Cultura maker reduz custos na indústria automotiva

Montadoras usam peças e protótipos impressos em 3D para baratear produção e estimular criatividade de funcionários

Guilherme Moraes, Igor Patrick, Leandro Nossa, Nathália Larghi

O desenvolvimento de protótipos e peças em impressão 3D e a implantação de makerspaces dentro de fábricas já são realidade em algumas das principais montadoras do País. Numa indústria em que a produção em série é a regra, elementos da cultura maker estão sendo adotados para reduzir custos e incentivar a inovação entre os funcionários. Ideias surgidas em um desses laboratórios, por exemplo, conseguiram economizar R$ 500 mil desde o início deste ano.

É o caso de uma peça saída da fábrica da Renault em São José dos Pinhais (PR), onde um maker space criado neste ano fica à disposição dos funcionários. O bico injetor impresso em 3D, utilizado para aplicação de uma cola plástica nos vidros dos cinco carros que a montadora produz no Brasil, reduziu em R$ 0,47 o preço final por unidade. Como a fábrica paranaense colocou 165 mil automóveis no mercado até novembro, os centavos ganham outra dimensão. “Parece pouco, mas impacta a produção”, diz o diretor de tecnologia da empresa, Angelo Fígaro.

A economia se estende aos custos com a contratação de fornecedores externos para prototipagem de peças. Na Renault, esse gasto caiu 75%, segundo Fígaro. A partir daí, a montadora identificou 2 mil peças que podem ser prototipadas e outras quatro que já podem ser feitas diretamente pela impressora 3D. Os avanços vão além da impressão: com arduínos disponíveis no makerspace, foram desenvolvidas soluções para otimizar a fila de caminhões de fornecedores nas docas da fábrica. “Percebemos que precisávamos inovar para a concorrência não nos deixar para trás”, conta o diretor da montadora.

Funcionário da Renault usa impressora 3D para prototipagem de peças na fábrica da montadora Crédito: Divulgação/Renault

A fábrica da Ford em Camaçari (BA) adotou a cultura maker para otimizar a produção de protótipos de peças de acabamento dos carros, como painéis e maçanetas, mas descarta o uso de impressoras 3D para peças finais na montadora. “A impressão de uma peça em 3D é rápida, mas em larga escala demoraria mais do que no método convencional”, explica o gerente de engenharia da empresa, Sérgio Câmara.

Para Martin Bodewig, especialista em estratégia de mercado na área automotiva, a aplicação de componentes finais impressos em 3D é viável apenas entre montadoras premium, na customização de veículos de luxo. O principal entrave, diz o diretor da consultoria Roland Berger, é o custo elevado. “Não vejo os preços da produção em escala industrial caindo no curto prazo”, avalia o consultor.

Em 90% do PIB da indústria não vai haver muitas mudanças, porque são empresas que não conseguem se adaptar à customização, afirma o economista Ruy Santacruz, da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Você pode escolher quais acessórios colocar em um carro, mas se quiser cor-de-rosa, por exemplo, você não terá.” Doutor em Economia Industrial, ele avalia que a produção em larga escala impede que mais elementos da cultura maker sejam aplicados à linha de montagem da maioria dos setores.

Dale Dougherty, editor da Make Magazine, publicação que se tornou referência do movimento maker, diz que o surgimento de novas ideias se beneficia da capacidade de democratização de ferramentas disponíveis em laboratórios. “Isso abre espaço para outras pessoas e grupos. Podemos criar coisas que não poderíamos ter criado há dez anos.”

Paulo Matos, responsável pelo makerspace que a Fiat vai abrir em janeiro de 2016, diz que um dos objetivos é criar uma cultura de colaboração entre os funcionários. Montado em Betim (MG), o espaço será equipado com impressoras 3D, cortadoras a laser e de vinil e fresadoras de grandes formatos. “A impressão de protótipos em três dimensões abre a possibilidade de errar e refazer, sem grandes prejuízos, mas nosso principal objetivo é oferecer um espaço colaborativo e voltado para o compartilhamento de ideias”, diz.

Todos sempre fizeram objetos em casa, mas hoje o compartilhamento muda tudo. Esse ‘fazer com as próprias mãos’ se tornou uma das competências do século XXI que as empresas mais buscam.”

— José Michel, engenheiro de produtos, professor da escola de empreendedorismo Design Thinking
A lógica produtiva trazida pelo movimento maker implica em uma revolução no consumo. Aos poucos, haverá um acesso cada vez maior a produtos customizáveis, mas a produção em larga escala das fábricas não perderá sua importância.”

— Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo e inovação do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper)
Os makers ainda não alteraram a rotina das grandes indústrias do País. Hoje, não dá para imaginar uma produção seriada de carros, por exemplo, feita com base em seus princípios. É algo que ainda vai crescer muito, mas aos poucos.”

— Luiz Antonio Joia, economista, doutor em ciências em engenharia de produção da Fundação Getúlio Vargas (FGV)