Eternos capitães

Eles tiveram a honra de erguer a taça

Cafu recebe a taça do penta, em Yokohama Vidal Cavalcante/Estadão - 30/6/2002

Bellini, Mauro, Carlos Alberto, Dunga e Cafu, nessa ordem e todos de defesa: foram os comandantes dentro de campo nas cinco conquistas do Brasil

Muitos quiseram, poucos tiveram a honra. Erguer a taça de campeão do mundo é reverência máxima para um jogador. Cinco brasileiros, em 20 Copas, tiveram esse privilégio, e o primeiro deles acabou por criar um gesto que se eternizaria no futebol. Bellini foi o primeiro a levantar o troféu com as duas mãos, por cima da cabeça, na Copa de 1958. Mauro, Carlos Alberto, Dunga e Cafu repetiram o movimento e igualmente entraram para a galeria dos grandes capitães. O quinteto simboliza épocas em que o dono da braçadeira era quase o dono do time, pela liderança em campo, espírito de companheirismo e respeito com que era tratado pelo grupo e pelos rivais. Era preciso ter algo mais para ser capitão.

O mundo mudou, o futebol também, e atualmente há seleções que têm vários capitães. O Brasil de Tite é talvez o exemplo mais bem acabado dessa nova ordem. No entanto, Bellini, Mauro, Carlos Alberto Torres, Dunga e Cafu, cada um a seu jeito e estilo, estão gravados para sempre na história da seleção nacional.

Bellini foi o pioneiro. Ereto. Esguio. O Brasil foi para a Suécia desconfiado e sob desconfiança. Havia perdido o Mundial que promovera, oito anos antes. Não fora longe em 1954 e lutava contra o “complexo de vira-lata” expressado nas crônicas de Nelson Rodrigues a reboque do Maracanazo de 1950. O escritor retratava o sentimento de inferioridade do brasileiro em relação a outros povos. Dentro e fora do campo. Complexo à parte, a seleção montada por Feola era composta por alguns jogadores que sabiam tudo de bola. E outros que não sabiam tanto. Mas que tinham dedicação e garra.

Então com 28 anos, após os 5 a 2 sobre a Suécia, o zagueiro Bellini, do Vasco e São Paulo, entraria para a história por dois motivos: por ser o primeiro a receber a taça e pela iniciativa de erguê-la.

Um gesto que, como Bellini contou diversas vezes, não foi pensado, e sim consequência da “necessidade” dos fotógrafos. “Na verdade, eu não sabia o que fazer com ela quando a recebi do Rei Gustavo (da Suécia). A confusão era grande e muitos fotógrafos tentavam uma posição melhor. Então, os mais baixinhos começaram a pedir, ‘Bellini, levanta a taça, levanta!’ para que pudessem fotografá-la melhor. Aí eu a ergui naquela gesto. E vi o mundo a meus pés’’, dizia. Bellini morreu aos 83 anos, em março de 2014.

Quatro anos depois, Mauro Ramos de Oliveira, que havia tomado a posição e o posto do amigo de longa data, repetiu o gesto quando o Brasil conquistou o bi no Chile. Ele revelaria mais tarde que também foi uma maneira de homenagear Bellini. Dono de um futebol refinado e sempre elegante, sabia se impor e fazer prevalecer seu ponto de vista sem alterar o tom de voz. Uma liderança nata.

O capitão da conquista seguinte, Carlos Alberto Torres – então com 25 anos, foi o mais novo a levantar o troféu –, era praticamente o oposto de Mauro. O futebol também era de alto nível, mas o temperamento… “Capita’’, como foi apelidado, gritava se fosse preciso gritar, batia se fosse preciso bater. Era, porém, um líder que dividia o poder. “Minha função era facilitada. Eu tinha ao meu lado jogadores com liderança em suas equipes: Piazza, Gerson, Brito, Pelé. Então a gente dividia a função de capitanear o grupo nacional.” Esses três capitães viraram lenda ao nos deixar. Bellini, como informado, morreu em 2014; Mauro, em 2002; e Carlos Alberto Torres, em 2016.

De Carlos Alberto a Dunga, o Brasil teve de esperar 24 anos para conhecer seu novo capitão. Ele levantou a taça em 1994, nos Estados Unidos. Explosivo, Dunga não perdoou os críticos da seleção brasileira. “Nossa geração mostrou como se ganha um Mundial: com determinação, qualidade, garra e muita vontade. Só o talento não basta’’, resumiu.

Veio 2002 e Cafu se mostrou um capitão “antenado’’ e mais sensível. “É isso que o povo brasileiro deve ter, a lembrança do Cafu levantando a taça de campeão, essa alegria. É o que fica”, afirma.

1958

Bellini sabia que o Brasil passaria a ser respeitado

Capitão da seleção brasileira, Bellini recebe a taça Jules Rimet Acervo Estadão - 29/6/1958

O primeiro capitão de uma seleção do Brasil a levantar a taça de campeão do mundo foi um zagueiro grandalhão (1,83m) magro, loiro, jeito e sotaque caipiras de quem nasceu em Itapira, interior paulista. Hideraldo Luiz Bellini destacava-se mais pelo vigor físico e disposição do que pela técnica.

Tinha, também, bom sentido de colocação, além de espírito de liderança que saltava aos olhos. Por isso, foi escolhido capitão de uma seleção que tinha Didi, Nilton Santos e Djalma Santos. “Eu sabia que ela (a taça) ficaria com a gente por quatro anos e que todos passariam a respeitar o Brasil’’, gostava de dizer.

1962

Mauro era elegante dentro e fora de campo

Mauro Ramos ergue a taça da Copa do Mundo CBF - 1962

Se Bellini, o capitão de 1958, se imponha pelo vigor físico, o dono da braçadeira em 1962 era um beque clássico e elegante. Fosse hoje, diriam que “jogava de terno”. Mauro Ramos de Oliveira soube esperar. Reserva nas Copas de 1954 e 1958, ganhou na bola a chance de ser titular no Chile. E como capitão.

Mauro, porém, sabia defender seu espaço. Zagallo conta que, na véspera da estreia, quando o técnico Aymoré Moreira lhe disse que o tiraria do time, ele disparou: “Fui reserva até agora e não falei nada, mas agora não dá. Joguei todos os jogos preparatórios e você quer me tirar?’’ Aymoré, então, disse que só queria testá-lo. E o manteve na equipe.

1970

Carlos Alberto não engolia o roubo da taça

Capitão da seleção, Carlos Alberto Torres repete o gesto na Copa Acervo Estadão - 21/6/1970

Carlos Alberto Torres era um jogador de pavio curto. Inquieto, criava encrencas. Mas jogava o fino da bola. Tanto que muitos o consideram o melhor lateral-direito da história do futebol mundial. Tudo isso fez dele um líder, e um capitão natural da seleção na Copa de 1970.

“Capita” exercia a função desde 1967. Para ele, levantar a taça no estádio Azteca foi a maior honra que teve na carreira. “Tínhamos consciência de que o troféu ficaria com a gente para sempre”, dizia.

Ficaria, não tivesse sido roubado da sede da CBF em 1983 e, segundo consta, derretido. O roubo da Taça Jules Rimet virou até filme. Esse episódio, dizia Carlos Alberto Torres, foi uma das maiores decepções de sua vida.

1994

Dunga aproveitou a honra para desabafar

Romário observa o capitão Dunga levantar a taça Masao Goto Filho/Estadão - 17/7/1994

O posto de capitão na Copa do Mundo de 1994 foi dado a Raí. Porém, o meia acabou barrado e Dunga assumiu a braçadeira. Sua liderança era importante para uma seleção que vivia sob críticas. E havia a pressão dos 24 anos sem título. “Era pau o tempo todo”, resume o capitão do tetra.

Para ele, a carga era extra, pois tornara-se símbolo do fracasso de 1990, a “era Dunga”. Por isso, ir às tribunas do estádio Rose Bowl para receber a taça serviu-lhe como resposta. Falou alguns palavrões e logo passou o troféu para os companheiros do Brasil. “Quis dividir o momento com o grupo todo”, justificou.

2002

Cafu deu leveza e graça em seu gesto no Japão

Cafu beija a taça antes de fazer o famoso gesto na conquista do penta Paulo Pinto/Estadão - 30/6/2002

É possível que nenhum outro capitão tenha sentido tão pouco o peso da taça da Copa do Mundo, uma peça em ouro de 6,2 quilos, do que Cafu, o escolhido de 2002. “Você fica hipnotizado com ela”, revela. Até hoje, aliás, o brilho nos olhos do lateral-direito da seleção que conquistou o penta fica mais intenso quando ele relembra aquele momento no Japão.

Cafu surpreendeu ao receber a taça da quinta conquista. Vestia a camisa do bairro pobre onde cresceu em São Paulo – “100% Jardim Irene” – e homenageou sua mulher para o mundo ver. “Regina eu te amo”, bradou ele com o troféu nas mãos. Ser capitão de uma seleção campeã mundial coroou uma carreira que só existiu porque Cafu foi persistente.

Reportagem: Glauco de Pierri, Almir Leite, Raphael Ramos, Wilson Baldini Jr., Gonçalo Jr., Pedro Hallack e Rodrigo Luiz Diagramação: Eduardo Bettiol e Eloy Mattoso Arte: Glauco Lara Coordenação Infográfico: Paulo Favero Colunistas: Antero Greco e Ugo Giorgetti Editor de Fotografia: Eduardo Nicolau Edição de Esportes: Robson Morelli