A internação de um idoso custa, hoje, cerca de 30% mais para o Sistema Único de Saúde (SUS) do que a de adultos com idade entre 25 e 59 anos, segundo dados do Ministério da Saúde. É uma conta cara que só cresce e exigirá investimentos superiores a R$ 100 bilhões nos próximos dez anos, calcula a consultoria Diamond Mountain, para que o SUS se adapte ao novo perfil da população brasileira, com taxas de mortalidade em queda, expectativa de vida mais elevada e maior incidência de doenças crônicas e degenerativas na velhice. “As doenças infectocontagiosas não são tão caras quanto as crônico-degenerativas, que acompanham a pessoa durante a vida toda, o que pressionará ainda mais os gastos”, afirma a professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Kenya Noronha.

O conjunto das principais causas de morte no Brasil mudou com a queda da mortalidade, a partir de 1940, após a incorporação de tecnologias às políticas públicas de saúde. Até então, doenças infecciosas, respiratórias e parasitárias eram as principais causas de morte. Hoje, as doenças crônico-degenerativas, associadas à idade, são as preocupações centrais. Em 2016, as maiores causas de internações de idosos, que totalizaram 2,87 milhões, foram doenças do aparelho circulatório, respiratório, digestivo e câncer.

Há oito anos, a aposentada Maria do Carmo Oliveira passou a fazer parte dessa estatística. Em julho de 2009, aos 64 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama durante exames de rotina. “Percebi que eu era igual a todo mundo, e que poderia morrer”, lembra. O tumor foi removido poucos meses depois, e hoje, aos 72 anos, ela faz acompanhamento semestral sem reincidência da doença.

O aumento da expectativa de vida acompanhou o crescimento das doenças relacionadas à degeneração do organismo. O relatório Impacto Global da Demência, produzido pela Doença de Alzheimer Internacional (ADI, na sigla em inglês), estima que males como Alzheimer e Parkinson atingirão quase 75 milhões de pessoas no mundo até 2030 - um salto de 60% em relação aos 46,8 milhões de pacientes diagnosticados com demência em 2015. Esse é um prognóstico para o qual o SUS não está preparado, diz Walter Cintra, professor e coordenador do Curso de Especialização em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde da FGV (CEAHS). “Estamos mais organizados para atender eventos agudos do que crônicos”, explica.

A projeção feita pela Diamond Mountain, de que são necessários mais de R$ 100 bilhões em investimentos para adequar o SUS, levou em consideração um hospital modelo, hipotético, que em seguida foi replicado para as dimensões do País. O resultado não considera os gastos para manter o sistema. “Hoje, sem coisas como um sistema de gestão, não dá para planejar nada porque nem se sabe quantas seringas são utilizadas”, diz o analista-chefe da consultoria, Vicente Koki. A projeção significa um aumento de quase 9% ao ano nos investimentos do SUS, que em 2017 é de R$ 115,3 bilhões.

Para se aproximar do modelo de hospital criado pelos especialistas, o governo deve se concentrar em reformar e construir novas unidades de atendimento, implantar sistemas para construir um banco de dados dos usuários e adquirir equipamentos para tratar doenças associadas ao envelhecimento, explica Koki.

Planejamento. O orçamento do SUS quase dobrou nos últimos sete anos, mas isso não significa que os recursos estejam sendo aplicados de forma mais eficiente. Acompanhar como cada faixa etária acessa os serviços oferecidos, especialmente os idosos, que representarão o maior custo para o sistema no futuro, é um dos desafios. “Sustentar um sistema de saúde tão generoso é muito complicado, é preciso definir prioridades”, avalia Kenya.

Uma das tentativas de compreender como a população utiliza o sistema de saúde é o prontuário eletrônico, do Ministério da Saúde (MS). O sistema de controle de dados está em funcionamento em aproximadamente 14 mil das mais de 40 mil unidades básicas de saúde (UBS). O custo é de R$ 30 mil por ano para o município quando ele opta pela adoção de um programa próprio. Para a opção disponibilizada pelo Ministério, o prontuário eletrônico do cidadão (PEC), o custo anual é de R$ 1,7 mil por ano por UBS.

Prevenção. O investimento em cuidados preventivos é um dos fatores que pode reduzir a incidência de doenças crônico-degenerativas e, com isso, diminuir os custos com tratamento de idosos. Mas o tema vai além do sistema de saúde. “Pensar na prevenção é falar também de condições de vida”, defende Kenya. Hábitos saudáveis, como uma alimentação balanceada e a prática de exercícios físicos, têm papel fundamental para o envelhecimento sadio, diz. Fatores ambientais, como saneamento básico, ainda incipiente em algumas regiões do país, também são determinantes para a saúde da população. Além disso, consultas periódicas ao médico e acompanhamento constante fazem parte da prevenção de doenças associadas ao envelhecimento.

Um ano depois da cirurgia de retirada das mamas, no final de 2010, Maria do Carmo finalmente voltou a praticar seu esporte favorito, a natação, ao contrário do que previa o fisioterapeuta. Hoje, ela diz que encara a vida de forma mais leve, o que se reflete inclusive na forma como pratica o esporte durante as tardes na Sociedade Esportiva do Palmeiras, em São Paulo. “Não tenho mais pressa para alcançar o outro lado da piscina. Sei que vou chegar”, afirma.

Depois de vencer o câncer de mama, Maria do Carmo continua realizando acompanhamento para evitar que a doença retorne

Para o especialista em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde da FGV, Walter Cintra, o SUS deve priorizar a atenção básica. “O cidadão precisa ter um médico da família, uma referência”, diz. Esse é o objetivo do programa da Estratégia Saúde da Família (eSF), do MS, em funcionamento em 97% dos municípios brasileiros. O programa conta com equipes com especialistas de diversas áreas que vão até as residências dos cadastrados com o objetivo de fortalecer o contato entre médicos e pacientes. Ainda assim, a deficiência de geriatras no SUS é um dos desafios a ser enfrentado. Atualmente, existe um profissional para cada 12 mil idosos no País, bem menos do que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), de um para mil.