação, a robô considera o valor médio de R$ 32 para uma refeição e já encontrou uma nota fiscal de R$ 6.205 reembolsados por um prato individual. A tecnologia também identificou o caso de dois deputados que pediram o reembolso de 13 refeições em um mesmo dia, além de gastos com bebida alcóolica em Las Vegas, nos Estados Unidos.

Grão em grão
Pode parecer insignificante se comparado ao orçamento total da União, mas a proposta do controle social é justamente fazer a diferença aos poucos. “Medidas pequenas têm um impacto enorme sobre a transparência. Ao aumentar a transparência, você automaticamente tem mais controle social”, resume o especialista Fernando Aguillar. O impacto no comportamento dos parlamentares também vem sendo observado. “Quando um deputado devolve o dinheiro, a chance de ele repetir o erro é mínima. Ele sabe que está sendo observado pela população”, diz Devegili, da Operação Serenata de Amor.

Lúcio Big, que coordena a Operação Política Supervisionada (OPS) e também fiscaliza a cota parlamentar na Câmara e Senado Federal, diz que o envolvimento da população é crucial para o funcionamento do controle social. “O objetivo é fazer tudo isso em conjunto com a sociedade, porque nossa preocupação é que as pessoas façam parte do controle social”, afirma. Aguillar, do UniCEUB, observa que o que faz a iniciativa funcionar é o envolvimento efetivo dos cidadãos, com indignação e cobrança. “Os governantes tentam se safar, mas opinião pública e a imprensa consciente podem exercer maior controle quando os interesses são de ocultar. Por isso que a transparência é importante”, afirma.