Apesar de o Estatuto do Idoso estabelecer que no mínimo 3% das unidades em programas habitacionais sejam destinadas a pessoas com mais de 60 anos, a secretária nacional de Habitação, Maria Henriqueta Alves, afirma que o Ministério das Cidades não sabe de forma antecipada quantos idosos procuram estas unidades no Minha Casa, Minha Vida. A pasta também não fiscaliza o cumprimento do estatuto ou faz campanhas para instruir a população idosa sobre seus direitos.

Segundo ela, são as prefeituras que encaminham a demanda das famílias com renda até R$ 1.800 (faixa 1) para o ministério. Hoje, o número de beneficiários no Minha Casa, Minha Vida nessa faixa com mais de 60 anos na assinatura do contrato soma quase 90 mil. Representam 8,5% do total de beneficiários na faixa 1. Nas demais faixas, quem informa a demanda são as construtoras. A fiscalização, diz ela, não é papel do ministério. “Não temos como propósito fazer a fiscalização da construção civil.” O acompanhamento dos direitos dos idosos, segundo ela, deveria ser feito pela Secretaria de Direitos Humanos. (Leia mais na entrevista)

“De que adianta termos uma lei que garanta esse direito, se ele não é aplicado? Essa lei é inócua, não faz sentido”, questiona o advogado e consultor jurídico da Associação Brasileira de Mutuários da Habitação, Vinícius Costa. Na prática, diz ele, o beneficiário da lei é o principal fiscalizador do cumprimento dela, mas a falta de informação inviabiliza que esse direito seja cobrado pelos idosos. Acostumado a representar compradores de imóveis financiados, Costa afirma que nenhum dos clientes que atendeu tinha conhecimento que sua casa foi enquadrada na cota dos 3%, sancionada em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Responsável pela implementação das políticas de habitação do governo, Henriqueta diz que, muitas vezes, o idoso não consegue financiamento imobiliário por causa do seguro obrigatório previsto no Sistema Financeiro de Habitação (SFH). “Isso não tem como o ministério atuar porque o recurso é privado, é recurso do FGTS. E aí, nesse sentido, ele segue a regra do SFH, que protege o sistema bancário”, afirma a secretária.

Segundo a Caixa Econômica Federal, são dois tipos de seguros obrigatórios nos imóveis do programa: Morte ou Invalidez Permanente (MIP) e Danos Físicos ao Imóvel (DFI). O primeiro pode variar de acordo com a idade de quem o adquire, enquanto o segundo tem uma taxa fixa que, por sua vez, pode variar entre as seguradoras. A regra para definir o prazo do financiamento leva em conta a idade do comprador e o prazo para a quitação da dívida. A soma desses fatores não pode ultrapassar 80 anos e 6 meses. Mas, de acordo com a Caixa, caso a idade da pessoa física ultrapasse o limite estabelecido e o prazo para a amortização do financiamento, é admitida a inclusão destas pessoas no porcentual de no mínimo 3%.

Por enquanto, o governo não planeja aumentar o percentual de idosos com prioridade no Minha Casa, Minha Vida. O Ministério das Cidades está fazendo um estudo demográfico para revisar o Programa Nacional de Habitação para 2040, mas a secretária não vê muito espaço para ampliar a reserva para idosos. Para Henriqueta, isso poderia inviabilizar o programa como um todo. “Se financiássemos qualquer idade, sem nenhum tipo de regra, esse seguro ficaria caríssimo e inviabilizaria o acesso não só dos idosos, mas também das outras famílias.”

De acordo com a professora de terapia ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) Carla Santana, o Brasil está muito atrasado em políticas públicas para a terceira idade. “O País custa a entender que o perfil da população está mudando”, alerta.

Acessibilidade

Uma pesquisa censitária realizada em condomínios do Minha Casa, Minha Vida na Paraíba revelou que as dificuldades dos idosos no programa vão além do cumprimento da cota prevista na legislação. Não há garantias de que as adaptações necessárias para garantir segurança e autonomia dos moradores com mais de 60 anos sejam feitas pelas construtoras. “Em relação à acessibilidade, temos encontrado somente mudanças de plantas em unidades da cota destinada para deficientes físicos, e mesmo assim com muitos problemas”, afirma a arquiteta urbanista Lívia Miranda, professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Segundo a arquiteta, os administradores pouco fazem além de alocar os idosos em apartamentos térreos ou, em casos de construções horizontais, próximos aos acessos. O capítulo do Estatuto do Idoso que trata de habitação, no entanto, determina que instituições que abrigam idosos devem manter padrões compatíveis com suas necessidades. Além disso, o artigo 38 exige dos programas habitacionais a implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso e a eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas para garantir a acessibilidade.

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO 2017
Imóveis invadidos do Minha Casa, Minha Vida na cidade de Zé Doca, no Maranhão

Segundo o Ministério da Cidades, as unidades habitacionais da faixa 1 do programa podem receber kits de adaptação conforme necessidades dos moradores, mas também não tem controle sobre a instalação dos equipamentos. Definidos de acordo com o tipo de deficiência, os kits incluem itens de tecnologia assistida e os idosos podem receber adaptações voltadas especificamente para eles. A responsabilidade pela instalação, diz o ministério, é das construtoras.

A repositora Margarida Gorges, de 62 anos, recebeu seu apartamento do Minha Casa Minha Vida em Jaraguá do Sul (SC). O imóvel, um apartamento no terceiro andar, foi adquirido com financiamento feito pela prefeitura. “Não há elevadores, mas eu ainda não sinto falta”, diz Margarida. O apartamento dela não é adaptado, mas Margarida garante que ainda não a preocupa ou causa transtornos.

A MRV, responsável pela venda de 3.500 unidades do programa Minha Casa, Minha Vida em 2016, informou que destina 3% dos apartamentos para pessoas com necessidades especiais e oferece kits adaptação para esse público. A construtora não disponibiliza alterações específicas para idosos e afirma que algumas das mudanças estruturais, como rampas e portas mais largas, podem atendê-los. A Azul Construções disse que disponibiliza os kits para idosos quando solicitado. Ambas as empresas atendem as faixas 2 e 3, e por isso não são obrigadas a fornecer adaptações para idosos. Procuradas, várias construtoras da faixa 1 não se manifestaram sobre o assunto.

O problema, diz a terapeuta ocupacional Carla Santana, é que, diferente do entendimento das construtoras, não se deve tratar o idoso como deficiente. “As adaptações são diferentes. A maior parte deles não está em um andador ou de cadeira de rodas.” Entre as mudanças essenciais em um apartamento para alguém da terceira idade, Carla, que é especialista em adaptações para idosos, destaca a instalação de pisos antiderrapantes e antirreflexo, de barras de apoio e de iluminação adequada, principalmente entre o quarto e o banheiro, onde costumam acontecer quedas durante a noite. “A vida inteira a gente muda nossa residência, seja para receber um bebê, seja para um adolescente. O idoso precisa ainda mais dessas adaptações”, afirma.

A arquiteta Lívia Miranda lembra que o programa terá que estar preparado para atender ao aumento da demanda de idosos pela casa própria. Além das adaptações físicas que já estão regulamentadas e devem ser cumpridas, uma questão importante é que esses condomínios estão nas periferias. “Se o idoso está em um empreendimento periférico, o acesso às unidades de saúde e assistenciais, que pela idade vai demandar ainda mais, ficará mais difícil”, alerta.

Maria Socorro Ceducio tem 72 anos e mora com a filha, Edilene da Silva, de 32, em um apartamento do programa Minha Casa, Minha Vida em Cosmos, na zona oeste do Rio. Para ir ao médico, Maria do Socorro precisa pegar uma van ou um ônibus, que passa a uma hora de caminhada do condomínio. Para tentar resolver o problema de locomoção dos moradores, representantes dos condôminos disponibilizaram Kombis para fazer o transporte até a estação de BRT.

EDILENE DA SILVA/ ARQUIVO PESSOAL
Edilene da Silva e sua mãe, Maria Socorro Ceducio, moram juntas em apartamento do Minha Casa, Minha Vida em Cosmos, no Rio de Janeiro

O apartamento onde moram fica no quarto andar e o acesso é feito apenas por escadas. Edilene faz questão de não deixar a mãe sozinha no apartamento. “Tenho medo de ela cair. Ela já anda meio esquecida, as pernas estão mais fracas, prefiro estar sempre por perto”.

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