Principal ocupação entre os idosos, o trabalho por conta própria está perdendo força entre a faixa etária mais velha que continua ativa. A boa notícia é que os trabalhadores com mais de 60 anos estão crescendo de participação em carteira assinada e como empregadores. Isso também entre os idosos que estão ocupados. A mudança está escondida nos microdados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Trimestral Contínua, do IBGE. No 1° trimestre de 2012, metade dos idosos ocupados era microempreendedor, formal ou informal. No mesmo período de 2017, da força de trabalho ocupada com mais de 60 anos, são 42,5% trabalhando por conta própria.
Economistas dizem que uma das razões para essa alteração é o aumento da longevidade, que leva o idoso a atrasar a saída do mercado de trabalho. O envelhecimento da população, que naturalmente adiciona pessoas empregadas na faixa etária acima de 60 anos, também é uma das causas, assim como a ainda tímida, mas crescente, contratação da população mais velha pelas empresas. “Daqui para frente, por vários motivos, vamos ter cada vez mais idosos assalariados no mercado de trabalho”, afirma a economista Maria Andreia Lameiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O trabalhador por conta própria é aquele que tem seu próprio negócio, com sócios ou não, mas sem empregados. Professor do Insper e pesquisador de economia do trabalho, Sergio Firpo explica que o microempreendedorismo se torna uma opção à difícil inserção dos mais velhos no mercado assalariado. Além disso, a ocupação oferece horários flexíveis e complemento de renda práticos para quem já é aposentado.
A diminuição do peso do conta própria no perfil de ocupação aconteceu exclusivamente na faixa etária mais avançada, de maneira gradual. Enquanto nas outras faixas etárias a proporção de pessoas que trabalham como microempreendedores oscilou durante os últimos cinco anos, no grupo acima dos 60 diminuiu gradualmente do 1° trimestre de 2012 para o mesmo período de 2017.
Parte da população idosa ativa também está se tornando empregadora: nos últimos cinco anos, passou de 7,7% para 9,3%, em relação à população com mais de 60 ocupada. “Se a pessoa está na categoria conta própria e resolve ir para o Simples para contratar um ajudante, ela vira empregadora”, explica Maria Andreia.
Potenciais riscos
Mas como o trabalhador está ficando mais tempo no mercado de trabalho e esperando mais para se aposentar, a ideia de se ocupar como conta própria tende a ficar mais dispersa e arriscada entre os idosos. Um desses riscos está associado ao rendimento do conta própria, que é diretamente influenciado pelos ciclos econômicos. “Esse trabalhador depende da sua própria capacidade de gerar negócio, de fazer pequenas vendas, comercializar seus produtos e serviços. A sua renda sai da própria atividade econômica”, explica o economista Adriano Pitoli, da Tendências Consultoria Integrada.
Quando trabalhava como conta própria, a aposentada Monika Feldenheimer, de 69 anos, tinha dificuldades para equilibrar as contas de seu pequeno negócio. Ela vendia biscoitos artesanais para complementar a renda, mas ganhava muito pouco com a atividade. “Se você cobrar muito caro, ninguém compra. Se você cobrar barato, vai trabalhar de graça”, conta. Além disso, ela achava complicado cuidar de tudo sozinha. Em março deste ano, Monika resolveu se candidatar a uma vaga na área de atendimento do site Reclame Aqui, após sua filha ter lhe mostrado o anúncio da empresa que dizia “Contratamos Sua Avó”. Ela não acreditava que voltaria a conseguir um emprego nesta fase da vida. “Eu nem arriscava tentar. Pensava ‘quem vai selecionar uma mulher de 69 anos?’”. Hoje, ela trabalha em uma equipe composta quase inteiramente por jovens.
Monika não está sozinha: a proporção de trabalhadores empregados com mais de 60 anos passou de 24,3% no setor formal ou informal para 27% do total, na comparação entre o 1° trimestre de 2012 e o mesmo período de 2017. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), divulgados pelo Ministério do Trabalho, mostram que a massa de trabalhadores idosos ocupando vagas formais de emprego cresceu 58,8% nos últimos cinco anos. Em 2010, 361,4 mil nessa faixa etária eram formais, em comparação com 574,1 mil em 2015. Os números do IBGE também mostram que quem puxou a elevação no número de idosos empregados foi o assalariado com carteira de trabalho assinada, que cresceu 37,6% entre 2012 e 2017.
O anúncio “Contratamos Sua Avó” resultou em duas contratações na Reclame Aqui. Junto com Monika, Elisabete Aleo, de 62, também passou a integrar o quadro de funcionários da empresa em abril deste ano. Secretária há 11 anos numa escola técnica estadual, Elisabete desesperou-se quando soube que o espaço iria fechar. “Eu ganho um salário mínimo como aposentada, viver só com esse dinheiro seria muito difícil para mim.” Em duas semanas, candidatou-se à vaga no Reclame Aqui e foi contratada. “Eu tive uma sorte do tamanho do mundo”, diz Elisabete.
A necessidade de complementar a renda da aposentadoria é um dos motivos citados pelos especialistas para explicar o retorno dos mais idosos ao trabalho. Sérgio Firpo, do Insper, também cita a retenção desse grupo no mercado de trabalho. Essa, diz o economista, é a principal causa para a redução proporcional de idosos na categoria conta própria.
Incrementar a aposentadoria e continuar na ativa são os motivos de Hélio Raymundo de Sousa, 77 anos, trabalhar há 13 na rede de fast-food Pizza Hut. O atendente sempre trabalhou em restaurantes. Quando se aposentou, não quis ficar parado. Fez “bicos” por um ano, mas queria arrumar um emprego fixo. “Não foi fácil depois dos 60 anos, até para conseguir os trabalhos extras. Mandei currículo para vários lugares, fiz entrevistas, ninguém me chamou”. Em 2004 conseguiu o emprego no Pizza Hut, que tem programa de contratação de pessoas mais velhas entre os franqueados da Grande São Paulo. “Eu tinha a experiência também. E meu objetivo é garantir pelo menos um salário e meio. Mil reais por mês, para quem ganha aposentadoria, ajuda pra caramba”.
Há também o caso dos que nem se aposentam e continuam trabalhando. Coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo explica que, além do aumento natural de pessoas empregadas com mais de 60 anos, os trabalhadores estão escolhendo não se aposentar cedo para não perder renda. “Acontece que as pessoas estão envelhecendo, e outras que deveriam sair do mercado para se aposentar não estão”, comentou Azeredo sobre as mudanças no perfil da população idosa ocupada.
Preconceito ainda existe
As histórias de contratação na terceira idade tendem a crescer nos próximos anos, mas há muitos desafios para a absorção dessa população. A economista do Ipea Ana Amélia Camarano, especializada em envelhecimento demográfico, explica que o preconceito com os trabalhadores de mais de 60 anos faz a taxa de desemprego deles, por exemplo, crescer bem mais em tempos de recessão econômica. Entre o primeiro trimestre de 2014 e o mesmo período de 2017, a porcentagem de idosos desocupados teve o maior aumento entre todas as faixas etárias. Cresceu 119%, passando de 2,0% para 4,6%.
Maria Andreia Lameiras, também do Ipea, acredita no aumento da contratação e diminuição da rejeição aos idosos no mercado de trabalho, confirmando as mudanças na composição de trabalho entre os mais velhos. “No mundo inteiro, a tendência de empregar pessoas mais idosas já é uma praxe, e não só porque a população está envelhecendo, mas porque realmente há essa política de inclusão.”
Empresas inteligentes já perceberam que é interessante usar a experiência dos idosos em suas atividades, adaptando-se à nova realidade através de reciclagens e aperfeiçoamento contínuo dos trabalhadores, diz o professor da Escola de Saúde Pública de Andaluzia, na Espanha, Alexandre Kalache. “O empregador ainda vive a ilusão de que tem uma oferta eterna de jovens talentosos. Isso acabou, temos cada vez menos mão de obra adulta.”
Para facilitar, a saída pode estar na flexibilização do trabalho para o idoso. Isso poderia impulsionar o movimento de maior contratação e formalização do idoso ativo, diz o economista Gesner Oliveira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e fundador da consultoria GO Associados. Ele defende adaptações trabalhistas para reduzir a informalidade. “Há várias empresas que gostariam de contratar e vários idosos que gostariam de estar trabalhando”, diz o economista. “Seria muito melhor se houvesse um regime especial.”
Enquanto isso, circula em Brasília um projeto de lei desenvolvido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP, junto com o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon. A proposta cria o Regime Especial para o Trabalhador Aposentado (Reta), apresentada ao presidente Michel Temer, que passou o projeto para Advocacia-Geral da União, e agora espera a resposta do governo para tramitar.