Recomendação unânime dos especialistas em finanças pessoais, os planos de previdência privada vêm ganhando espaço conforme o brasileiro se depara com as incertezas da aposentadoria oficial. Enquanto o governo discute a reforma da Previdência Social, com uma série de mudanças de regras, a contratação de planos particulares está em plena expansão. No primeiro trimestre de 2017, os valores aportados aos planos abertos - os fechados são os oferecidos por empresas aos seus funcionários - aumentaram 29,8% em relação ao mesmo período de 2016, segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), atingindo cerca de R$ 28 bilhões.
Desde o ano passado, é possível obter retornos mais vantajosos na previdência. Com um risco maior, claro. A resolução nº 4.444, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional no fim de 2015, passou a permitir uma parcela maior de renda variável nas carteiras previdenciárias, de até 70%, inclusive com a compra de ações no exterior.
A possibilidade de, ao fim do plano, transformar seu patrimônio em uma renda garantida tem sido muito requerida por dar segurança e liquidez maior que em outros tipos de investimento. Pode-se optar por depósitos programados, renda com prazo certo ou renda vitalícia, e indicar beneficiários em caso de falecimento.
O diretor de Investimentos do Itaú Unibanco, Cláudio Sanchez, diz que seus clientes, de maneira geral, não escolhem o resgate total. “Eles parecem preferir fazer resgates parciais, programados ou não, de forma que tenham um mínimo de gestão dos seus recursos, retirando o dinheiro à medida que vão precisando.” Quando o cliente opta pela transformação em renda, o valor total acumulado passa a ser da empresa que administrou o produto e é firmado um contrato com os termos dos pagamentos que serão feitos.
Aposentado, o casal de médicos autônomos Anaís Nazaré Pinheiro da Fonseca, de 71 anos, e Heráclito Barbosa da Fonseca, de 73, já está na segunda previdência privada. “Quando venceu o primeiro plano, escolhemos receber uma renda vitalícia. É uma complementação à previdência do governo, e sempre que sobra um pouquinho colocamos no plano novo”, conta Anaís.
Mesmo ela e o marido tendo contribuído o suficiente para receber o teto da aposentadoria do INSS, o valor hoje não cobre os gastos que eles têm. “Esse máximo é muito pouco. A renda é uma garantia de que conseguiremos pagar o plano de saúde, que é caríssimo e só aumenta, e os remédios. Sem isso, não conseguiríamos viver”, conta a médica infectologista. “Quanto mais velho a gente fica, menos a gente tem condição de ganhar dinheiro e mais tem de gastar.”
Gerente de Relacionamento Previdência da Zurich Seguros, Débora Storck, de 33 anos, adota em sua vida pessoal a recomendação que faz a seus clientes para investir neste tipo de produto. Na realidade, faz mais que isso. Ela não tem apenas uma previdência ativa, mas duas. Tem um plano fechado e outro aberto por sua própria conta. Os objetivos de cada um são distintos: o empresarial, que ela tem há quatro anos, será sua aposentadoria. O outro é para gastos eventuais.
Este é o segundo plano aberto de Débora. O primeiro, ela resgatou antes do fim. “Eu e meu marido compramos uma casa e iríamos precisar fazer um empréstimo. Em vez de tomar crédito, preferi retirar o valor da minha aplicação”, conta.
Investir em planos subsequentes, porém, requer cálculos. “Recomendo jogar a data pretendida de aposentadoria o mais longínqua possível, porque você pode depois adiantar essa idade”, diz o presidente da Rumo Consultório Financeiro, Caio Cunha. Um investimento novo numa tabela regressiva, por exemplo, iria requerer novamente os dez anos para atingir o imposto mínimo de 10% cobrado sobre os aportes. Enquanto isso, um plano de maior duração terá mais tempo operando nessa porcentagem.
Cuidado com o efeito loteria
O eterno dilema entre gastar ou poupar não se aplica somente quando a grana é curta, mas também quando ela é muita. O chamado “efeito loteria”, a ilusão de estar rico diante de uma quantia grande a resgatar, é uma preocupação dos planejadores financeiros, que aconselham contra a tentação de sacar todo o valor no vencimento da previdência privada.
No momento de usufruir de sua aplicação, há diversos aspectos que devem ser levados em conta, especialmente para quem está próximo da aposentadoria pela Previdência Social. “Nessa fase da vida, as pessoas ainda são muito ativas, com até segunda e terceira carreiras”, avisa o consultor da BrasilPrev, Sandro Bonfim. “No entanto, conforme a idade avança, a autonomia diminui e a utilização de recursos é cada vez maior. O ideal é usar pouco a pouco a reserva.”
Bonfim conta que, como a maioria das pessoas não consegue reverter seus investimentos em rendas muito elevadas, resolve retirar a quantia de uma vez. “Fazemos pesquisas qualitativas com nossos clientes e vemos que muitos usam o dinheiro para aumentar o padrão de vida rapidamente. É muito arriscado. Falta educação financeira adequada para gerenciar esse recurso.”
É uma questão de perspectiva, avalia a pedagoga Dora Casimiro, de 51 anos, que decidiu mudar a forma como enxergava o dinheiro que tinha aplicado num plano previdenciário. Após receber uma herança, ela fez esse investimento, preocupada com sua segurança financeira, como manda a cartilha dos especialistas. Mas decidiu não continuar. “(O dinheiro) não chegou a ficar lá nem dois anos. Tive de fechar minha loja de brinquedos educativos por causa da crise e pensei: ‘Não vou ficar guardando esse dinheiro esperando uma eventualidade negativa.”
Mesmo surpresa com os rendimentos até então, em julho de 2016, retirou o montante e foi viajar sozinha pela Europa por três meses, passeando por diversos países. “Fui aprender, conhecer mais. Foi uma experiência maravilhosa. Queria aproveitar enquanto consigo visitar todos os museus, subir todos os degraus.”
Pode-se chamar a experiência de Dora de um investimento em capital humano. E, quando retornou ao Brasil, com o que restou de sua previdência, o dinheiro voltou a ter rendimento. “Mudei de aplicação, coloquei em ações e no CDB.”