Com o aumento da população idosa em São Paulo, os gastos da prefeitura com gratuidade de ônibus para idosos de 60 anos ou mais vão crescer 51,6% até 2030, chegando a R$ 1,24 bilhão. É o que mostra o estudo feito a pedido do Estado pelo professor de Transportes Creso de Franco Peixoto, da Fundação Educacional Inaciana (FEI). No ano passado, esse repasse às empresas de ônibus urbanos somou R$ 817 milhões.
O cálculo foi baseado em um cruzamento das projeções demográficas do Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e dos dados da São Paulo Transportes (SPTrans), empresa municipal responsável pelo sistema de ônibus. “O crescimento da participação de idosos nas gratuidades totais, de 40% em 2016 para 58% em 2030, deixa clara a necessidade de se estabelecer uma política de captação de recursos que garanta a continuidade da prestação da função social deste benefício”, afirma Peixoto.
As sinalizações recentes da prefeitura e do governo estadual, no entanto, mostram que o financiamento das gratuidades é encarado hoje sob a perspectiva de corte de gastos.
O passe livre entre 60 e 64 anos foi instituído na capital em 2014, pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT). A gratuidade também vale para o Estado de São Paulo, desde o mesmo ano, com a regulamentação específica feita pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Ao contrário do benefício para maiores de 65 anos, garantido pelo Estatuto do Idoso, sua extensão para quem tem mais de 60 anos é uma decisão de municípios e Estados, que precisam arcar com os respectivos custos.
Em novembro do ano passado, mesmo antes de assumir o posto, o prefeito João Doria (PSDB) já defendia que a gratuidade ficasse restrita a desempregados e aposentados. Hoje, a administração municipal projeta um critério de renda, ainda não definido. “Pensamos em discutir um regramento com a Câmara Municipal em que as pessoas que não precisem paguem até os 65. As pessoas que tenham renda baixa deverão continuar (a ter o benefício)", diz o secretário Municipal de Mobilidade e Transporte, Sérgio Avelleda.
Mesmo antes de ser oficializada, a ideia já conta com a oposição do Grande Conselho Municipal do Idoso (GCMI). “Será um retrocesso, haja vista que o idoso já é bastante penalizado em áreas como saúde e habitação”, afirma a presidente do órgão, Clotilde Benedik. Vinculado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, o GCMI entende o desconto integral no transporte público como “diretamente ligado à qualidade de vida dos idosos, qualquer que seja sua faixa etária”.
Segundo Clotilde, pessoas com mais de 60 anos usam o transporte público para consultas médicas e atividades de lazer que as mantêm ativas até idade mais avançada, deixando de ocupar leitos hospitalares na rede pública. “Economiza-se no transporte e gasta-se na saúde, como fica esta conta?”, indaga a presidente do conselho.
Embora já esteja no cargo há sete meses - e fale sobre a revisão de algumas gratuidades desde antes de tomar posse na secretaria -, Sérgio Avelleda não soube informar o impacto que o corte socioeconômico no desconto integral a pessoas de entre 60 e 64 anos teria sobre o volume de subsídios. “A SPTrans está fazendo os estudos.”
No início de 2014, ano em que a idade mínima da gratuidade foi reduzida para 60 anos, havia cerca de 600 mil usuários cadastrados no Bilhete Único Especial Idoso. De acordo com a SPTrans, estão ativos hoje pouco mais de 1,29 milhão de cartões dessa categoria, o que representa um aumento superior a 100%.
Em paralelo ao estudo para diminuir o número de idosos com passe livre, o prefeito João Doria vai atrás de novas fontes de financiamento que viabilizem sua promessa de não reajustar a tarifa de ônibus, atualmente em R$ 3,80. No fim de junho, ele se encontrou com os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para discutir a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 159-A, que acrescenta a cobrança de uma Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide) municipal sobre a tributação de combustíveis. O objetivo da PEC é reforçar o subsídio ao transporte coletivo.
Metrô e trens
O passe livre universal a quem tem entre 60 e 64 anos parece estar com os dias contados também no Metrô, nos trens da CPTM e nos ônibus urbanos intermunicipais, modais sob responsabilidade do Estado. O secretário dos Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissioni, diz que a pasta está fazendo estudos para “eventualmente regulamentar melhor” as gratuidades naquela faixa etária. Questionado sobre a existência de um planejamento de longo prazo para lidar com o impacto do envelhecimento dos paulistanos sobre os subsídios ao transporte coletivo, Pelissioni afirmou apenas que avalia a situação “ano a ano”.
O Estado solicitou à Secretaria de Transportes Metropolitanos os valores que o governo repassou ao Metrô e à CPTM para subsidiar apenas o passe livre de idosos -- o objetivo era projetar o impacto do envelhecimento da população da Região Metropolitana de São Paulo sobre as despesas estaduais. No entanto, a pasta alegou não possuir esse detalhamento dos subsídios ao Metrô e à CPTM.
Com a ampliação do benefício para maiores de 60 anos em âmbito estadual, as viagens gratuitas de idosos nos modais sobre trilhos mais que dobraram entre o fim de 2013 e de 2015. E o número continua crescendo. No Metrô, elas saltaram de 24,5 milhões para 50,5 milhões no período, chegando a 57,4 milhões em 2016. Já na CPTM, a demanda de idosos cresceu de 10,2 milhões para 24,8 milhões entre 2013 e 2015. No ano passado, foram 28,2 milhões de viagens gratuitas nos trens paulistas.
O presidente da seção latino-americana da União Internacional de Transporte Público (UITP) e ex-secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, é a favor do corte socioeconômico na gratuidade de idosos de até 64 anos. Segundo ele, o desconto integral - que começou a vigorar no Metrô e na CPTM no último ano de sua gestão na pasta - "foi um desastre".
Já o engenheiro Lúcio Gregori, secretário municipal de Transportes de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina, não vê a revogação gradual da gratuidade ou a adoção de um critério de renda como alternativas justas. “Fica uma discussão mesquinha. Alguém fez a conta de quanto custa (a gratuidade para idosos até 64 anos)?”, questiona.
Para ele, o cerne da escassez de recursos para a área de mobilidade urbana está na arrecadação. “As receitas que Estados e municípios têm são insuficientes. Tem de haver uma política nacional de financiamento do transporte coletivo”, defende. Gregori também faz referência ao modelo de remuneração das operadoras, que hoje recebem compensações da prefeitura para cada passageiro transportado. “É absolutamente grotesco. Passageiro não é custo, é receita.”
O ex-secretário Jurandir Fernandes não acredita, no entanto, que o critério de renda vá se tornar realidade, nem nos transportes estaduais, nem nos municipais. "Temos eleição ano sim, ano não, nunca surge o momento. Contra o prefeito, virá uma reação muito forte. Ele já está pensando no seu futuro político e não vai ter coragem de fazer (o corte)."
Novo sistema. A mudança da fórmula segundo a qual as concessionárias das linhas de ônibus são remuneradas é um dos principais pontos da licitação que a prefeitura vem preparando para o novo sistema de ônibus da cidade. Assim como a gestão Haddad tentou fazer em 2013 - ano em que venceram os contratos da última licitação -, a nova proposta institui um modelo de remuneração às empresas de acordo com os custos do sistema, e não mais por passageiro transportado. A expectativa da atual administração é que essa alteração ajude a aliviar as finanças da cidade.
Após a fase de audiências públicas, que se encerrou em junho, a previsão da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes é publicar a minuta do edital de licitação até o fim de julho. Haverá, então, um período de 30 dias de consulta pública aberta a sugestões da população.
Outras iniciativas de contenção de gastos anunciadas pela prefeitura e pelo governo estadual de São Paulo para cobrir os buracos no transporte coletivo são as concessões do sistema de bilhetagem eletrônica, hoje a cargo das administrações públicas, e dos terminais municipais de ônibus, atualmente mantidos pelas operadoras das linhas urbanas.
Sempre lembrado por especialistas em mobilidade, o pedágio urbano é mais uma alternativa para financiar o transporte coletivo. De 2010 a 2012, tramitou na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei (PL) para instituir esse mecanismo nas mesmas vias onde há rodízio de veículos. “A função do pedágio urbano é cobrar pela escassez de mobilidade causada pelo uso de transporte privado”, explica Creso de Franco Peixoto, professor de Transportes da FEI. A proposta foi engavetada em 2013 por força do regimento interno da Casa, mas pode ser desarquivada a pedido de um dos líderes das bancadas da Câmara.
Peixoto sugere que as administrações públicas apresentem à sociedade as possibilidades de subsídio e as alternativas de financiamento do transporte coletivo para que os próprios cidadãos decidam o caminho a ser adotado. “Poderia até se aproveitar uma próxima eleição para se fazer uma consulta, como ocorre muito nos EUA.”
A necessidade de mais transparência e participação popular é reforçada por Lúcio Gregori. “Colocou-se na Constituição Federal que o transporte é um direito social”, diz ele, em referência à Emenda Constitucional 90/15, de autoria da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP). “Então, vamos fazer uma discussão séria, para valer, que passa necessariamente por um serviço de acesso universal e suas fontes de recursos.”