Candidatos apostam na polêmica para furar ‘bolhas’ nas redes sociais

Discurso inflamado é estratégia para engajar eleitores por meio da repercussão

Por Matheus Riga e Paulo Roberto Netto

Em apenas um vídeo publicado no dia 24 de novembro, no qual defende uma “lei de abate” para criminosos, o filho do presidenciável Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, alcançou quase 200 mil visualizações, segundo dados do Crowdtangle, ferramenta do Facebook que monitora redes sociais. Durante os protestos contra museus, acusados de promover pedofilia em suas programações, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou a Igreja. Postado no Facebook em 29 de novembro, o vídeo foi reproduzido 50 mil vezes.

O forte engajamento destes perfis é reflexo da chamada “bolha” na qual os eleitores trafegam pelas redes sociais. No Facebook, esses grupos são organizados por um conjunto de algoritmos que destacam os assuntos com os quais o usuário mais interage ou pelos quais tem mais simpatia. Na política, isso significa que, quanto mais curtidas dadas ao post de um candidato, mais vezes o conteúdo dele e visões semelhantes às dele aparecerão em sua timeline.

A consequência disso, segundo o linguista americano Noam Chomsky, é a criação de “câmaras de eco”, nas quais as pessoas são expostas somente a materiais que reforçam seus próprios pontos de vista.

Foto: Mayra Scarpi – 04/08/2017

“As conversas passam a ser priorizadas a partir das preferências pessoais, e não da diversidade de crenças ou opiniões sobre algum fato ou fenômeno”, diz o professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo. “Os polos vão ficando mais armados de uma lógica ideológica, que faz com que os grupos fiquem mais coesos e os acirramentos deixem de conduzir a consensos.”

A atuação polêmica é uma estratégia para furar as bolhas das redes sociais e angariar votos por meio da repercussão, mesmo a negativa. Quando bem feito, o artifício garante que o conteúdo do candidato saia de sua base virtual e chegue a eleitores que não conheciam seus pontos de vista.

“A polêmica faz parte do jogo político”, diz o cientista político Max Stabile, diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados. Segundo ele, os posts polêmicos são elaborados para garantir que a repercussão chegue a eleitores propensos a se identificar com aquelas declarações. “Enquanto a gente está dizendo ‘que absurdo’, tem um monte de gente dizendo ‘opa, acho que esse cara finalmente falou o que eu penso. Vou votar nele!’.”

Vale a pena ser polêmico?

Apesar de não ser regra, o uso da polêmica para garantir repercussão é mais seguro para candidatos ao Legislativo do que ao Executivo. Segundo o cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, o candidato à Presidência precisa dosar o discurso por estar disputando a maioria dos votos, enquanto o candidato à Câmara dos Deputados pode discursar apenas para sua própria bolha virtual.

“Na eleição majoritária, o lugar da paixão é menor, você tem de agradar um público amplo e, forçosamente, tem de abrir a agenda”, afirma. “Na eleição parlamentar, não. O candidato pode abusar de um discurso mais extremado e até xenófobo, a depender do perfil.”

Segundo Teixeira, os candidatos ao Legislativo podem ser eleitos sem precisar sair das bolhas durante a campanha, discursando apenas para a própria base. “Basta ver que uma das bancadas que mais cresceu ultimamente foi a da bala, que tem um apelo emocional muito forte”, diz, referindo-se ao bloco de 272 deputados que participam da Frente Parlamentar da Segurança Pública e defendem pautas conservadoras.

Foto: Evelson de Freitas/Estadão – 16/12/2013

Apesar do risco, a escolha pelas postagens polêmicas vale a pena quando o discurso for relacionado a temas passionais, como segurança pública e corrupção. “As pessoas aceitam certas posições extremadas com muita facilidade porque muitas são condizentes com a opinião delas”, diz o cientista político Humberto Dantas, coordenador de pós-graduação do Centro de Liderança Política. “O candidato só precisa ter muito cuidado e uma capacidade bastante razoável de saber com quem ele está falando.”

Para as próximas eleições, Dantas acredita que nem todos seguirão o caminho da polêmica, mas alguns temas serão polarizados na campanha em redes sociais. “É muito esperado que aconteça a construção consistente de estratégias radicais em relação a determinados posicionamentos, sobretudo no campo moral, ético e religioso.”

O fenômeno das bolhas também é um dos fatores que contribui para o aumento da propagação de fake news nas redes sociais. Além disso, é a partir deste modelo de organização que o Facebook seleciona o público de seus anúncios. Com a regulamentação do conteúdo patrocinado no pleito do ano que vem, esses grupos serão o foco dos deputados que querem ir além de seus nichos e atingir novos públicos sem polemizar.

“A bolha é uma espécie de maldição a que todos nós estamos condenados para que o Facebook lucre de forma alta e a gente seja refém da política de anúncio”, diz o pesquisador Malini, do Labic, que defende a regulação da rede social.