As lições que os heróis ensinam
Pepe, Coutinho, Clodoaldo, Zinho e Roque Junior lembram os diferenciais de cada time, de 58 a 2002, e dão dicas para Tite se dar bem na Rússia
A conquista de 1958 atesta a importância do drible e da improvisação. Em 1962, o talento ganhou experiência e maturidade, outras qualidades fundamentais para erguer a taça. A Copa de 70, o mítico tricampeonato, mostrou um padrão de jogo, com posse de bola e sem chutão, citado como exemplo por Pep Guardiola, o técnico espanhol reverenciado na Europa desde que comandou o Barcelona. A Copa de 1994 evidenciou que o Brasil também sabia se organizar e se defender. Em 2002, o Brasil resgata a genialidade de craques como Ronaldo e Rivaldo.
Essas são as principais contribuições que cada seleção campeã pode dar ao time de Tite, que terá Neymar como seu principal jogador. São as lições para hexa. A escolha do diferencial de cada equipe, de 1958 a 2002, foi feita pelos heróis que estiveram lá, em cada uma das campanhas vitoriosas, em cinco entrevistas exclusivas dadas ao Estado.
Sessenta anos após o primeiro título, Pepe ainda se sente um desbravador. “Foi a primeira conquista da seleção e muitos jogadores nunca tinham ido à Europa”, diz o eterno canhão da Vila. Ele viu a conquista, assim como a de 62, do banco. Nas duas sofreu com as lesões.
A Copa de 70 ainda está nítida para Clodoaldo, e para muitos torcedores e técnicos europeus. “Depois de tanto tempo, aquele modelo ainda é praticado. A gente jogava sem centroavante, o Pelé e o Rivellino voltavam para fechar os espaços”, comenta Clodoaldo.
Zinho acredita que a seleção de 1994 foi um divisor de águas no futebol nacional. “Mostramos um futebol competitivo. Muita gente dizia que era jogo feio. Mas a disciplina tática e a qualidade técnica funcionaram”, recorda o meia.
Em 2002, o Brasil tinha talentos, organização tática e excelente clima fora de campo. Felipão tinha o time nas mãos, como Tite tem hoje. Quem afirma isso é Juninho. “Todos se gostavam”.
Pepe, atacante da seleção em 1958
1. Como a primeira conquista da seleção pode ajudar em 2018?
Pode parecer simples, óbvio, mas futebol é coletivo. Todos devem fazer sua parte e pensar no grupo. Por outro lado, é preciso espaço para a improvisação, o drible, aquilo que desmonta o esquema do adversário.
2. Quais as lembranças mais fortes da Copa na Suécia?
Era uma seleção jovem. Eu vinha bem, mas me machuquei e perdi a posição para o Zagallo. Foi a Copa do Pelé. E o Garrincha assombrou o mundo. Fomos desbravadores. Muitos jogadores nunca tinham ido à Europa. Foi a primeira viagem de muita gente. Nós fomos os desbravadores para aqueles que vieram depois da gente.
3. Como foi ficar na reserva?
Eu torcia, pois o grupo era unido. Não tinha essa coisa de ciúme e rivalidade entre a gente. No jogo, a gente ficava na arquibancada, torcendo, de paletó e gravata.
4. Havia pressão por causa da derrota em 1950?
Sim. Todos ficamos chorosos. A gente precisava ganhar de qualquer jeito. Havia muita cobrança.
5. Como foi a festa?
Em São Paulo, a gente desfilou de carro aberto. Em Santos, andei no caminhão de bombeiros. As pessoas pulavam em cima da gente.
Coutinho, atacante da seleção em 1962
1. Como a Copa de 62 pode ajudar na conquista do hexa?
Era uma seleção mais experiente. A filosofia ofensiva foi mantida. A gente conseguiu unir o talento, todo mundo era craque, com a experiência. Isso é importante: ter jogadores com rodagem, que já passaram dificuldades.
2. Você ficou chateado por ficar na reserva do Vavá?
Não, de jeito nenhum. Todo mundo era amigo e a gente torcia um pelo outro. Claro que eu queria jogar, mas a gente respeitava a opinião do treinador. Era um grupo muito unido e sem nenhuma vaidade.
3. Como foi jogar sem o Pelé?
A gente teve um baque inicial, mas o grupo superou bem a ausência. O grupo era bom também, só tinha craque. O Amarildo entrou bem e deu conta do recado. O Garrincha também arrebentou.
4. Como foi a semifinal diante do Chile, os donos da casa?
Foi um jogo difícil e havia um clima de rivalidade também. Eu me lembro que a gente almoçou só sanduíche. O pessoal estava com medo de que colocassem alguma coisa na comida.
5. O que mudou no futebol de 1962 para cá?
Hoje em dia o futebol não é tão técnico. É mais força, condição física. O jogador corre mais do que a bola.
Clodoaldo, volante da seleção em 1970
1. Quais as lições que o tricampeonato pode trazer para Tite?
Muita coisa que fizemos em 1970 ainda são citadas por grandes treinadores, como o próprio Tite e o Guardiola. A posse de bola, troca de passes, saída com os zagueiros sem chutão. A gente também não jogava com o camisa 9. Eram jogadores versáteis e inteligentes que faziam várias funções.
2. Qual foi o grande momento?
Do ponto de vista pessoal, foi o gol que marquei contra o Uruguai. Eu era o mais jovem e vi aqueles craques, como Pelé e Rivellino, me abraçando. Consegui superar uma linha imaginária que me separava deles. Foi um momento mágico.
3. E para a seleção?
Acho que a partida contra a Inglaterra, que era a campeã do mundo. No vestiário, após o jogo, nós acreditamos que poderíamos ganhar a Copa. Eu perdi quase cinco quilos naquele jogo. Foi uma batalha que conseguimos vencer.
4. Quando você se sentiu campeão?
Foi só quando o Carlos Alberto fez o quarto gol na final diante da Itália. Até o placar de 3 a 1, a gente ainda tinha um medinho que pudesse acontecer alguma coisa.
5. O Brasil será campeão de novo?
Temos boas chances, um ótimo time e um grande treinador. Se a equipe se encaixar, pode vencer sim. Estou otimista, pois o Brasil é uma das seleções mais bem preparadas.
Zinho, meia da seleção em 1994
1. Como a conquista de 1994 pode inspirar a seleção de Tite?
O time era muito concentrado, focado e alheio ao que acontecia do lado de fora. Outro diferencial era nossa postura tática, comprometimento com o que havia sido determinado pelo treinador.
2. Qual foi o momento mais difícil?
Foram dois. O primeiro foi diante dos Estados Unidos, no dia 4 de julho, Dia da Independência deles. Era o jogo das oitavas de final. Nós ficamos com um jogador a menos (Leonardo foi expulso). Foi um jogo difícil não pela qualidade norte-americana, mas pelo momento, pela data.
3. E a outra dificuldade?
A outra dificuldade foi diante da Holanda, um time que sempre dá trabalho para o Brasil. O Branco fez aquele gol salvador, de falta.
4. Como você lida com as críticas que recebeu na Copa?
Naquela época, nós não tínhamos essa visão global do futebol. As pessoas só analisavam as seleções anteriores. Eu abdiquei das minhas características ofensivas para jogar mais posicionado, cumprindo as funções táticas. Acreditei no esquema e deu certo.
5. O Brasil será campeão?
Estou confiante. O time é um dos favoritos. A comissão técnica é de alto nível – fui campeão com o Tite e joguei contra o Edu. São muito competentes. Além disso, temos grandes jogadores e um craque, o Neymar.
Roque Junior, zagueiro da seleção em 2002
1. Qual a principal lição que 2002 traz para a seleção atual?
Para vencer uma Copa é fundamental a união em torno do mesmo objetivo. Eram jogadores de qualidade e de personalidade, alguns que não tinham disputado a Copa e outros que já eram campeões. Mas todos com o mesmo objetivo: disputar sete finais.
2. Quais os momentos marcantes?
A estreia foi importante. A Turquia era um time de destaque. A Bélgica foi um rival difícil, pois jogava sem responsabilidade. O jogo da Costa Rica, que seria o menos importante, pois já estávamos classificados, foi vital para dar chance a todos. Esse jogo teve um fato interessante.
3. Qual foi?
O Felipão estava bravo com a atuação. O Edilson e o Luizão falaram com ele que o time poderia se recuperar. Isso deu força ao grupo.
4. Como era o ambiente?
O grupo era muito alegre. Os jogadores tinham uma amizade que foi para dentro de campo.
5. O time de Tite será campeão?
A seleção passou bem pelas eliminatórias, outro fator importante para fazer um time crescer. O grupo é capaz, experiente e todos querem ganhar. Estão focados nas sete finais.