De um lado, os filhos que permanecem em casa por mais tempo. De outro, os pais idosos com maior expectativa de vida. No meio, adultos de meia idade financeiramente achatados com a necessidade de garantir renda suficiente para as demandas familiares, tendo ainda a perspectiva de trabalhar por mais anos com a reforma da Previdência. O fenômeno da geração “sanduíche”, já conhecido em países de economia desenvolvida, tem se intensificado no Brasil diante do aumento da longevidade e do agravamento do desemprego estrutural entre jovens.
Nos últimos três anos, a recessão doméstica quase duplicou a desocupação entre brasileiros de 18 a 24 anos. Entre o primeiro trimestre de 2014 e os três primeiros meses de 2017, a taxa de desemprego nesta faixa etária saltou de 15,8% para 28,8%. A saída tem sido prolongar a permanência na casa dos pais para investir nos estudos e ganhar em competitividade no mercado de trabalho. Uma pesquisa realizada pela Kantar Worldpanel indicou que um terço das famílias maduras, cujo principal comprador tem mais de 50 anos (18% das famílias), ainda tem um filho com mais de 29 anos em casa.
Na outra ponta, a quantidade de brasileiros entre 40 e 59 anos cuja mãe mora na mesma habitação subiu mais de 50% entre 2005 e 2015. São nada menos que 4,26 milhões de famílias, segundo dados do Banco Multidimensional de Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “As mulheres idosas, por viverem mais que os homens, têm uma tendência de ir morar com os filhos ou com parentes de uma maneira geral. Elas cuidam de seus maridos e, quando eles morrem, um de seus filhos vai morar com elas ou elas vão morar com um filho”, explica Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e autora do livro Cuidados de Longa Duração para a População Idosa: um novo risco social a ser assumido? (Rio de Janeiro, Ipea, 2010).
Rosa Maria Peixoto, hoje com 89 anos, foi morar com a filha quando tinha 80. A médica Andrea de Almeida, de 45, paga o plano de saúde e os remédios da mãe, além de acompanhá-la em exames e nas cirurgias que já precisou fazer. “Ela já infartou. Fez cirurgia cardíaca, e eu fiquei afastada do trabalho por 15 dias”, conta. Em sua casa, moram ainda o marido, André Luis de Almeida, e os dois filhos, Felipe, de 14 anos e Rafael, de 11. Andrea é funcionária pública, mas explica que sempre pagou uma previdência privada porque o valor do benefício no futuro não será o suficiente para pagar as contas da casa.
A tendência é a situação se agravar, prevê a professora Jordana Cristina, doutoranda em Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No último Censo do IBGE, destaca a pesquisadora, a proporção de pessoas entre 40 e 60 anos que tinham mãe viva cresceu de 43% para 54% entre 1980 e 2010, representando 25 milhões de brasileiros. “São pessoas em potencial para estar na situação de ensanduichamento. Mas não é só a mãe que gera demanda. Ela pode vir de um pai, um sogro, uma sogra”, diz Jordana.
A previsão do IBGE é que a população idosa triplicará em 40 anos, alcançando 66,5 milhões de pessoas em 2050 - quase um terço do total de brasileiros (29,3%). O Estado, diz a pesquisadora, precisa se envolver nesse debate e oferecer o amparo para o cuidado com a população idosa. “É papel do Estado fornecer estrutura e ações de apoio ao cuidado do idoso. Se o governo agisse dessa forma, diminuiria as possíveis demandas geradas sobre esse grupo de adultos.”
A mulher, segundo ela, fica em uma situação mais propensa ao achatamento, com efeitos negativos em seu rendimento no trabalho. “A responsabilidade quase sempre é da mulher. Falamos sobre como os filhos afetam a participação da mulher no mercado de trabalho, mas falamos muito pouco de como os idosos vão afetar a participação da mulher no mercado de trabalho.”
A professora paranaense Eleni Sandra Oliveira, de 52 anos, é divorciada e trabalha na rede estadual de ensino. Responsável por sustentar a filha Keila, de 22 anos, e o filho Fernando, de 14, Eleni também ajuda financeiramente a mãe Elena, de 85 anos. Com renda líquida de R$ 5 mil, ela arca com a pós-graduação da filha, a escola do filho e o plano de saúde da mãe. Tudo isso consome mais de 60% do orçamento mensal de Eleni, e provavelmente impedirá que a professora pare de trabalhar após a aposentadoria, daqui a três anos e meio. “Quando me aposentar, eu devo perder pelo menos R$ 700 do orçamento. Estou pensando seriamente em me jogar novamente no mercado de trabalho depois disso.”
A diretora executiva da Senior Concierge, Marcia Sena, diz que a maioria das famílias não conversa sobre o processo de envelhecimento. Isso faz com que normalmente as pessoas só percebam que os pais precisam de cuidados quando estes sofrem algum tipo de acidente, como uma queda, ou quando recebem o diagnóstico de uma doença mais grave. “Na hora da emergência é que se descobre que tipo de renda o pai tem, se existe algum investimento, algum seguro. O ideal é ter o quanto antes esta conversa, conseguir planejar tudo isso, tomando medidas preventivas”, aconselha a executiva da empresa, especializada em serviços de suporte a pessoas com mais de 60 anos.
Boa parte dos brasileiros já economiza para pagar os estudos dos filhos, mas ainda tem dificuldade em se preparar para auxiliar os pais. “A pessoa pode pôr em risco tudo o que economizou, o futuro dos seus filhos, porque não colocou no planejamento uma poupança para os pais”, alerta Marcia. O carioca Henrique Lima, de 41 anos, já se prepara para este cenário. O analista de sistemas contribui com 15% do seu orçamento para as demandas da casa, onde mora com o pai, de 74 anos, a mãe, de 75, e o irmão, de 47. Atualmente, porém, seu maior investimento é com a educação da filha Gabriella, de 14 anos, que mora com a ex-mulher. E tudo isso já faz diferença na sua rotina de trabalho. “Geralmente, quando acontece algum imprevisto e precisamos sair pra resolver, na volta já não temos o mesmo rendimento de antes no trabalho.”
Nas palestras que faz sobre o tema, Marcia Sena mostra os impactos da geração sanduíche no mercado de trabalho nos Estados Unidos e no Canadá. Os cálculos apontam para um prejuízo de US$ 25 bilhões por ano, nos EUA, em função de faltas, menor produtividade e mais despesas médicas por estresse, problemas cardíacos e outros sintomas. Lá, 70% dessa geração precisa se ausentar do trabalho em algum momento para cuidar dos pais idosos. Além disso, um em cada sete adultos nessa faixa etária arca financeiramente com a criação de um filho e o suporte dos pais ao mesmo tempo, afirma a executiva.
A secretária Cristina Cardozo, de 47 anos, já precisou sair no meio do expediente para levar a mãe ao hospital e para realizar exames de rotina. Desempregada há quatro meses e com um filho de 14, ela continua a contribuir para pagar as contas da mãe Floripe, de 74, com parte da venda de doces e lembrancinhas que sempre fez para complementar a renda. Os pais moram com o irmão Edgard, de 38 anos, que divide os custos com Cristina. “Como estou desempregada, estou ajudando um pouco menos. Mas se precisar, eu tiro do que eu tenho para os medicamentos dela.”