Dá para imprimir. Mas e o direito autoral?

Entenda os impactos da cultura maker na legislação brasileira

Julia Lindner

Imagine um mundo em que você pode imprimir cópias 3D de qualquer coisa - capinhas para celular, colares, brinquedos e até peças de eletrodomésticos. Não é um cenário futurista. A possibilidade de reproduzir objetos em makerspaces provoca debates sobre propriedade intelectual e também mudanças de legislação em vários países. No Brasil, no entanto, a lei autoral de 1998 está desatualizada e não contempla essas inovações.

Para a advogada Bruna Castanheira, especialista em direito digital, ainda há poucas ações relacionadas à cultura maker no Brasil, pois o uso da impressora 3D ainda está se desenvolvendo. Os casos mais comuns estão relacionados aos direitos do consumidor. “O assunto provoca controvérsia. Por exemplo: de quem é a responsabilidade de consertar uma peça defeituosa que foi impressa, da empresa que realizou a impressão ou do designer que elaborou o arquivo?”, questiona.

Os avanços da cultura maker representam uma oportunidade para atualizar a lei autoral brasileira, que não sofreu mudanças significativas após a popularização da internet, nos anos 2000. Um anteprojeto de modernização está parado no Congresso Nacional há quatro anos, depois de haver consulta online com cerca de 8.500 pessoas. “Para lidar com casos envolvendo meios eletrônicos, a legislação é adaptada informalmente, mas a defasagem do direito em relação à tecnologia é clara”, conta a advogada Gizele Truzzi, especialista em segurança da informação.

Bruna Castanheira diz que muitas vezes os autores impõem a proteção de suas obras de maneira abusiva. “É preciso equilibrar a proteção com o direito do público de usufruir conteúdos.” Gizele concorda e diz que preços exagerados também podem incentivar a pirataria. Para ela, o mercado deve se autorregular. “Ter tudo dentro da legalidade pode custar caro. Algumas pessoas e pequenas empresas até querem ter o software proprietário, mas não têm dinheiro para pagar pelo original.”

Registro

Não é só a propriedade intelectual que está em jogo. Há questionamentos envolvendo marca, patente e desenho, que abrangem a propriedade industrial. O consultor Henry Suzuki, que também é inventor e especialista na área, compara o cenário desencadeado pela cultura maker às mudanças no mercado de música ao longo das últimas décadas. “Com as conexões online, qualquer um pode reproduzir uma faixa sem autorização. Fica difícil fiscalizar”, diz Suzuki.

Bonecos criados no Garagem Fab Lab. Registrar as invenções é importante para proteger a propriedade intelectual. Crédito: Humberto Abdo/Estadão

Para os fazedores que criam sem a intenção de lucrar com as suas invenções, ele recomenda medidas de precaução. Mesmo que o objetivo seja nobre, basta publicar uma ideia na internet para alguém aperfeiçoá-la e registrá-la. “Se a pessoa não sabe jogar de acordo com as regras, faz as coisas de graça e não é reconhecida.” Gizele Truzzi também sugere que os makers guardem provas que comprovem a autoria de suas criações. “Todo processo de registro é demorado, mas protocolar o pedido já é suficiente para preparar uma defesa”, explica Gizele. Já para quem busca patentear uma invenção, é preciso buscar um diferencial. A dica é pesquisar e adaptar o produto de acordo com as necessidades do mercado.

“As pessoas têm uma ideia de que o inventor é um professor pardal, mas observando a nova geração eu diria que o maker é uma pessoa criativa, que vai atrás, entende de negócios e está por dentro até mesmo das leis”, diz Suzuki. Apesar da gama de possibilidades, o consultor é cauteloso e afirma que ainda há questões incipientes, já que muitas vezes os custos e o acabamento do processo de reprodução não compensam. “Os makers só são uma ameça para quem é acomodado. Para mim, é uma oportunidade de incentivar a inovação.”