Erasmo Dias era para muitos o símbolo de um tempo, do arbítrio e da ordem. Durante o regime militar inaugurado em 1964, era o que se chamava de “todo-poderoso”. Mandava prender e soltar. Era impulsivo e explosivo. Desde que lhe parecesse justo, acobertava crimes comuns e militares. Dava prêmios aos policiais que caçavam e matavam bandidos. Reformou a Segurança Pública paulista, criando uma estrutura até hoje existente. Alto, magro e de olhos azuis, quem o conheceu nos anos 1970 diz ser difícil imaginar o quanto ele foi de fato poderoso.
Um dia, Erasmo foi informado da prisão de um jornalista surpreendido com maconha. O homem apanhou seu carro e estacionou na frente da delegacia. Entrou no plantão policial e mandou chamar o delegado. “Quero ver o flagrante.” Solícita, a autoridade de plantão lhe entregou os papéis. O secretário da Segurança passou os olhos nos documentos e os rasgou acintosamente diante de todos. “Pode soltar o homem”, ordenou. Virou as costas e foi embora. O jornalista estava livre.
Erasmo chegou ao gabinete, na Câmara Municipal de São Paulo, às 9 horas. Era julho de 2004. Faltavam poucos meses para o coronel da reserva e ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo terminar seu último mandado parlamentar. Cumprimentou um assessor, apanhou papéis e sentou na cadeira de couro de sua mesa. A conversa ia durar quase duas horas. Tudo terminado, fez um pedido inesperado depois de o gravador ser desligado: que a entrevista fosse publicada depois de ele morrer - o que aconteceria em 4 de janeiro de 2010. Erasmo relatara sua experiência no comando da polícia paulista e suas relações com os responsáveis pela repressão política no Estado.
Naqueles anos, o homem estivera no olho do furacão de uma das maiores crises do regime — a que levaria ao afastamento do general Ednardo D’Ávila Melo, em 1976, do comando do 2º Exército —, após a morte de três presos políticos nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI). Eram o tenente José Ferreira da Silva, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho. Erasmo concordara em falar dias antes e marcara o encontro no gabinete. A parte política de seu relato integrou a pesquisa que se transformou no livro A Casa da Vovó. Seu relato a respeito do dia a dia de sua passagem pela secretaria – de 1974 a 1977 – permaneceu inédito.
O vociferante Erasmo deixou o cargo no Estado para se candidatar a uma cadeira na Câmara dos Deputados em 1978. O ex-secretário se elegeu pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido do regime. Começaria ali uma carreira como parlamentar que o levaria depois do Congresso à Assembleia Legislativa paulista e somente se encerraria em 2004, na Câmara dos Vereadores.
Era difícil Erasmo não se empolgar em uma entrevista. Em 1990, retirou a pistola que guardava na mala e a exibiu ao repórter que o questionava sobre o editorial do jornal Folha da Tarde que o chamara de “covarde”. Tudo parecia despertar em seu rosto quando discordava do jornalista. O olhar se encapelava, o rosto estremecia, as veias pulavam, bufava e a voz vibrava como uma ordem. Invariavelmente, o coronel terminava o relato dando risada ou reafirmando sua contrariedade muitas oitavas abaixo. Às vezes, porém, desistia da ênfase e apenas admoestava ou aconselhava.
Há 30 anos, os coturnos arrasaram a PUC
Esse foi o texto publicado pelo ‘Estado’ no 30º aniversário da invasão da universidade comandada por Erasmo Dias
Há 30 anos, na noite de 22 de setembro de 1977, 500 homens da tropa de choque e agentes do Dops - a polícia política - invadiram o campus da Pontifícia Universidade Católica (PUC) em São Paulo e prenderam 700 estudantes, arrastados a golpes de cassetete e pontapés. Foi a mais truculenta ofensiva policial contra a autonomia da universidade durante todo o regime militar (1964-1985). Soldados indômitos puseram abaixo salas de aula e gabinetes dos professores, coagidos a bordoadas, choques elétricos nas nádegas e impropérios. Destroçaram mobílias, entortaram máquinas de escrever, rasgaram livros, fichários e material didático, arrombaram portas, picharam nas paredes CCC - Comando de Caça aos Comunistas, grupo paramilitar de ultradireita. Explodiram bombas de gás e petardos que fizeram pelo menos 15 vítimas , 5 delas com queimaduras graves, de terceiro grau, como Iria e Graziela. A operação bélica visava a impedir manifestação pela reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE), que havia sido declarada clandestina pelos generais desde que caiu a cúpula da entidade, no congresso de Ibiúna, em 1968.
Um decreto do presidente Ernesto Geisel (1975-1979), subscrito pelo ministro Armando Falcão (Justiça), proibia concentração estudantil em qualquer lugar, nos campi inclusive. A universidade assolada chocou o País do MDB, da Arena e do AI-5 e desencadeou uma onda de protestos. Mas ninguém foi punido. O bairro de Perdizes, onde fica a PUC, amanhecera sitiado naquela quinta-feira, dia 22. O deslocamento dos pelotões se deu às 5 horas. Os militares permaneceram de prontidão nas cercanias, até a ordem do ataque, no início da noite. “Foi uma noite de fúria, noite de cão”, define o professor e cientista político Paulo Edgar Almeida Resende, que era diretor da Faculdade de Ciências Sociais.
Coturnos – Os soldados arrasaram a PUC. A marcha dos coturnos ecoou pelo edifício centenário, que ficou encoberto pela cortina de gás. Por onde passaram, ficou a destruição. Conduziram seus prisioneiros, rotulados de subversivos e agitadores, até um estacionamento em frente, na Rua Monte Alegre, esquina com a Bartira, que hoje abriga um residencial de 13 andares. Espremidos, os estudantes sofreram constrangimentos. Sentados em chão de pedra, passaram por triagem. “A invasão foi premeditada”, avalia padre João Edênio Valle, na época vice-reitor comunitário da Pontifícia. “O estacionamento virou campo de concentração.”
Fausto Macedo / Estadão
Sentia-se, década após década, perseguido pelo protesto dos estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que, em 1987, mandaram-lhe balas e uma coroa de flores no 10.º aniversário de sua ação mais controversa à frente da secretaria: a invasão do câmpus Monte Alegre da universidade, em 22 de setembro de 1977. A ação pretendia impedir um encontro nacional dos estudantes, que buscava reorganizar o movimento estudantil no País – a União Nacional dos Estudantes (UNE) havia sido posta na ilegalidade pelo regime em 1964.
O coronel, que se enfurecera ao descrever os episódios ligados à repressão política e as críticas que recebera do cardeal-arcebispo d. Paulo Evaristo Arns, apanhou papéis para se lembrar do que fizera à frente da secretaria, os comandos que criara na PM, o estabelecimento de uma estrutura para a Polícia Científica e de departamentos para a Polícia Civil. Achava que era o bode-expiatório da oposição, que o criticava porque evitava o confronto com o Exército. Sua memória vagava entre o presente e o passado. Uma dessas pontes o conduziu na travessia de 2004 até o dia em que os três jovens foram mortos pela equipe 66 da Rota.
Acidente - Um dia antes estivera com a filha de 19 anos, que estudava Medicina. A jovem estava se restabelecendo de uma cirurgia quando foi convidada por duas amigas para ir a uma festa. “Não vá, minha filha, está chovendo e você acabou de ser operada.” No relato do coronel, a jovem era a única que tinha um carro – uma Pajero – e decidiu não deixar as amigas na mão. No trajeto, quando pararam em um semáforo, foram atingidas na traseira por um motorista que perdera o controle do carro. Todas se feriram. “Onde é que foi a ocorrência? Foi no 15.º Distrito. Fui eu que fiz aquele distrito”, continuou Erasmo.
O registro do acidente de trânsito levou o ex-secretário de volta à delegacia onde a morte dos rapazes pela Rota fora registrada e investigada. Já era manhã de segunda-feira. “O Rota 66 foi o primeiro episódio drástico que eu enfrentei.” Ele chegou à delegacia e foi procurar os policiais que tomavam conta do caso de sua filha. Começou a lembrar do que acontecera quase 30 anos antes. “E aí eu contei pra eles sobre o caso Rota 66.”
O Rota 66 foi o primeiro episódio drástico que eu enfrentei.
Após episódio, Polícia mudou treinamento e planejamento de ações
O caso Rota 66 foi o primeiro de uma série de episódios, como o massacre em 1992 de 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo, que levaram a Polícia Militar a mudar o treinamento e a formação de seus homens, além do planejamento das ações. A formação dos soldados, por exemplo, que era de seis meses, passou para dois anos – um de instrução e outro de estágio. Símbolo dessa mudança é o tenente-coronel Alexandre Gasparian, de 54 anos. Atual comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, Gasparian entrou na corporação nos anos 1980 como soldado. Fez o curso de seis meses e, depois, a Academia de Oficiais. “O currículo da Academia mudou. Hoje, 99% das matérias abordam temas como defesa pesoal, direitos humanos, procedimentos operacionais e técnicas de tiro defensivo”, disse. Como comandante, Gasparian planeja o deslocamento de seus homens segundo prioridades e planejamentos do comando da corporação, baseados em estatísticas de crimes graves. Nos anos 1970, o comando do batalhão era quem decidia como empregar a tropa. “A instrução dos homens é diária. Nossa ênfase é que o policial deve trabalhar profissionalmente em uma ocorrência, de tal forma que sempre esteja respaldado de todas as garantias legais.” ■ M.G.
Naquele 23 de abril de 1975, quando Erasmo chegou ao distrito, a guarnição 66 da Rota havia acabado de estacionar na delegacia que ficava ainda no antigo casarão da Rua Groenlândia, nos Jardins – o prédio novo, inaugurado por Erasmo na Rua Renato Paes de Barros, no Itaim-Bibi, na zona sul, seria entregue dois anos depois. Os militares vestiam o uniforme cáqui, característico da PM daqueles tempos. O tenente Eli Nepomuceno, responsável pelas equipes noturnas da Rota naquele dia, era o oficial mais graduado no lugar. Estranhamente, o tenente-coronel Salvador D’Aquino, comandante do batalhão, não havia sido informado sobre o caso. D’Aquino, que era um notívago, exigia ser comunicado sobre todos os casos graves no batalhão que ele comandava desde 1970. O tenente-coronel contou que chegou ao quartel amarelo da Rota, na Avenida Tiradentes, na região central, às 7 horas daquele dia e só então soube dos rapazes metralhados. O esquecimento de Nepomuceno ia lhe custar uma cadeia de dois dias e o afastamento da unidade. O desrespeito à ordem do superior faria dele o único policial punido em razão do caso.
Erasmo entrou na delegacia e foi na direção da sala do delegado de plantão. Em cima da mesa, estavam as armas dos cinco policiais militares – duas submetralhadoras calibre 9 mm e cinco revólveres calibre 38. Três dos PMs da guarnição 66 da Rota foram à delegacia, apresentando ao delegado a ocorrência – os outros dois integrantes da equipe permaneceram no local em que os garotos foram baleados. “Conta pra mim o que houve”, disse o secretário aos policiais. O relato que se seguiu é o conhecido: os rapazes fugiram, a perseguição se estendeu por diversas ruas, o tempo tornava a perseguição cada vez mais tensa. Os policiais, dependurados na janela da Veraneio, atiravam para responder aos tiros dos jovens, que bateram o carro na esquina da Rua Alasca com a Rua Argentina e desceram, mais uma vez atirando nos policiais.
O ex-secretário fazia questão de estar presente em todos os lugares onde acontecesse um caso grave – por isso, D’Aquino insistia em ser avisado; queria chegar primeiro. Astuto, Erasmo ouviu todo o relato calado. Não fez perguntas. E assim foi na direção da mesa onde estariam as armas que os homens da Rota diziam ter apreendido com os jovens — dois revólveres calibre 22 e um calibre 32. Na cadeira de seu gabinete, o secretário passou a descrever como percebeu que as armas haviam sido plantadas pelos policiais. “Aí eu peguei assim a arma e fiquei com o tambor na mão”, contou o coronel. A arma estava com defeito. Erasmo riu e contou o que perguntou aos PMs: “Bandido estava com isso?”. “É”, respondeu o policial. Então, o vereador mostrou como escondeu em uma gaveta da delegacia a arma com defeito que os policiais diziam ter sido usada pelos rapazes. “Meu amigo, eu peguei a arma, numa gaveta assim, vai tomar no rabo.” Outro revólver foi providenciado pelos policiais para simular a resistência de suas vítimas. “Mais alguma coisa?”, perguntou um dos policiais. “Não, faz o inquérito aí, pô”, disse Erasmo ao delegado. O secretário ainda daria “um esculacho” nos PMs: “Olha, vocês aprendem, viu, que eu sempre estarei do lado de vocês, mas nada explica e justifica. Não adianta mais ficar discutindo, agora vocês vão responder processo. Daqui pra frente não quero saber”.
Desarmados - O ex-secretário revela o que aconteceu naquela noite. “É aquela história: eu sei como são as coisas. Depois de uma hora e meia perseguindo os caras, correndo risco de vida do caralho, aqueles três garotos miseráveis... pô! Para, filha da puta, pô! O cara vai lá, o estado de ânimo do camarada... Eles (os rapazes) não estavam armados porra nenhuma”, confessou, rindo, o homem que mandava na Segurança Pública. “Na hora H, por que foge? Se foge é bandido! Então dá essa desgraça que a gente torce pra não dar. Fica a mancha.” O pai de um dos rapazes – Erasmo não diz qual – quis falar com o então secretário dias depois. “Um erro não justifica o outro. Há certas coisas que acontecem por negligência de alguém, por culpa de alguém e da culpa pro dolo, do dolo pra culpa...Agora, o policial está sempre cumprindo o dever. Eles não sabem quem são os caras, mas os caras sabem que eles são polícia”, disse o coronel ao pai do jovem.
A entrevista prossegue e Erasmo esclarece: para ele, a perseguição, o escuro, a tensão, tudo induziu os homens da Rota 66 a pensar que estavam diante de bandidos perigosos. Um gesto mal interpretado os fez atirar e matar os jovens de classe média. “No estado de ânimo daquela gente depois de tanta coisa atrás deles; cada vez que eles corriam atrás do camarada – e isso acontece muito com a polícia –, o ‘gordo’ vira mais bandido do que é. E são três bobinhos que não tinham habilitação ou coisa que o valha. Mas é a tal história: aí foi uma culpa dolosa... Não pode enfrentar a polícia! Não pode fugir da polícia! Quem foge da polícia é bandido. Então imagina o que os caras estão pensando...” E Erasmo conclui: “Depois vem a merda; conforme o caso, enruste uma maconha, conforme o caso, enruste uma arma. É uma autodefesa”.
No estado de ânimo daquela gente depois de tanta coisa atrás deles; cada vez que eles corriam atrás do camarada – e isso acontece muito com a polícia –, o ‘gordo’ vira mais bandido do que é. E são três bobinhos que não tinham habilitação ou coisa que o valha. Mas é a tal história: aí foi uma culpa dolosa... Não pode enfrentar a polícia! Não pode fugir da polícia! Quem foge da polícia é bandido. Então imagina o que os caras estão pensando...
Armas e maconha foram “enrustidas” pelos policiais da Rota 66, segundo o secretário, para arredondar a ocorrência. Não seria a primeira nem a última vez que isso aconteceria com Erasmo. “A Rota 90 (na verdade, 120) é pior ainda”, disse, referindo-se a outro caso envolvendo os homens das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Erasmo respirou e resolveu continuar sua confissão. “Não foi uma nem duas vezes... Às vezes, chegava assim e o cara estava morto sem ninguém vendo – só Deus sabe – e eu chegava assim e via o revólver e tic, tic, tic.” O ex-secretário demonstrou em seu gabinete como fazia para simular que “bandido” atirava até descarregar sua arma. “Cansei de ver no começo: polícia deu cinco tiros e o bandido um só. É excesso de zelo! Economia. Eu fazia, quando eu ia (aos locais de crimes). A primeira coisa que eu fazia era isso (descarregar a arma do suspeito morto). Quando eu não estava lá eu não recomendava que o cara (o policial) fizesse isso, pois o cara põe a mão nisso, ele vai ser indiciado; eu não vou ser indiciado.” Erasmo era o todo-poderoso, acima de qualquer suspeita. Podia fraudar a cena do crime que jamais seria indiciado.
Não foi uma nem duas vezes... Às vezes, chegava assim e o cara estava morto sem ninguém vendo – só Deus sabe – e eu chegava assim e via o revólver e tic, tic, tic.
O então secretário podia muito. Pagava recompensa aos policiais em dinheiro. “Quando havia algum problema mais crucial, eu cheguei a dar recompensa em dinheiro. Chamava no meu gabinete, reunia a família do cara.” Também promovia. “Promovi o Conte (Conte Lopes, hoje vereador pelo PTB) por bravura a primeiro-tenente.” Eram casos, como lembrou, de “extrema delicadeza”. E então passou a contar um desses casos. Um de seus informantes lhe telefonou. Pediu que o coronel fosse até o 26º DP, no Sacomã, pois um caso extremamente grave havia acontecido. Lá foi Erasmo. Dentro do xadrez da delegacia estavam presos o delegado, o escrivão e o investigador. Um bando havia resgatado três presos. “Eu falei: 'Em 24 horas, quero esses caras aqui'. E voltei para casa.” Horas depois, chamaram o então secretário: “Coronel, vai no posto, no Ipiranga”. Em um posto de gasolina estavam dois dos fugitivos mortos e um terceiro suspeito detido. “Fui lá. Levantei assim (e mostra como ergueu o pano que cobria o corpo) e um, dois, três, quatro, cinco, puta merda, nove tiros! Reagiu pra caralho. Fui no outro: um, dois, três, puta que o pariu. Não me satisfez.” O coronel queria o líder, que continuava foragido. “Chama o Fleury (delegado Sérgio Paranhos Fleury, veterano da repressão política e do esquadrão da morte dos anos 1960 e 1970). Fleury, esse cara aqui, eu quero pegar.” O delegado foi conversar com o bandido preso, que estava sentando no chão. “Levanta pra falar comigo!” Levantou, tomou um tapa na cara e ouviu Fleury dizer – e Erasmo mostra com gestos como Fleury engatilhou a arma na boca do suspeito: “Agora, meu filho, você tem dois minutos pra confessar o resto todo”. “Dali três horas, o filho da puta (líder do grupo) estava preso. Sem informação não tem operação”, concluiu Erasmo.
Vontade de matar - Erasmo criou um órgão de informação na sede da secretaria. Era a Coordenadoria de Informações e Operações Policiais (Ciop). Dois coronéis o auxiliavam: Mero Mendes Ferreira e Sidney Teixeira Alves. Um advogado criminalista telefonou para a casa do coronel. Desconfiava que a casa do vizinho, um procurador de Justiça, havia sido invadida por bandidos. Erasmo disse que foi acompanhado por um delegado: Davi dos Santos Araújo, um veterano do DOI-Codi, onde era conhecido como capitão Lisboa. Um grupo de policiais cercou a casa. Um cabo foi entrar pelos fundos e deu de cara com um estranho. O homem atirou no policial, apanhou sua submetralhadora e entrou. Os policiais decidiram invadir. Entraram no lugar à rajadas de metralhadora. “Um (ladrão) vem descendo, um cara, e levanta a mão.” Ele e outro bandido foram mortos. A mãe do procurador estava morta em sua cadeira de rodas. Uma das filhas do procurador estava deitada ao lado da avó e a outra filha na parte de cima da casa, de onde vinha o segundo ladrão. “Nós entramos dando rajada, que a coisa não era brincadeira. Não entramos batendo palma, foi pra assustar mesmo. Pegamos os dois (ladrões). Foram pro brejo. Lógico. A mãe dele (procurador) foi pro brejo. E aquele episódio: a polícia matou. Matou, não. Quando bandido desceu, a menina estava lá em cima e ele querendo estuprar. O procurador disse: ‘você salvou a honra da minha filha’." Erasmo deixa claro que, por acidente, a mãe do procurador morreu na invasão da casa. E que um dos bandidos estava com as mãos para cima. Mas foi para “o brejo” como seu comparsa que atirara no policial. O coronel terminou a entrevista explicando como a experiência na Secretaria da Segurança pode transformar um homem: “No fim, a gente vai ficando meio sádico; vê tanta brutalidade dessa gente (criminosos) que dá vontade de matar”.