O planejamento para atender ao crescente número de idosos no Sistema Único de Saúde (SUS) tem implicações que vão além da melhoria da infraestrutura dos hospitais públicos. O Brasil tem hoje 2.488 geriatras no SUS, número muito baixo se comparado à proporção recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em vez de um geriatra para cada mil idosos, temos hoje um para cada 12.086. Isso significa que o País precisaria formar hoje cerca de 28 mil novos geriatras para se adequar aos padrões internacionais. Em compensação, temos um pediatra para cada 1.506 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. Tendo isso em vista, até 2030, quando é esperado que haja uma mudança na pirâmide etária do País, será necessário um esforço conjunto de universidades, governo e sociedade para formar mais geriatras.

Sem exceção, nenhum Estado brasileiro está de acordo com as recomendações da OMS. Nesse cenário, São Paulo, Minas e Rio são as unidades federativas com a maior disponibilidade do médico especialista. Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), José Elias Soares Pinheiro, essa concentração se justifica pela disponibilidade de programas de residência médica. A região Sudeste tem as grandes escolas médicas, onde há maior oferta da residência nesta especialidade.

Na avaliação da gerontóloga Anita Neri, o currículo das universidades não apresenta aos alunos disciplinas de geriatria. “Nosso sistema educacional está fundamentado na noção do diploma específico. Os cursos básicos não têm formação voltada para a área do envelhecimento”, explica. “Embora faça parte da lei que a academia ofereça essas disciplinas em todas as suas áreas, na prática, é letra morta”, explica. Para ela, o mercado também não é receptivo à ideia de formar profissionais para atender os idosos.

Não à toa, a formatação do sistema de saúde brasileiro estimula a demanda por especialistas em vez de geriatras. Cardiologistas, reumatologistas e ortopedistas, especialidades associadas às doenças crônicas, tendem a ser a entrada dos pacientes idosos no sistema. Para o coordenador do curso de especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde (CEAHS) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Walter Cintra, esse hábito não é saudável nem para o paciente, nem para a gestão do sistema. "Ele não pode ficar ‘quicando’ na rede, fazer um pedido de avaliação e só procurar o especialista. Isso tem que ser feito por meio do sistema de regulação da unidade básica de saúde."

O governo federal tem mecanismos para tentar se adequar à demanda. O Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência), do Ministério da Saúde, estimula a criação de bolsas para residentes no SUS conforme necessidades apontadas pela Secretaria de Atenção à Saúde/MS, Comissões Nacionais de Residências em Saúde e Gestores Estaduais e Municipais. A Geriatria, porém, não figura entre as 21 prioridades, das quais fazem parte quatro especialidades referentes ao tratamento da criança.

Para a geriatra Karla Giacomin, o brasileiro com 60 anos ou mais tem de começar a enxergar a velhice em si. “O Estado corresponde à sociedade. Se você tem um indivíduo que não aceita que envelhece, uma sociedade que não admite seu envelhecimento, o Estado não toma conta disso.” Ela analisa que o cidadão idoso não está atento à importância de sua participação na discussão do tema. “Eles estão resistindo, mas na hora de falar, eles têm dificuldade de se posicionar, de ‘peitar’ o Estado.”

A gerontóloga Anita Neri acredita que a população não pode esperar que providências sejam tomadas. “As próprias pessoas têm que se mexer, não podemos esperar só do governo e das instituições. Uma sociedade amigável para idosos também serve para pessoas de outras idades.”

Diante do rápido envelhecimento e da estrutura dos cursos de Medicina, Pinheiro, presidente da SBGG, acredita que não formaremos a tempo o número de geriatras necessário para atender à população idosa conforme os parâmetros internacionais. Entretanto, ele identifica um interesse crescente de alguns médicos pela atualização para melhor entender as necessidades dessas pessoas.

De acordo com Karla, é crucial que os outros especialistas busquem esses conhecimentos. “De todo o cuidado, o geriatra é apenas um. Precisamos de profissionais multidisciplinares para fazer essa abordagem. O idoso introduz uma novidade no sistema de saúde.”

À espera da regulamentação

Apesar das poucas cadeiras ofertadas para a geriatria no País, duas universidades brasileiras criaram o curso de gerontologia, um novo bacharelado que tem o objetivo de formar profissionais com uma visão geral e abrangente do atendimento ao idoso. O gerontólogo acompanha o envelhecimento do indivíduo, considerando os aspectos social, físico e intelectual desse processo. Cabe a ele aconselhar famílias e profissionais da saúde quanto às melhores maneiras de lidar com as necessidades da terceira idade, sem fazer diagnósticos ou prescrever remédios.

Todos os anos, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e a Universidade de São Paulo (USP) formam, aproximadamente, cem gerontólogos. Para a coordenadora do curso de Gerontologia da USP, a professora Rosa Chubaci, a importância do profissional está na gestão do planejamento do envelhecimento. “Isso tem mostrado uma eficiência muito grande, porque o gerontólogo tem um olhar externo. A ajuda ao indivíduo não é dada exclusivamente por ele, mas por toda uma equipe.”

Hoje, os mais de 580 profissionais diplomados desde 2005 ainda não são reconhecidos oficialmente no País. De acordo com Rosa, ainda assim, a inserção dos gerontólogos é grande no mercado de trabalho. “Cerca de 60% já está trabalhando. Tendo em vista que é uma profissão nova, é uma vitória.” A coordenadora acredita que a falta de conhecimento sobre a existência desse profissional é o que faz com que aproximadamente 40% ainda não esteja trabalhando na área.

Os que são favoráveis à popularização e ao reconhecimento do profissional por parte do governo e da sociedade já estão se articulando. Há um Projeto de Lei nº 334, de 2013, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que regulamenta a carreira, aguardando votação pelo Senado.

Apesar de haver uma movimentação pela regulamentação da carreira, o tema não é uma unanimidade entre os especialistas em envelhecimento. A gerontóloga titulada pela SBGG Sandra Rabello explica que a entidade ainda não está convencida de que esses profissionais podem atender bem a população idosa. Para ela, o título de especialização, que a SBGG oferece, é essencial para o profissional. “Não somos favoráveis à formação do gerontólogo. O processo de envelhecimento passa por todas as áreas e formar gerontólogos traz engessamento à profissão.”

A SBGG acredita que atrair profissionais de outras áreas e que não costumam discutir as questões ligadas à terceira idade faria com que o tratamento de idosos se tornasse mais multidisciplinar e envolvesse diferentes setores em busca de cuidados a essa população. “Queremos que o interesse em gerontologia chegue a um engenheiro ou a um advogado, profissões que não têm esse debate em suas áreas, por exemplo, para fazer com que eles também se voltem à questão dos idoso.”