A ausência de políticas habitacionais voltadas para o idoso em escala nacional fez surgirem iniciativas nas esferas municipais e estaduais. Focados em um perfil de idoso que tem autonomia para morar sozinho e não precisa de tanta assistência, projetos de condomínios, repúblicas e vilas começam a surgir no País. É o caso do programa Cidade Madura, do governo estadual da Paraíba e considerado referência em moradia pública para idosos, da Vila do Pari, em São Paulo, e das repúblicas municipais, em Santos (SP).
Pioneira no Brasil, a iniciativa do governo paraibano consiste em condomínios exclusivos para pessoas com mais de 60 anos. O projeto foi criado para atender idosos de baixa renda com autonomia para viverem sozinhos ou com um cônjuge. Dos 49 moradores, a maioria vive sozinha, como Daura Silva, de 81 anos. “A gente faz comida uma para outra, se encontra no redário, bate papo, fala besteira. É uma alegria muito grande.” O apartamento em que ela vive tem 54m² e apenas um quarto, mas dona Daura conta que é muito seguro e adaptado. “O banheiro é grande, tem barras de proteção e banco no boxe.” Mas o que ela mais gosta são as atividades propostas por grupos de universidades. “As meninas botam todo mundo para dançar, fazem jogos, todo muito se diverte.”
Além das adaptações feitas nos apartamentos, o Cidade Madura preza pela socialização. Para isso, os condomínios contam com academias para idosos, pistas de caminhada, sala de computadores, redário, uma horta e até um centro de saúde. A professora de psicologia da UFRJ, Lúcia Novais, afirma que a troca com pessoas da mesma faixa-etária é importante para autoestima do idoso. “Os limites ficam menores, na medida em que são compartilhados.”
Quatro condomínios já foram entregues - João Pessoa, Campina Grande, Cajazeiras e Guarabira -, um quinto empreendimento está sendo finalizado na cidade de Souza e um sexto projeto está em fase de licitação. “Eu procurei por diversas vezes a Caixa Econômica Federal para tentar um financiamento, mas não houve interesse”, queixa-se o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho. A principal diferença entre o Cidade Madura e os demais programas habitacionais é que o governo estadual apenas transfere o usufruto do imóvel ao idoso selecionado para que ele viva ali enquanto for independente. “Se nós fossemos dar o imóvel, a política para pessoas idosas acabaria na próxima geração”, explica Coutinho.
A arquiteta Lívia Miranda, professora da Universidade Federal de Campina Grande, aprova a iniciativa e diz que o programa é muito bem visto pela opinião pública na Paraíba. O risco, alerta, é que empreendimentos exclusivos para idosos impedem que eles convivam com a diversidade. “Além da moradia, o estado entra com serviços essenciais como saúde e assistência. O lado ruim é que você acaba criando guetos”, diz a urbanista.
Outro problema que ela identifica no Cidade Madura é a distância dos condomínios dos grandes centros, comum em programas habitacionais. Lívia recomenda mais atenção a essa questão quando se trata de políticas para idosos. Dona Daura, por exemplo, pega dois ônibus até o Clube da Pessoa Idosa, em Cabo Branco, onde tem aulas de trabalhos manuais. “Levo no mínimo uma hora até lá e vou quase todos os dias.”
Pari. Mantida há dez anos pela Prefeitura de São Paulo, a Vila dos Idosos reúne dois milhões de pessoais com mais de 60 anos na maior cidade do País. São 57 apartamentos de 42m² e um dormitório, além de 88 quitinetes de 30m². Os moradores são aposentados com renda entre um e três salários mínimos. Mensalmente, os inquilinos pagam o equivalente a 10% do seu salário, além de uma taxa simbólica de condomínio de R$ 35, o que garante o funcionamento de elevadores, segurança 24h e uma academia ao ar livre.
“A prefeitura cedeu o terreno, que era usado para ensaio de uma escola de samba", explica Olga Luisa León de Quiroga, presidente do Grupo de Articulação para a Moradia do Idoso na Capital (Garmic). As negociações, que começaram na gestão da prefeita Marta Suplicy (PT à época), atravessaram o mandato de José Serra (PSDB) e só foram concluídas no governo de Gilberto Kassab (PSD). A obra, que custou R$ 4,7 milhões em 2007, recebeu idosos de diversos bairros, inclusive dos edifícios São Vito e Mercúrio recém-desocupados pelo poder público na região central.
"Este condomínio preza muito pela independência do idoso", explica a aposentada Neide Duque Silva, que mora sozinha em um dos apartamentos no primeiro andar. "Há alguns com problemas de mobilidade aqui, mas cada um tem a sua vida", diz a moradora de 74 anos. Maria Aparecida Damato Costa, que vive em uma quitinete no segundo andar, tem 72 anos e elogia o condomínio. "É um cantinho gostoso, sossegado. É quase um paraíso para nós."
Como as mudanças internas em cada apartamento cabem aos moradores, praticamente não há equipamentos de proteção e segurança, como pisos antiderrapantes e espaço maior para a mobilidade de cadeirantes. “É como um apartamento comum”, conta Neide. Questionada, a Cohab-SP informou que 25% dos apartamentos são adaptados para deficientes, porcentual que atendia à legislação da época.
A construção do condomínio no Pari aumentou a expectativa do grupo para novos projetos, mas a realidade permaneceu inalterada nos últimos anos. O que não impediu que a fila de idosos interessada em morar nos condomínios continuasse a crescer desde então. Hoje, de acordo com Olga, são 548 nomes esperando por vagas. A lista é gerenciada pelo Garmic em parceria com a Cohab, que estuda a identificação de novos locais para a instalação de projetos como a Vila dos Idosos.
Repúblicas. Santos é uma das cidades com a maior porcentagem de idosos no Brasil: cerca de 20% da população, segundo o IBGE. Desde 1995, um projeto municipal abriga homens e mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade social. As repúblicas são imóveis alugados que foram modificados para se adequarem ao público, como piso antiderrapante nos banheiros e barras para evitar quedas.
Atualmente, a cidade tem três unidades do programa de moradias em repúblicas, com 29 vagas no total. Os moradores, selecionados pela equipe técnica da prefeitura, precisam ter renda de no máximo dois salários mínimos (R$ 1.760,00) e pagam um aluguel simbólico de R$ 150,00 por mês. Por ora, a Prefeitura não tem novos projetos em andamento na cidade. Além desse programa, 5% das unidades habitacionais populares de interesse social construídas na cidade são reservadas para idosos, gestantes e deficientes físicos.
Projeção nacional dos programas. A economista da FGV Ana Maria Castelo não tem dúvidas que o País precisa investir em políticas públicas de moradia para a terceira idade, mas diz que isso precisa ser pensado dentro dos projetos habitacionais que já existem, como o Minha Casa, Minha Vida. “Fazer um programa habitacional exclusivo para idosos em escala nacional na atual situação econômica do País seria insustentável”, afirma.
A solução encontrada pelo programa Cidade Madura de “emprestar” a casa para o idoso pode ser uma boa alternativa, avalia a economista. “Quando a gente fala de idoso, essa estratégia faz ainda mais sentido economicamente.” Outra opção seria uma parceria Estado-União-Municípios para avaliar um porcentual maior ou menor destinado ao idoso entre programas habitacionais de baixa renda já existentes, de acordo com a demanda.
Enquanto isso, dois projetos tramitam no Congresso espelhados em programas que destinam moradias para idosos. Um deles, de autoria do deputado federal Veneziano Vital do Rego (PMDB-PB), propõe que o Cidade Madura seja um programa federal e receba 20% dos investimentos em habitação social para habitações destinadas a quem tem mais de 60 anos e renda de até cinco salários mínimos. A PL 1765/2015 está sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões de Desenvolvimento Urbano; Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça.
Já o substitutivo do deputado federal Alex Manente (PPS-SP) propõe dar prioridade a idosos e aposentados no programa Minha Casa, Minha Vida e elevar o percentual atual da cota de 3% para 5%. O projeto está para ser votado na Comissão de Desenvolvimento Urbano.