Toda história de vida tem uma trilha sonora, não é mesmo? Então, um especial como este não poderia deixar de incluir as canções que tratam da passagem do tempo, um tema clássico, sobre o qual se debruçaram compositores e intérpretes do mundo todo. O Focas separou 27 músicas nesta playlist no Deezer. Da música romântica ao rap. Da década de 1940 aos dias de hoje. Um agradecimento especial à equipe da rádio Eldorado.
Por que escolhemos as 14 brasileiras:
Meus Vinte Anos, de Nelson Ângelo e Joyce (1972):
Composta em 1942 pelas lendas do rádio Silvio Caldas e Wilson Batista, a canção marcou uma tendência na música brasileira: ao tratar da velhice, as letras assumem um tom saudosista, quase de desalento: “O retrato na sala/faz lembrar com saudade/a minha mocidade”. Em 1972, Nelson ngelo regravou a canção, com a cantora Joyce.
O Tempo no Tempo, dos Mutantes (1968):
Está lá, no Panis et Circensis, primeiro disco da banda: O tempo no tempo é uma versão brasileira de Once Was a Time I Thought, do The Mamas and The Papas.A rapidez dos vocalistas pode assustar, mas a música carrega um quê de cômico. “Há sempre um tempo no tempo em que o corpo do homem apodrece / e sua alma cansada, penada, se afunda no chão”.
Degraus da Vida, de Nelson Cavaquinho (1970):
Um dos maiores sambistas de seu tempo, Nelson desenvolveu um estilo único de tocar - e letras incrivelmente tristes. Uma delas, em seu disco Depoimento do Poeta, é quase um desabafo: “Sei que estou no último degrau vida, meu amor / e aí estou envelhecido, acabado, por isso muito eu tenho chorado”.
Brigitte Bardot, de Tom Zé (1973):
Em seu seminal Todos os Olhos, famoso pela polêmica capa, Tom Zé explora a velhice de um sex symbol de sua época, a atriz francesa Brigitte Bardot. Em um tom quase galhofeiro, o autor afirma que ela “envelheceu antes dos nossos sonhos” e questiona: “Será que algum rapaz de vinte anos vai telefonar na hora exata em que ela estiver com vontade de se suicidar?”. Hoje, Brigitte está com 82 anos - e continua linda.
Velha Roupa Colorida, de Belchior (1976):
“Alucinação”, o álbum de estreia do cearense Antônio Carlos Belchior, é um dos mais influentes e duradouros discos da música brasileira. “Você não sente nem vê/ mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo/ que uma nova mudança em breve vai acontecer”. Com referências a Edgar Allan Poe, Beatles e Dylan, Belchior expressa: “precisamos todos, rejuvenescer.”
Sapato Velho, de Roupa Nova (1981):
Uma das bandas mais populares do Brasil desde a redemocratização, o grupo carioca começa seu primeiro disco com um questionamento: “Você lembra, lembra / daquele tempo / eu tinha estrelas nos olhos / um jeito de herói / Era mais forte e veloz / que qualquer mocinho / de Cowboy”. A música encerra com um tom otimista: “Talvez eu seja simplesmente como um sapato velho, mas ainda sirvo se você quiser”.
O homem velho, de Caetano Veloso (1984):
O eterno baiano filho de dona Canô nunca desapontou em meio século de música. Como nesta canção. Presente no disco Velô, a música tem ritmo cadenciado e letra com conteúdo bem claro: “O homem velho é o rei dos animais / a solidão agora é sólida, uma pedra ao sol / as linhas do destino nas mãos a mão apagou / ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock’n’roll / as coisas migram e ele serve de farol”.
Não Vou me Adaptar, dos Titãs (1985):
“Eu não tenho mais a cara que eu tinha/ no espelho essa cara já não é minha”, canta um meio-revoltado-meio-conformado Arnaldo Antunes, neste clássico do disco Televisão. Você ainda vai ouvir Arnaldo Antunes mais pra frente (ele parece gostar de escrever sobre isso).
Sobre o Tempo, do Pato Fu (1995):
Os mineiros do Pato Fu tem uma forte identidade com a música dos anos 1990. Em uma época em que a sociedade começava a pensar para onde ia, a banda liderada por Fernanda Takai tirou três minutos e meio do seu disco Gol de Quem? para pensar sobre o tempo e sua inevitável passagem: “Tempo amigo seja legal/ conto contigo pela madrugada/ só me derrube no final”.
Sr. Tempo Bom, de Thaíde e DJHum (1996):
Antes do estouro dos Racionais Mc’s, o rap brasileiro nem sempre foi contestação social. E Thaíde, junto com DJHum, eram desses para trazer músicas para dançar. Usando a base de um sucesso de Jean knight, Mr. Big Stuff, Thaíde rememora sua infância. “Que saudade do meu tempo de criança, quando eu ainda era pura esperança.”
O Velho e o Moço, dos Los Hermanos (2003):
Para críticos e fãs, o Los Hermanos permanece influente até hoje. No disco Ventura, de 2003, a letra de O velho e o Moço pode deixar o ouvinte pensando: seria sobre um homem a aceitação de sua velhice para sua família? “Sei do escândalo/ e eles têm razão / quando vêm dizer que eu não sei medir / nem tempo e nem medo”.
A Missa, do Mombojó (2004):
Em seu álbum de estreia, a banda pernambucana fala sobre a morte de uma maneira rápida, mas extremamente poderosa, em sua canção A Missa. “Um dia todo mundo vai morrer / eu quero saber o que vai acontecer / quando esse dia chegar e se você não estiver / a me esperar para me dizer como foi lá”.
Envelhecer, de Arnaldo Antunes (2009):
Esta é, provavelmente, a música mais alegre sobre envelhecer. Composta para o disco Iê Iê Iê, quando estava perto de completar 50 anos, o cantor afasta o pessimismo associado à idade. “Não quero morrer pois quero ver / como será que deve ser envelhecer / eu quero é viver pra ver qual é /e dizer venha pra o que vai acontecer”.
Oração ao tempo, de Djavan (2010):
Um dos maiores poetas da música popular brasileira, Djavan regravou para o disco Ária (2010) esta música composta por Caetano Veloso em seu Cinema Transcendental (1979). Aqui se ouve o diálogo do homem contra a força invencível do tempo: “És um senhor tão bonito / quanto a cara do meu filho / tempo tempo tempo tempo / vou te fazer um pedido”.
E por que escolhemos as 13 internacionais:
My Generation, do The Who (1965):
Cinquenta e dois anos depois do lançamento, o primeiro sucesso dos britânicos do The Who permanece como símbolo jovem de toda a geração baby boomer. A letra é irônica e os instrumentos, poderosos. A música conta com um dos versos definitivos dos anos 1960: “Espero morrer antes de ficar velho”.
Wouldn’t it be Nice?, dos Beach Boys (1966):
Em uma época em que poucos se preocupavam em virar idosos, a banda liderada por Brian Wilson escolheu a música para abrir o Pet Sounds, o principal disco da banda. Ela não fala sobre idosos, mas sim como duas crianças sonham ficar velhos. “Não seria legal se fôssemos velhos / e então não tivéssemos de esperar tanto?”.
When I’m Sixty-four, dos Beatles (1967):
Sir Paul McCartney, com a pequena ajuda de seus amigos, compôs essa canção para o legendário Sgt. Peppers’ Lonely Hearts Club Band, um alegre momento para quando o cantor tivesse 64 anos. “Quando eu ficar mais velho / perdendo meu cabelo, daqui a muitos anos / você vai me enviar um presente de dia dos namorados, aniversário ou uma garrafa de vinho?”
Old Man, do Neil Young (1972):
Em Harvest, o aclamadíssimo disco do canadense Neil Young, há uma situação incomum. Um jovem desabafa com alguém mais velho: “Velho senhor, olhe para a minha vida / 24 anos e há muito mais”. O refrão, com o rasgo anasalado de Neil Young, apela: “Velho homem, olhe para a minha vida / eu sou muito parecido com o senhor”.
Time, do Pink Floyd (1973):
Uma das partes integrantes do Dark Side of The Moon, disco de 1973 que inseriu o quarteto inglês na história da música, Time fala sobre o tempo, inclusive o tempo que a vida leva embora. “E então um dia você descobre / dez anos ficaram para trás / E ninguém te contou quando correr, você perdeu o tiro de largada”.
I Think I’m Going Bald, do Rush (1975):
Se você juntar solos de guitarra potentes, roupa estranha e letra muito “cabeça”, você encontrou o trio canadense do Rush. Nessa canção do terceiro disco da banda, o narrador “se olhou no espelho hoje, os olhos não pareciam tão brilhantes, tinha perdido alguns fios de cabelo e achava que estava ficando careca”. Apesar do humor da coisa, para ele resta apenas lamentar que a vida “esteja escorrendo” e ele “esteja envelhecendo a cada dia”.
Time, do Alan Parsons Project (1980):
O engenheiro de som do Pink Floyd durante as gravações de Time era o britânico Alan Parsons, que depois fundou sua banda de rock progressivo. Nesta música, ele trata a morte de forma bastante poética: “Mas o tempo continua fluindo / para todo o sempre / até ter ido / para sempre / para todo o sempre”.
Veronica, de Elvis Costello (1989):
Veronica, uma das várias mulheres a darem nome às músicas de Elvis Costello, é um caso especial: o cantor não fala explicitamente, mas dá a entender que a personagem sofre do mal de Alzheimer. “Estes dias eu não tenho certeza / se ela mesmo sabe / que seu nome é Veronica”.
Being Boring, do Pet Shop Boys (1990):
Os anos 1990 trouxeram à tona a Geração X, mais reflexiva que a anterior. O duo inglês do Pet Shop Boys expressou bem esse sentimento ao falar das memórias de que tinha uma vida bastante movimentada. “E nunca nos atemos ou nos preocupamos que o tempo chegaria ao fim”.
Help the Aged, do Pulp (1997):
“Ajude os mais velhos” é talvez, entre todas as músicas escolhidas aqui, a que tem mensagens mais diretas. Alguns versos cantados pela banda inglesa: “Ajude os mais velhos, um dia eles foram assim como você”; “Enquanto isso, tente esquecer que nada dura para sempre” ou então “Você pode pintar seu cabelo, mas isto é a única coisa que você não poderá mudar”.
We’ll Meet Again, de Johnny Cash (2003):
Em seus últimos discos em vida, Johnny Cash gravou uma série de covers, incluindo Hurt, que atualmente é uma de suas performances mais famosas. Mas na voz de Cash, este clássico de 1939 composto por Vera Lynn deixou de ser um hino de resistência da 2ª Guerra para virar uma canção entre dois velhinhos. Há quem acredite que sejam ele e sua mulher, June Carter. “Nós vamos nos encontrar, não sei onde, não sei quando, mas vamos nos encontrar novamente, em um dia de sol”.
I Will Follow you Into the Dark, do Death Cab for Cutie (2005):
O que você diria para a pessoa que você mais ama, caso tenha de tratar da morte? Talvez essa música dos norte-americanos do Death Cab seja uma inspiração. “Meu amor, um dia você irá morrer, mas eu estarei do seu lado e eu te seguirei rumo à escuridão” ou “Você e eu vimos tudo que há para ser visto, de Bangcoc a Calgary, assim como as solas de nossos sapatos”.
The Suburbs, do Arcade Fire (2010):
Do vencedor do Grammy de melhor disco em 2011 vem a reflexão de um narrador na meia idade, pensando sobre sua infância nos subúrbios americanos. Tudo isso com a singela solidez dos canadenses do Arcade Fire. “As crianças querem ser tão duronas / mas em meu sonho ainda estamos gritando e correndo pelo jardim”. Uma curiosidade. No fim do disco, a música volta para breve reprise, em que o narrador se questiona: “Se eu tivesse ter de volta todo o tempo que desperdicei, só para desperdiçá-lo de novo?”. A resposta vem em tom de confissão: “Você sabe que eu amaria desperdiçá-lo de novo, e de novo, e de novo”.
*Agradecimentos a Juliana Mezzaroba e Emanuel Bonfim / Rádio Eldorado