Os volumosos montantes investidos no ensino superior nos últimos anos não elevaram a qualidade da educação no País. Na avaliação do coordenador do Centro de Políticas do Insper, Naercio Menezes, analisar o nível do ensino básico e os problemas institucionais do Brasil são fundamentais para entender o que deu errado no processo. “É muito difícil esperar que um aumento de ensino superior se reverta em avanço de produtividade quando tudo ao redor está basicamente podre”, afirma.
Os pesados investimentos federais em programas de acesso ao ensino superior, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), foram uma escolha equivocada, na opinião de Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). “As despesas com educação têm aumentado bastante, mas isso não tem repercutido em termos de resultado, em termos de aprendizado.” Para a economista, a baixa qualidade da educação superior dificulta a ascensão social da população mais humilde, que entra na faculdade apostando em melhores oportunidades de vida.
Os desembolsos do Fies cresceram expressivamente desde 2010, quando regras mais flexíveis para o programa foram adotadas. Os R$ 880 milhões gastos naquele ano subiram para R$ 19,2 bilhões em 2016, em termos nominais. No final do ano passado, o saldo de operações de empréstimos concedidos pelo Fies totalizou R$ 61,9 bilhões.
A insatisfação com o formato atual motivou a proposta de reformulação do programa, anunciada no início de julho. Ela será enviada ao Congresso Nacional através de Medida Provisória. No Novo Fies, o pagamento do financiamento será descontado automaticamente após o estudante terminar o curso e conseguir um emprego formal. "Tínhamos um rombo fiscal sem controle e imprevisível, com inadimplência elevada na carteira, de 46,4%”, disse o ministro da Educação, Mendonça Filho, durante o anúncio.
A situação expõe a dificuldade dos estudantes de classes de renda mais baixas, que majoritariamente só conseguem acessar o ensino superior privado através do crédito, em reverter os anos de estudo em ganhos salariais suficientes. De acordo com relatório do Ministério da Fazenda divulgado juntamente ao Novo Fies, a projeção para os custos com o calote de alunos ingressantes no programa entre 2010 e 2016 pode chegar a R$ 11,1 bilhões em 2024. Os cálculos foram feitos com base nos fluxos financeiros dos contratos firmados no período.
O relatório também aponta que o programa fechou contrato com pessoas que tinham condições financeiras de arcar com os custos da graduação e já haviam ingressado no ensino superior. Enquanto o Fies concedeu 2,2 milhões de novos financiamentos entre 2009 e 2015, o número de novas matrículas foi de pouco mais de 1 milhão no período. “Mesmo com patamares de mais de 700 mil contratos/ano, não significou ingresso de mais alunos. Muitos alunos substituíram pagamento das mensalidades por Fies”, disse o Ministro da Educação.
O Ciência Sem Fronteiras é outro programa cujos gastos causaram polêmica. Desde que foi criado, em 2011, até maio deste ano, foram investidos R$ 13,2 bilhões no projeto. Em julho do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) concluiu que as despesas com manutenção dos bolsistas de graduação fora do País eram elevadas. Cerca de 35 mil bolsistas de graduação no exterior tinham custo médio, cada, de R$ 100 mil por ano, enquanto o custo anual da merenda escolar, por aluno, é de R$ 94. Novas bolsas para graduação pelo Ciência Sem Fronteiras pararam de ser concedidas após o edital de 2014. Neste ano, o programa continuará disponibilizando bolsas somente para estudantes de pós-graduação, pós-doutorado e estágio sênior no exterior.
Embora o diagnóstico do IBGE seja de que o aumento das despesas ampliou o acesso à educação e elevou a escolaridade da população brasileira, os resultados reais não são satisfatórios. Os anos de estudo passaram de 6,6 em 2005 para 7,8 anos em 2015, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), mas esse tempo ainda não equivale ao ensino fundamental completo, aponta o relatório Síntese de Indicadores Sociais do Instituto.
Os especialistas concordam que programas voltados à primeira infância apresentam os melhores retornos para a sociedade. “O que atende melhor a criança e vai resolver os problemas de pobreza no longo prazo é um bom sistema escolar, começando por uma boa creche, uma boa pré-escola, uma boa escola primária”, afirma Sonia Rocha.
Aumento da pobreza entre jovens
Os problemas na educação associados aos três anos de recessão brasileira se refletiram em aumento da pobreza entre crianças e adolescentes de até 14 anos (0 a 14). A faixa da população mais nova que é pobre passou de 28,5% em 2014 para 29% no ano seguinte. A análise de Sonia Rocha, que publicou artigo com os dados neste ano, também constatou o crescimento da pobreza entre pessoas de 15 a 19 anos, de 17,9% para 22,3% no mesmo período.
Através da Pnad do IBGE, a pesquisadora do IETS acompanha há décadas os números de pobreza das faixas etárias mais jovens. Segundo ela, melhorar a educação básica é uma das maneiras de corrigir a má distribuição de renda e injustiça entre crianças e adolescentes. “Ainda que tenhamos criado o Bolsa Família e ajustado uma coisa ou outra, melhorado subsídio, as crianças estão completamente desassistidas.”
Favorável ao Bolsa Família, a economista entende que o programa é menos eficiente do que deveria ser em relação aos integrantes mais novos das casas que recebem o benefício. “O problema de transferência de renda é o discurso de ‘emancipação’. A renda não emancipa. A renda alivia no momento.”
Naercio Menezes, do Insper, enxerga a mesma demanda por reformas para todas as fases do ensino básico. Para ele, o foco na alfabetização, a responsabilização dos diretores e professores, a avaliação constante do aprendizado dos estudantes e os prêmios para melhores alunos e professores são providências necessárias. “Há falhas em todas as etapas. Os professores têm formação muito fraca e teórica demais. Os gestores não aplicam as mudanças que as evidências mostram que aumentam o aprendizado. Os alunos acumulam deficiências cognitivas e socioemocionais desde os primeiros meses de vida”, enumera.
Enquanto Sonia acredita que o Brasil perdeu a janela de oportunidade demográfica para melhorar potencialmente a qualificação dos mais jovens, o professor do Insper ainda enxerga tempo para reverter a situação e aumentar a produtividade dos jovens e futuros adultos. “Basta ter vontade política e determinação para enfrentar as resistências que irão surgir quando as reformas de gestão forem implementadas”, afirma Naercio.